Opinião
O shale gas à espreita no Brasil
O pouco conhecimento científico e o limitado número de publicações científicas disponíveis sobre o potencial exploratório de shale gas/oil no Brasil, impõem que sejam realizados estudos no intuito de contribuir para uma possível exploração desse recurso
*Com Raul Rechden, Universidade de Santa Catarina
O aumento da demanda energética mundial vem impulsionando o crescimento da indústria petrolífera em ritmo crescente. De acordo com previsões feitas em 2018 pela International Energy Agency (IEA), o mundo permanecerá dependente de combustíveis fósseis pelo menos até 2040. Embora apresente um sutil declínio, a utilização de combustíveis ainda contabilizará cerca de 74% da matriz energética mundial, contra os atuais 80%. O gás natural é responsável por mais da metade dessa contribuição. Os reservatórios não convencionais de hidrocarbonetos têm mostrado crescente potencial no cenário produtivo atual em relação à exploração em arenitos ou carbonatos, principalmente nos Estados Unidos, Rússia, Argentina e China.
A comprovação nos EUA de que os reservatórios não convencionais são viáveis, atesta que este é um bom momento para o desenvolvimento dos conhecimentos técnicos e econômicos sobre os reservatórios não convencionais das bacias sedimentares brasileiras. O Brasil contempla diversas bacias sedimentares com potencial para descobertas de hidrocarbonetos em reservatórios não convencionais. Estas bacias situam-se tanto em áreas remotas (Solimões, Parecis, Parnaíba) como em áreas mais desenvolvidas (Paraná, Recôncavo). A área dessas bacias pode variar de pequenas (Recôncavo 12.000 km²) a áreas gigantes como a Bacia do Paraná com seus 1.500.000 km². As eras geológicas variam de Pré-Cambriana a Mesozoica. A riqueza das rochas no que diz respeito a qualidade, quantidade, maturação e características petrofísicas e geomecânicas indicam seu alto potencial como reservatórios não convencionais. O pouco conhecimento científico e o limitado número de publicações científicas disponíveis sobre o potencial exploratório de shale gas/oil no Brasil, impõem que sejam realizados estudos no intuito de contribuir para uma possível exploração desse recurso. A ANP (2013) realizou cálculos de reservas recuperáveis, chegando a um volume em torno de 414 Tcf (11,7Tm³) na soma das principais bacias sedimentares (Paraná, Recôncavo, Parnaíba, Parecis e São Francisco). Isto demonstra o alto potencial do gás não-convencional na indústria petrolífera brasileira, o que recomenda aprofundar a avaliação de reservatórios não convencionais em formações geológicas das principais bacias terrestres brasileiras. Os resultados poderão nortear uma trajetória de sucesso similar à dos reservatórios não convencionais dos EUA.
Os casos de sucesso na exploração de reservas não-convencionais no mundo são limitados a poucos países, sobretudo os EUA e Argentina e decorrem não apenas do tamanho das formações e volumes de reservas encontradas, mas sobretudo da infraestrutura existente para escoamento do gás natural, do tamanho do mercado de gás e de sua participação na matriz energética desses países. Já os fatores que influem negativamente no desenvolvimento dos não-convencionais estão ligados principalmente a ações ambientalistas, notadamente pela falta de conhecimento a respeito das possibilidades de mitigação de riscos ambientais associados a esses processos, os quais incluem contaminação de fluidos em aquíferos e formações geológicas sobrejacentes, terremotos, subsidência e reativação de falhas a cerca dos poços, grande volume de água usada para o fraturamento e descarte, entre outros.
O rápido sucesso dos não-convencionais nos EUA ocorreu sobretudo por conta da robusta infraestrutura de transporte já em operação quando a produção nesse tipo de formação se mostrou viável. As principais regiões produtoras estão conectadas por dutos com unidades de processamento, por sua vez ligadas a usinas termoelétricas, plantas petroquímicas e refinarias, de modo a otimizar o uso e reduzir custos de transporte, sabidamente um gargalo importante no desenvolvimento do mercado de gás natural.
Na Argentina, o relativo sucesso que está ocorrendo é por conta da dramática situação energética do país, que tem que recorrer a importações de gás natural liquefeito e de gás natural boliviano para satisfazer até 40% de sua demanda em períodos de pico. Essa situação é a inversa do que se via até 2008, quando o país tinha excedentes e exportava gás para países vizinhos, como Chile e Brasil. A deterioração ocorreu a partir de 2009, com a queda da produção e reservas, além de preços mantidos artificialmente baixos, desestimulando a alocação de recursos para exploração de novos campos. Com a produção atingindo 50.000boe/d atualmente, é o play não convencional mais bem-sucedido fora dos EUA. A Argentina tem uma grande oportunidade, mas depende de ganhos de escala para reduzir seus custos. O governo argentino está otimista com os resultados obtidos até agora com o desenvolvimento do shale gas/ oil e busca investidores para aumentar a competitividade da área, principalmente em infraestrutura (DELGADO, 2017).
As fontes não-convencionais representam para a Argentina uma oportunidade de renascimento da indústria de upstream, atraindo empresas globais para, em conjunto com seus pares locais, incrementarem a produção e as reservas, necessárias para acompanhar a expansão da demanda, substituir parte das importações e até exportar.
