Opinião
Imissão provisória: o Direito garante que a energia não pare
Jurisprudência do STJ mostra como a urgência da expansão elétrica se concilia com a justa indenização ao proprietário. O interesse coletivo prevalece no primeiro momento, mas sem eliminar o direito individual de ser compensado.
Coautora: Mirella Furtado
A expansão da infraestrutura elétrica não pode andar no mesmo ritmo da burocracia. O Brasil precisa de linhas de transmissão, subestações e redes de distribuição que conectem o país e sustentem a transição energética. Muitas dessas obras atravessam áreas privadas, criando o dilema entre o direito constitucional à propriedade e a urgência do interesse coletivo.
A resposta está na servidão administrativa. Esse instituto jurídico permite o uso proporcional do imóvel sem exigir desapropriação. O proprietário mantém o domínio, mas cede parte da área para passagem de cabos e instalação de torres. Em contrapartida, tem direito a indenização pelos prejuízos comprovados. Mais do que letra de lei, sua efetividade está na interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça.
O STJ tem colocado a imissão provisória no centro dessa equação. Quando demonstrada a urgência, o acesso imediato ao imóvel pode ser autorizado com o depósito do valor ofertado administrativamente. Não há necessidade de avaliação judicial prévia nem de pagamento integral da indenização. O objetivo é claro: impedir que obras estratégicas parem antes mesmo de começar.
Nos julgamentos do AgInt no REsp 1.756.911/PA, pela Primeira Turma, e do AREsp 1933654/CE, pela Segunda Turma, o STJ consolidou esse entendimento. A Corte afirmou que a urgência legitima a imissão provisória, mesmo sem perícia inicial. A avaliação definitiva virá depois, com ampla defesa e contraditório, garantindo que o proprietário não seja lesado.
O interesse coletivo prevalece no primeiro momento, mas sem eliminar o direito individual de ser compensado.
Essa leitura tem efeitos imediatos no setor elétrico. Concessionárias podem executar obras sem o risco de atrasos insustentáveis. O Estado cumpre sua função de viabilizar políticas públicas essenciais. E o Particular tem a segurança de que sua reparação será definida em momento posterior, por meio de critérios técnicos e indenização justa. É um equilíbrio dinâmico, que preserva todos os lados envolvidos.
Esse modelo funciona como amortecedor entre urgência e justiça. De um lado, garante que a energia continue chegando a tempo e sem interrupções. De outro, preserva o particular, que não perde o direito de ser ouvido e reparado. A função social da propriedade deixa de ser princípio abstrato e se transforma em prática jurídica efetiva.
O impacto econômico dessa jurisprudência é significativo. Cada mês de atraso em uma linha de transmissão representa bilhões em custos adicionais. Ao mesmo tempo, um pagamento desproporcional de indenizações comprometeria a sustentabilidade do setor. A leitura do STJ equilibra esses fatores, oferecendo previsibilidade a investidores e proteção aos cidadãos.
No momento em que o Brasil acelera investimentos em geração limpa e redes inteligentes, a jurisprudência do STJ é peça-chave. A imissão provisória garante que a energia não fique refém da morosidade processual. A indenização proporcional assegura que, ao final, o proprietário receba compensação justa. É um modelo que concilia eficiência, segurança jurídica e responsabilidade social.
A servidão administrativa, interpretada pela Corte Superior, mostra que o direito pode ser vetor de desenvolvimento. Quando a energia não pode esperar, a imissão provisória viabiliza o futuro. E quando chega a hora de reparar o particular, a indenização proporcional traduz o compromisso do Estado com a Justiça. É nessa lógica que o Brasil pode crescer com segurança energética e respeito aos direitos fundamentais.
Mirella Furtado é advogada do Queiroz Cavalcanti Advocacia



