Opinião
Um Brasil que exporta e importa
O Conteúdo Local para o Upstream de Óleo e Gás no Brasil passa por mudanças novamente. O Projeto de Lei dos deputados Jerônimo Goergen e Leonardo Quintão (Dez 2017) volta a propor percentuais para bens e serviços medidos separadamente, aplicando multas pelo não cumprimento dos números mínimos.
É nobre e desejável que as reservas e a exploração de hidrocarbonetos arrastem a indústria de bens e serviços no país, desenvolvendo-a e a capacitando para dias futuros. Isto gera renda, trabalho e move uma rede de fornecedores locais para a atividade produtiva.
O texto cita que “Para a fase de desenvolvimento da produção, os índices de apuração de conteúdo local serão estabelecidos separadamente para bens e para serviços.”
A distinção entre bens e serviços permitiria raciocinar que a indústria de máquinas e equipamentos teria calculado as possibilidades de fabricação local de cada tipo de equipamento e material futuro, para cada fase da sequência produtiva de óleo e gás, consolidando em números realistas.
Mas o nosso ambiente regulatório parece estar ainda bastante instável. Em uma coleta de percentuais mínimos a serem atingidos, citados no texto da PL, estão, na sequência: 18%, 25%, 40%, 40%, 40%,25%, 40%, 50%, 50%, 50%, 18%, 25%, 40%, 40%, 40%, 25%, 40%.
Se fossem colocadas lado a lado todas as séries de percentuais mínimos de Conteúdo Local ao longo das cerca de 20 rodadas de Concessão e Partilha, a variação observável seria ampla. A ANP poderá ter um trabalho imenso para medir a aprovar cada diferente situação dessas, para cada regra e cada bloco, cada rodada.
Provavelmente, a burocracia e a variabilidade da verificação serão dominantes. Pode se perder mais tempo medindo, interpretando, discutindo o que é cada coisa a medir do que selecionando viabilidades, pesquisando tecnologias, fazendo engenharia básica, desenvolvendo produtos de classe mundial e fabricando em vários lugares do mundo.
Guardadas as devidas proporções e especificidades do exemplo, a Embraer parece não ter mínimos locais por imposição, mas projeta, desenvolve e vende. E compete no mundo inteiro.
“O descumprimento dos índices mínimos de conteúdo local previstos nesta Lei sujeitará o concessionário e o signatário do contrato de partilha de produção a multa. Esta multa é aplicada da seguinte forma: se o percentual de Conteúdo Local não-realizado (NR%) for inferior 65% do valor oferecido, a multa (M%) será de 60% sobre o valor do Conteúdo Local não realizado. Se o percentual de Conteúdo Local não-realizado (NR%) for igual ou superior a 65% do valor oferecido, a multa será crescente, partindo de 60% e atingindo 100% do valor do Conteúdo Local oferecido, no caso o percentual de Conteúdo Local não realizado seja de 100%.”
Estamos submetidos ao medo, à proteção, aos muros, às multas?
Na contramão do discurso presidencial na Argentina, no Congresso da OMC, onde o Brasil estaria interessado em maiores trocas comerciais com o mundo. Exportando mais, importando mais.
“A literatura especializada já demonstrou que as compras de bens e serviços das empresas produtoras de petróleo e gás natural podem ser utilizadas para alavancar o desenvolvimento do País. Assim procederam a Noruega e o Reino Unido, que tiveram êxito na criação de dinâmico setor industrial para atendimento do segmento de exploração e produção de petróleo e gás natural.”
Nesses exemplos de países desenvolvidos, parece ter havido o interesse em dominar, desenvolver e exportar a geração de bens, serviços e tecnologias. Provavelmente será difícil construir uma indústria de classe mundial aqui apenas com números mínimos e multas. Nesses anos todos de Conteúdo Local, o que foi alavancado de classe mundial, exportador? Casos de sucesso certamente existem, mas muito mais sustentados pelo consumo local apenas, como o subsea extremamente demandante no país, comparativamente a outros lugares do mundo. Ou seja, fábricas apenas para o alto consumo local. Cessada a demanda por aqui, sumiriam? Não parece ter sido isso que ocorreu na Noruega.
A intenção parece ser boa, não há dúvida. Abimaq, Sinaval e outras entidades lutam para defender trabalho local, atividade local.
Mas haveria outra maneira de fazer isso por compensações e bonificações a quem desenvolvesse localmente ou em rede produtos mundiais, ao invés das imposições, ameaças e multas? Fazendo quem sabe com que os desenvolvimentos fossem baseados em escolhas voluntárias de quem compra, aqueles itens verdadeiramente viáveis para se tornarem globais?
O Brasil que exporta é o que importa!
*Armando Cavanha F. (cavanha.com) é professor convidado da FGV/MBA.