Opinião
O patrão enlouqueceu ou faz sentido? Investigando os preços da energia fotovoltaica no último leilão
O presente artigo busca analisar quais fatores possibilitaram os valores verificados no LEN A-4/2017. Os preços deste certame podem ser interpretados como um divisor de águas para o setor, colocando definitivamente a energia fotovoltaica como uma alternativa competitiva para a expansão da matriz elétrica brasileira.
Manhã do dia 18 de dezembro de 2017. Grupos de WhatsApp relacionados à energia solar em efervescência. – Solar a R$ 145/MWh? – Questiona um membro. – Esses valores são uma loucura! – afirma outro. Outras mensagens de espanto são vistas, todas se referindo ao preço ofertado por projetos de energia fotovoltaica (FV) no Leilão de Energia Nova (LEN) A-4/2017. À tarde, o preço médio da energia solar contratada já circulava nas manchetes dos jornais: R$ 145,68/MWh ou US$ 44/MWh – bastante abaixo do preço teto estipulado para a fonte no certame (R$ 329/MWh) e do preço médio do último leilão da fonte (US$ 78/MWh), em 2015. Apesar da surpresa positiva, o resultado veio acompanhado de certo ceticismo em relação ao preço ofertado. O que proporcionou lances nesse patamar? São preços replicáveis em outros leilões? Os empreendedores colocarão os projetos “de pé”? O presente artigo busca analisar quais fatores possibilitaram os valores verificados no LEN A-4/2017.
Leilões Internacionais
Sob a ótica internacional, o preço verificado no Brasil (na faixa de US$ 44/MWh) não deveria ter sido recebido com espanto. Em 2017, a Argentina encerrou um leilão com preço médio de fotovoltaica em US$ 49/MWh. Em Abu Dhabi: US$ 24/MWh. No Chile, média de US$ 22/MWh. No México, US$ 21/MWh. E na Arábia Saudita houve lance de US$ 18/MWh. Portanto, guardadas as particularidades de cada país e dos certames realizados, é possível concluir, comparativamente, que o preço praticado no Leilão A-4/2017 é plausível.
Redução de Custos
O custo de investimento considerado pelos empreendedores vencedores aparenta ser bastante agressivo. AES Tietê e EGP, por exemplo, informaram ao mercado uma expectativa de investimento que resulta em um CAPEX na faixa de US$ 0,9/Wp. Vale lembrar que em 2015 o custo de investimento internacional estava na faixa de US$ 1,8/Wp [1], ou seja, o dobro dos valores anunciados. Apesar de agressivo, ressalta-se que diversas referências internacionais também publicaram, recentemente, valores de projetos com CAPEX inferiores a US$ 1,0/Wp.
Um dos principais fatores que proporcionou essa redução no investimento foi a queda do preço dos equipamentos. No Leilão de Energia de Reserva realizado no final de 2015, o módulo FV era comercializado internacionalmente ao preço de US$ 0,56/Wp, enquanto no início de 2018 o preço está em US$ 0,31/Wp [2]. Ou seja, uma redução de 44% em dois anos. Queda similar foi verificada nos inversores, com preço variando de US$ 0,11/Wp para US$ 0,06/Wp entre 2015 e 2017 [3].
Não obstante a queda acentuada nos preços, entende-se que também pode haver um componente de aposta no CAPEX considerado pelos empreendedores, supondo uma queda adicional nos custos até o efetivo momento do investimento. Nesse sentido, é importante ressaltar que quanto maior for o horizonte de entrega mais agressiva pode ser essa aposta. Ainda referente ao CAPEX, considerando o intervalo entre a realização do leilão e o investimento, vale destacar a existência de risco cambial em caso de não contratação de hedge, visto que grande parcela dos equipamentos são importados (fator preponderante para não viabilizar usinas do leilão realizado em 2014).
Dentre as justificativas para a redução no preço do módulo está a melhoria na utilização do silício, com a diminuição das perdas de material durante o corte e com a redução da espessura das células [3]. Adicionalmente, pode-se citar o aumento da eficiência das células fotovoltaicas. Esse aprimoramento significa menos material semicondutor para produzir uma célula de mesma potência, o que traz ganhos em cascata. Com células mais eficientes, a quantidade de material utilizada na confecção dos módulos (vidro, moldura, backsheet, encapsulante, etc.) também é reduzida, por unidade de potência. Numa planta FV, módulos de maior eficiência significam mesma potência com menor área, menor número de módulos para instalar, menos peso para carregar, menos estruturas para serem montadas, etc. Como exemplo, estima-se que ao aumentar a eficiência da célula de 15% para 20%, ceteris paribus, diminui-se em 25% o seu custo, assim como os gastos com instalação e com limpeza dos módulos, em $/Wp [4].
Na área de O&M, destaca-se o uso de inovações como drones para inspeção aérea e de máquinas autônomas para a limpeza dos módulos a seco, que diminuem as despesas durante a vida útil do parque.
