Opinião
Pré-Sal: Uma oportunidade para o desenvolvimento
Brasil tem oportunidade para escolher entre agregar valor ao seu produto pensando no futuro ou continuar estagnado como exportador de bens primários
Há uma revolução mundial em curso no mercado de gás e energia. E, como em toda revolução, as posições ocupadas pelos atuais players serão impactadas por várias oportunidades aproveitadas ou perdidas. As escolhas que o Brasil fará agora serão definidoras de onde o país se colocará: entre os que se firmarão como players significativos nessa nova realidade, agregando valor aos seus recursos ou entre os que virão apenas a reboque, mantendo-se exportadores de bens primários.
Essa transformação mundial teve como ponto de partida a escalada da produção de gás não convencional nos Estados Unidos na última década. A mudança de patamar dos americanos foi impressionante: de um dos grandes importadores de energia, eles se tornaram os grandes líderes na produção de gás. Entre 2005 e 2010, por exemplo, a produção americana do shale gas cresceu 45% ao ano. Esse gás, que tem como característica ser rico em líquidos como etano, propano e butano, matérias-primas da indústria química, provocou uma reviravolta no país. O panorama anterior, marcado pelo fechamento de plantas e pelo crescimento das importações, foi substituído por uma nova dinâmica de investimentos e geração de renda e emprego para os americanos. Segundo o American Chemistry Council (ACC), entidade que representa a indústria química americana, os investimentos no setor já ultrapassaram os US$ 200 bilhões desde o começo desse movimento. A indústria química se beneficiou do aproveitamento das frações líquidas desse gás abundante, num movimento que provocou um círculo virtuoso de expansão econômica no setor e adição de divisas a um mercado déficitário.
A China, segunda maior economia do mundo, também busca acelerar sua exploração do shale gas, pois é uma das maiores detentoras de reservas deste tipo de gás no mundo. A fim de capturar esta oportunidade, fornecendo gás competitivo e atingir as elevadas metas de redução de emissões de gases do efeito estufa, a China já investiu bilhões na aquisição de participações em empresas americanas produtoras de shale gas.
A Índia vem investindo fortemente em infraestrutura e logística para se inserir nessa nova dinâmica. E na Argentina já se identifica uma onda, com a expectativa de ampliação da produção de gás convencional e não convencional na região de Vaca Muerta, capaz de atender grande parcela do seu consumo no médio prazo e de estimular o crescimento da indústria e ainda, potencialmente, exportar propano e butano (GLP) para a região
Durante décadas, a preocupação da indústria de óleo e gás concentrou-se no dilema sobre o pico de oferta do recurso. Agora, a grande questão está na discussão sobre quando haverá o pico de demanda, que deve ser atingido entre 2030 e 2050. As megatendências e as tecnologias disruptivas, como os carros elétricos e autônomos, devem provocar mudanças significativas em modelos de negócios e estruturas de mercado para a indústria de óleo e gás, que precisa avaliar em como vai se reposicionar. Nesse contexto, a indústria química pode apresentar-se como parte da solução para o uso do óleo, do gás e de seus derivados, uma vez que representa uma destinação firme para o consumo desses insumos, assegurando sua produção contínua e a própria competitividade e sobrevivência do setor. Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a indústria química será responsável por pelo menos um terço do crescimento da demanda de petróleo em 2030 e pelo menos pela metade do crescimento da demanda em 2050.
No Brasil, o pré-sal tem também capacidade de transformar a indústria e trazer novas perspectivas para a produção de óleo e gás. Os campos apresentam um grande potencial de reservas de gás e se traduzem em oportunidades econômicas importantes. Não seria exagero dizer que, se bem aproveitado, o pré-sal pode vir a tornar-se o shale gas brasileiro. E é fundamental garantir que esse potencial seja bem aproveitado, assim como nos Estados Unidos. O movimento de maximização da extração de líquidos e de sua destinação ao uso na indústria química foi o que assegurou lá a maior agregação de valor possível ao uso do gás natural. Aqui não pode ser diferente.
Para viabilizar o crescimento brasileiro algumas medidas urgentes precisam ser adotadas. A primeira delas deve ser o aprimoramento da regulação do gás natural, tornando as regras mais modernas e ajustadas à nossa realidade. A ampla abertura do mercado de gás natural com a possibilidade de o consumidor final de gás natural ser livre para escolher o seu fornecedor é de suma importância para a entrada de novos agentes, para a atração de investimentos e para o desenvolvimento de toda a indústria conexa. A experiência em outros países mostra os bons resultados advindos de combinar medidas de ajuste regulatório com políticas industriais.
Isso deve ser o incentivador de um movimento de mercado que já está em curso. Apesar de o setor industrial brasileiro vir apresentando crescimento desacelerado nos últimos anos, por conta de questões de preços e de infraestrutura, segundo a EPE, estima-se que ele vá consumir cerca de 33 milhões de m³/dia em 2022. Esse aumento representa um crescimento em torno de 20% em uma década.
Outra medida importante é a manutenção da agenda sistemática de leilões de áreas de exploração de óleo e gás e a implementação de políticas públicas para a industrialização dos recursos de propriedade da União, os quais serão produzidos pelos campos sob controle de partilha de produção. Nesse caso, o objetivo é criar uma segurança de fornecimento que crie atração de investimentos agregação de valor e dê início a um círculo virtuoso semelhante ao ocorrido nos Estados Unidos.
Garantir o máximo aproveitamento dos recursos do pré-sal é outra prioridade. Isso significa adotar uma política que incentive a industrialização do óleo e do gás natural. Para aquele, o refino e aumento da produção de derivados de petróleo. E para o gás, a criação de mecanismos para maximização do aproveitamento dos líquidos de gás. A extração dos líquidos do gás natural agregará valor aos recursos e desenvolverá toda a cadeia química. Em contrapartida, esse movimento fortalecerá o próprio desenvolvimento do pré-sal, já que cria uma demanda firme, além de agregar divisas por meio da industrialização dos recursos.
Outro elemento fundamental, ainda alinhado às megatendências, é o uso racional dos recursos e a preocupação com a sustentabilidade. Pelo lado da produção de energia mais limpa, o papel do gás já está consolidado. Ele já desempenha papel significativo no mix de energia global e responde por 24% da energia primária mundial. É hoje a segunda fonte mais utilizada para geração de energia elétrica, com participação de 22%. O gás também tem o potencial de desempenhar papel significativo na transição para um futuro energético mais limpo, devido ao menor nível de emissões de CO2, em relação à queima de carvão e do petróleo. Segundo o estudo World Energy Outlook, da Agência Internacional de Energia, o gás é o único combustível fóssil que manterá participação no mix energético das próximas décadas, apoiado por políticas de redução de emissões.
De novo nos deparamos com um dilema que precisa ser resolvido. A simples queima do etano presente no gás, por exemplo, quando comparada a seu uso como matéria-prima, gera maior emissão de gases de efeito estufa. Segundo um estudo da ACV Brasil, para cada 1% de aumento da concentração de etano no gás natural destinado à queima, há uma emissão adicional de aproximadamente 135 Gg de CO2 equivalente.
O cenário mundial está posto. O Brasil agora terá de decidir agora se busca o caminho do crescimento e industrialização ou se fica para trás na carreira da história como exportador de commodities.