Opinião
Artigo: o que mudou para o setor energético com a decisão do Supremo sobre o Código Florestal?
É válida a suspensão da punibilidade dos crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais, desde que praticados antes de julho de 2008, e desde que responsável se comprometa a regularizar áreas ilegalmente desmatadas
No último dia do mês de fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu o julgamento conjunto de cinco ações – uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 42) e quadro ações diretas de inconstitucionalidade (ADI 4901, 4902, 4903 e 4937) – relacionadas ao “novo” Código Florestal (lei federal n° 12.651/2012), encerrando um período de seis anos de incertezas.
O STF declarou inconstitucionais dois dispositivos da lei, e deu a outros cinco interpretação conforme, isto é, uma compreensão da lei que a torna compatível com o texto constitucional. O dispositivo mais polêmico da norma, o artigo 60, foi considerado constitucional; logo, é válida a suspensão da punibilidade dos crimes previstos nos artigos 38, 39 e 40 da Lei de Crimes Ambientais, desde que praticados antes de 22 de julho de 2008, e desde que, em adição, o responsável se comprometa a regularizar as áreas ilegalmente desmatadas.
Muito embora a agropecuária fosse o setor produtivo mais interessado na conclusão do julgamento – e, claro, em seu resultado, considerado extremamente positivo para o agronegócio –, vários outros setores da economia, a exemplo da geração de energia, também ansiavam pela palavra final do Supremo quanto ao Código Florestal, e também têm o que comemorar. Contudo, apesar do resultado bastante satisfatório, o setor energético precisa estar alerta a algumas modificações promovidas pelo julgamento do STF.
A primeira se refere a um dos dispositivos que receberam interpretação conforme a Constituição: o artigo 3°, VIII, que se refere às atividades consideradas de utilidade pública (como é o caso da energia). A partir de agora, para que uma atividade de utilidade pública possa usufruir do benefício de realizar intervenção ou supressão de vegetação nativa em área de preservação permanente (APP) – inclusive vegetação protetora de nascentes, dunas e restingas –, deverá comprovar a inexistência de alternativa técnica ou locacional.
Portanto, se antes a implantação de qualquer empreendimento considerado de utilidade pública justificava, por si só, o desmatamento de APP, agora esse mesmo desmatamento só será possível se o empreendedor provar que aquele local é o único em que a instalação da atividade é viável.
Ademais, o setor deve ter em mente que, após o julgamento, a prescrição para crimes ambientais cometidos até 22 de julho de 2008 ficará interrompida enquanto estiver sendo cumprido o programa de regularização ambiental (PRA). Na prática, esses crimes não prescrevem durante o período de regularização, mas se o responsável não cumprir o PRA, poderá ser responsabilizado depois.
Outro dado relevante: os dispositivos que traziam maior expectativa a este setor, como o já citado artigo 60 e o § 7° do artigo 12 – cuja declaração de inconstitucionalidade poderia implicar exigência de reserva legal para as “áreas adquiridas ou desapropriadas por detentor de concessão, permissão ou autorização para exploração de potencial de energia hidráulica, nas quais funcionem empreendimentos de geração de energia elétrica, subestações ou sejam instaladas linhas de transmissão e de distribuição de energia elétrica” –, foram mantidos.
Porém, mesmo que não se exija reserva legal para áreas adquiridas para a geração de energia hidráulica, o setor energético precisa atentar para a necessidade de que a compensação de reserva legal prevista no § 2° do artigo 48 do Código Florestal seja realizada não mais dentro do mesmo bioma, como previa a literalidade do texto, mas apenas dentro do mesmo ecossistema, segundo determinou o Supremo.
Isso porque o texto do § 7° do artigo 12 se refere à geração de energia hidráulica, não mencionando, por exemplo, a geração de energia solar ou eólica, dois ramos em franca expansão no Brasil.
Assim, a rigor, os espaços destinados aos parques eólicos ou às placas solares que demandem desmatamento para sua instalação podem desflorestar em APP – desde que, como visto, atestem não haver alternativa de técnica ou de localização –, mas não estão desincumbidos de observar a reserva legal. E, neste caso, havendo necessidade de compensação de reserva legal, ela se dará em área situada no mesmo ecossistema da área à qual a cota de reserva ambiental (CRA) está vinculada.
Evidentemente que essa interpretação também poderá – ou melhor, deverá – ser objeto de questionamento perante o Judiciário, pois se a geração de energia hidrelétrica não está obrigada a guardar a reserva legal, não se enxergam razões para que esse regime não seja estendido aos outros métodos, igualmente limpos, de geração de energia.
Em todo o caso, com a segurança jurídica que a decisão do STF traz consigo, espera-se que muitas das previsões da lei sejam, enfim, implementadas. É o caso do PRA, que precisa ser regulamentado pelos Estados, os quais, por sua vez, aguardavam a chancela do Supremo para agir. Com o PRA, finalmente, várias áreas desmatadas poderão ser recuperadas. Ainda que essa recuperação signifique, para alguns, a anistia de certos crimes, o objetivo maior de toda norma ambiental será atingido.
Marina Gadelha é advogada especialista em Direito Ambiental e Minerário da Queiroz Cavalcanti Advocacia, conselheira federal da OAB pela Paraíba e presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da OAB.