Aumento do Fator de Capacidade
Não é novidade que o rastreamento de um eixo tenha se tornado cada vez mais comum no desenvolvimento de parques fotovoltaicos, como forma de aumentar o fator de capacidade (FC). Todos os vencedores do último leilão utilizam essa tecnologia. No entanto, mesmo entre os parques com rastreamento, se observa um aumento do FCca ao longo dos anos. No certame de 2017, o FCca médio dos vencedores foi de 30%. Esse patamar foi alcançado com o auxílio do expressivo subdimensionamento da potência dos inversores em relação à capacidade nominal dos módulos fotovoltaicos, resultando num FDI[1] médio de 73%. Isso significa que os projetos atuais consideram mais potência nominal de módulo para uma mesma potência de inversor, resultando em maximização de produção de energia, ainda que a subaproveitando quando a irradiação é mais elevada. A intensificação dessa estratégia tem sido possível principalmente pela grande redução do preço dos módulos fotovoltaicos, conforme afirmado anteriormente. O efeito dessa prática é demonstrado na Figura 1.
Tabela 1 – Fator de Capacidade e FDI Médios Ponderados para Parques com Rastreamento
Certame | FCca | FDI |
LER 2014 | 27,0% | 80,9% |
1° LER 2015 | 28,3% | 79,8% |
2° LER 2015 | 28,6% | 83,1% |
LEN A-4 2017 | 30,1% | 72,6% |
Aspectos contratuais do leilão e venda no Mercado Livre
Os contratos deste leilão preveem a entrada em operação em janeiro de 2021 e prazo contratual por 20 anos. No entanto, é possível construir o parque em menos tempo, antecipando sua operação comercial para 2019, criando uma receita adicional no mercado livre (ou spot) até o início do contrato do leilão. Adicionalmente, os parques fotovoltaicos têm uma vida útil de 25-30 anos, o que permite a venda de energia após o fim do período contratual. Cabe mencionar que estas receitas extras trazem uma incerteza, pois dependem do efetivo preço no momento da venda neste mercado, cuja exposição acarreta num risco para o fluxo de caixa dos investidores. Por fim, outro risco a ser considerado, em se tratando de um contrato de leilão de energia nova e caso o projeto produza menos energia que o esperado, este pode ficar exposto ao PLD.
Melhor estruturação financeira e menor custo de capital
O resultado do leilão demonstrou uma maior competitividade dos grandes players do mercado de energia elétrica. É importante destacar que esses empreendedores podem acessar recursos, nacionais e internacionais, junto às holdings, com taxas reduzidas, inclusive na modalidade de corporate-finance.
No âmbito nacional, a significativa queda da taxa SELIC, de 14,25% a.a. para 7% a.a, junto à redução do IPCA, diminui a taxa de juros de capital de terceiros. Como alternativa ou complementação ao BNDES, debêntures de infraestrutura bem como outras instituições, podem participar da estruturação financeira do projeto. Já na esfera internacional, um ambiente de alta liquidez, em conjunto com a participação dos bancos internacionais, multilaterais e Export Credit Agencies (ECAs) na estruturação financeira, podem proporcionar o acesso a uma gama de recursos internacionais, permitindo, inclusive, o financiamento de itens importados. Neste último tema, cabe ressaltar o aumento da competitividade do projeto, uma vez que os módulos nacionais são cerca de 40% mais caros que os importados (já internalizados) [5].
Adicionalmente, o cenário econômico nacional mais favorável, aliado à forte competição e a possíveis estratégias empresariais de ganhos de participação no mercado, também ajustaram as taxas de retorno requeridas pelos empreendedores.
Novo patamar de preço, novas perspectivas para a geração fotovoltaica
Os fatores analisados mostram que houve grande desenvolvimento tecnológico no setor solar fotovoltaico, que tem levado a reduções de custos e aumento do fator de capacidade das plantas. Estratégias econômico-financeiras e uma adoção de menores taxas de retorno dos empreendedores também levam a uma redução do preço da energia fotovoltaica. Além do mais, pode haver um componente de aposta numa redução adicional de custos no horizonte de entrega da energia e de receitas adicionais com a antecipação da entrada em operação, que trazem incertezas ao fluxo de caixa do projeto. Nesse sentido, considerando o perfil das empresas vencedoras, espera-se que os agentes tenham feito uma boa análise de todos os riscos envolvidos, especialmente quanto às questões contratuais (leia-se: que o patrão não tenha enlouquecido).
O resultado do leilão trouxe informações importantes para o mercado em geral. Do ponto de vista do planejador, após devidamente avaliadas e criticadas (especialmente quanto aos fatores conjunturais), serão utilizadas como insumo para o planejamento. Do ponto de vista do empreendedor, demonstram um mercado cada vez mais inovador e competitivo, exigindo o constante desenvolvimento de projetos com excelência técnica e financeira.
Por fim, considerando as informações apresentadas, os preços deste certame podem ser interpretados como um divisor de águas para o setor, colocando definitivamente a energia fotovoltaica como uma alternativa competitiva para a expansão da matriz elétrica brasileira.
Referências:
[1] Fator de Dimensionamento do Inversor (FDI) é a razão entre a potência CA e potência CC.
[2] Kyobo Securities Research. Kyobo Daily – 태양광. 04/01/2018.
[3] NREL. U.S. Solar Photovoltaic System Cost Benchmark: Q1 2017 Commercial, and Utility-Scale Systems. Setembro de 2017.
[4] Steven Byrnes. The Shockley-Queisser Limit and its Discontents. Harvard University. Apresentação em 19 de fevereiro de 2015.
[5] Greener. Estudo Estratégico. Mercado Fotovoltaico de Geração Centralizada 2017. Novembro de 2017.