No Brasil tem sido dada muita atenção ao desenvolvimento da produção de gás natural nas bacias offshore, dada a impossibilidade de queima e reinjeção acima dos níveis atuais e, portanto, da necessidade de construção de infraestrutura que permita o escoamento do gás natural produzido, sobretudo na bacia de Santos. Tais volumes representam um importante acréscimo à produção nacional, porém dependem de elevados investimentos para serem colocados no mercado; não obstante, representam uma grande oportunidade para o país voltar a desenvolver o mercado do gás natural, iniciativa que trouxe uma importante contribuição para a segurança do sistema energético brasileiro, sobretudo após a chamada “crise do apagão” de 2001.
Por outro lado, as oportunidades que devem surgir a partir do desenvolvimento de campos onshore em reservas não-convencionais, podem também contribuir para aumentar a infraestrutura disponível no país para o escoamento da produção, democratizando o acesso a pequenos e médios consumidores isolados dos grandes sistemas de distribuição por dutos, que requerem investimentos substancialmente maiores. Os campos onshore guardam esse tipo de vantagem em relação à exploração offshore, no sentido em que diluem os riscos exploratórios, reduzem a necessidade de investimento inicial e aumentam as opções de comercialização, seja por dutos em sistemas regionais ou isolados, por caminhões de gás comprimido ou até mesmo sob a forma de energia elétrica.
Quando se observa o cenário brasileiro, com a técnica do fraturamento hidráulico, o aproveitamento dos recursos não convencionais pode trazer consigo uma oferta abundante e competitiva de gás natural. Além da geração de empregos e renda, poderá trazer novos investimentos e desenvolvimento local e regional. Também estimularia a expansão da malha de gasodutos do país, a expansão da geração termelétrica a gás na boca do poço e possibilitaria o desenvolvimento de novos mercados. Como não há interesse das grandes empresas nas áreas terrestres maduras, abrem-se possibilidades para empresas de menor porte participarem das atividades de exploração e produção no Brasil (EPE, 2018).
A questão do shale gas é um fenômeno evolutivo e o país tem pouca infraestrutura e um mercado de gás natural ainda emergente. Os preços de gás natural no Brasil são altos, especialmente quando comparado ao mercado norte-americano. O gás natural é um insumo importante para o setor industrial e, consequentemente, essencial para o desenvolvimento econômico. Dessa forma, o gás de folhelho pode contribuir para um mercado mais equilibrado no Brasil. O aproveitamento de recursos não convencionais pode ainda contribuir fortemente para a manutenção das atividades exploratórias nas bacias maduras e novas fronteiras e geração de emprego e renda.
Em identificadas e analisadas as potencialidades e dificuldades brasileiras para a exploração do gás de folhelho, é fundamental reconhecer que os custos para a exploração e produção deste são mais elevados do que para o gás convencional. Dessa forma, são necessários incentivos específicos, como, por exemplo (não exaustivo): revisão da taxa de depreciação de poços não convencionais para refletir a maior taxa de declínio da produção; redução do royalty pago sobre o gás não convencional para 5%; criação de uma política industrial e tecnológica para o desenvolvimento da cadeia de fornecedores voltada para o gás não convencional; alocação de recursos públicos para investimento em estudos e treinamento técnico para os órgãos estaduais e federais envolvidos com o licenciamento das atividades de E&P relacionadas a recursos não convencionais.
A inadequação do arcabouço institucional brasileiro para a exploração de gás não convencionais fica clara quando analisada o recente processo de judicialização das atividades de fraturamento hidráulicos brasileiro. Adicionalmente se sugere realizar o projeto do poço transparente em bacias sedimentares distintas, em especial na Bacia do Recôncavo, por ser uma região com geologia conhecida e com histórico de perfurações e fraturamento hidráulico de baixa intensidade em reservatórios convencionais.
Como visto, a produção de gás natural a partir de reservatórios de baixa permeabilidade fornece benefícios mensuráveis. Devido à sua complexidade, pode-se esperar que o gás não convencional tenha diferentes trajetórias de desenvolvimento em diferentes lugares do mundo. Como cada site de fraturamento é único, o conjunto particular de custos e benefícios irá diferenciar em cada local, moldado por uma multiplicidade de fatores, incluindo geologia e disponibilidade de injeção, tipo e governança corporativa, regulação relacionada a descargas de resíduos e transporte, preços do gás natural e dados demográficos sociais.
O gás natural em terra vem sendo priorizado pelo governo brasileiro como recurso essencial de geração de energia de baixo custo para a sustentação de projetos de desenvolvimento de importância local e regional, vide os programas governamentais como o Gás para Crescer, a Nova Lei do Gás e o REATE. O gás natural, tanto convencional, quanto não-convencional, é, portanto, parte essencial das opções de política energética do País para o desenvolvimento regional, a geração de riqueza e a redução das desigualdades. O Governo Brasileiro entende que, desde que atendidas as corretas condições de prevenção e mitigação, em termos de segurança operacional, proteção da saúde humana e preservação ambiental, os recursos petrolíferos não-convencionais podem e devem ser explorados e produzidos para contribuir com a segurança energética do País (PROMINP, 2016).