Opinião

A hora do GNV nos veículos pesados

O mercado automotivo pode ser um dos principais destinos para o esperado aumento da oferta da molécula de gás em condições mais competitivas

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O GNV (gás natural veicular) ganhou, recentemente, um apoio de peso: o do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Em entrevista ao repórter Julio Wiziack, da Folha de S. Paulo (23.07), o ministro manifestou a intenção de estimular o uso de GNV em caminhões. Sua ideia é diminuir o consumo do diesel no País e reduzir o custo do frete. De acordo com o ministro, o governo planeja — assim que o mercado de gás estiver consolidado — reduzir o consumo de diesel. “Não dá para dizer que haverá subvenção ao caminhoneiro. Não tem isso no momento, mas o preço vai cair tanto com essa expansão, que ficará atrativo fazer a conversão", argumentou, ao defender o denominado plano "Novo Mercado de Gás".

Essas palavras, do mais alto escalão do Ministério, dão um indicativo de que finalmente o tema ganhou a devida relevância para o País. E essa constatação é bastante animadora para nós — militantes dos benefícios do uso do GNV em veículos pesados.

De fato, o mercado automotivo pode ser um dos principais destinos para o esperado aumento da oferta da molécula de gás em condições mais competitivas. Não só pela redução de custo do frete, como espera o MME, mas também pelos imensos benefícios ambientais decorrentes da substituição do diesel.

O uso de GNV pode reduzir as emissões de GEE (Gases causadores de Efeito Estufa), condição indispensável para o cumprimento de compromissos firmados pelo País no Acordo de Paris, e também diminuir significativamente o impacto da severa emissão de material particulado (PM5), óxido de nitrogênio (NOX) e óxidos de enxofre (SO2) no ar das cidades, extremamente prejudiciais à saúde. Estima-se que a redução de emissões de CO2 varie de 15% a 20%, na substituição do diesel.

Nos Estados Unidos, de acordo com a Agência de Proteção Ambiental, o NOX e o SO2 lançados em grande escala pela combustão de diesel e gasolina são considerados a principal causa da chuva ácida. O fenômeno, segundo alguns estudos, tem impactos ambientais negativos sobre a qualidade da água e a fotossíntese das plantas e, também, efeito corrosivo nas construções e instalações urbanas.

Na Inglaterra, uma organização chamada Doctors Against Diesel, formada por médicos, tem a missão de informar a população sobre como esse derivado do petróleo afeta a saúde das pessoas — do bebê no útero até a terceira idade. No Brasil, a OSCIP Instituto Saúde Sustentabilidade vem se dedicando a estudar esse impacto na saúde da população nas principais cidades.

A redução do uso de diesel, boa parte dele importado, terá reflexos positivos para a balança comercial do País, bem como desenvolverá toda a cadeia produtiva que gira em torno dos veículos pesados, gerando empregos e renda.

Hoje, essa cadeia é plenamente desenvolvida em países da Europa, onde a maioria das montadoras conta com opções para gás natural. Um grande exemplo é a Scania, cuja unidade em São Bernardo (SP) prevê produzir caminhões a gás a partir de 2020. Já a italiana Iveco apresentou na Europa um modelo concebido especialmente para longas distâncias, o Stralis NP 460. Eleito o Caminhão de Baixo Carbono do Ano de 2018, o veículo estabeleceu novo recorde de autonomia ao viajar (sem reabastecer) de Londres a Madri usando tanques de Gás Natural Liquefeito (GNL). Volvo e MAN são outras gigantes do setor que vêm investindo nessa alternativa.

Para viabilizar essa inserção, muitos países europeus e da América do Norte vêm criando corredores logísticos que contam com dezenas de postos ao longo das rodovias, todos plenamente estruturados para abastecer veículos pesados. A Shell, por exemplo, instalou um posto com esse conceito ao lado do porto de Roterdã, um dos mais movimentados do mundo, com outras unidades até o Vale do Ruhr, na Alemanha, onde está um dos principais parques industriais do mundo. O mesmo poderia ser implementado nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Paranaguá, por exemplo, facilitando a vida de milhares de caminhoneiros pressionados pelos preços do diesel.

Enquanto essa realidade não chega, outras iniciativas merecem destaque: o lançamento, pela Fiat, do GrandSiena já preparado de fábrica para o uso de GNV; o incentivo do Uber à conversão de veículos de motoristas que usam o aplicativo; e a oferta de veículos movidos a gás em grandes locadoras de automóveis como Localiza e Unidas. O fato de a alemã Audi trazer ao Brasil A5 G-Tron, um modelo de luxo, também é simbólico desse novo momento em que, para grande parte da sociedade mundial, cada vez importam mais os atributos econômicos e ambientais do veículo, deixando em segundo plano antigos preconceitos.

É possível avançar muito. Grandes capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, onde a rede de distribuição de gás canalizado é bastante capilarizada, já poderiam estar aproveitando dos benefícios ambientais, sociais e econômicos do gás natural no transporte público em ônibus municipais. Com planejamento, o mesmo poderia acontecer em um prazo não muito longo em corredores de transporte público em cidades como Campinas, São José dos Campos, Santos, Belo Horizonte, Campo Grande, Salvador, Recife, Fortaleza, Maceió, Aracaju, João Pessoa, Natal, Manaus, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, entre outras. Existe tecnologia — a já citada Scania fez um roadshow por diversas cidades com um veículo movido a gás natural e biometano que, além das vantagens já mencionadas, reduz o nível de ruídos. A mudança não é coisa de países do chamado Primeiro Mundo. Na América do Sul, Chile, Peru e Colômbia já adotam em suas capitais — com sucesso — o gás natural em veículos pesados.

Com as perspectivas de a oferta de gás ser triplicada no Brasil, em um cenário mais otimista, é bastante saudável que o País aproveite a oportunidade estratégica de fazer uma inflexão em sua matriz energética, criando demanda firme para dar ao mercado um necessário sinal de previsibilidade, mas sobretudo usando um combustível que, muito além dos benefícios ambientais, comprovadamente ajuda a reduzir significativamente os problemas de saúde da população, problema com impacto social e também econômico ao sobrecarregar as contas públicas.

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