Opinião

Avanços e recuos na transição energética e a liderança do Brasil

As petrolíferas europeias que hoje reduzem investimentos já vinham atuando em energia solar, eólica, biocombustíveis e hidrogênio verde no Brasil. Resta saber como irão redefinir suas estratégias e se o Brasil e outros países ocuparão os espaços legados.

Por Isadora Coutinho

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O cenário internacional apresenta movimentos de avanços e recuos em renováveis, próprios do processo não linear da transição energética. Nos últimos meses, grandes petroleiras europeias reduziram investimentos em energias renováveis, refletindo um momento de resistências à agenda climática e evidenciando os desafios da descarbonização do setor. Enquanto isso, o Brasil se prepara para sediar a Cop30 e avança em políticas públicas voltadas à transição energética, despontando como um potencial líder na construção da agenda no Sul Global.

No que se refere às grandes empresas de petróleo, a Equinor, por exemplo, cortou pela metade investimentos em renováveis e planeja ampliar em 10% a produção de petróleo e gás, mantendo a meta de emissões líquidas zero até 2050. A justificativa é adaptar-se ao mercado e maximizar retorno aos acionistas. A Shell suspendeu novos projetos de eólica offshore e reduziu investimentos em hidrogênio. A bp seguiu o mesmo caminho, desacelerando iniciativas de baixo carbono e cancelando projetos iniciais de hidrogênio [1].

Já nos Estados Unidos, o governo Trump reforça o apoio à indústria petrolífera, adotando políticas que impulsionam o setor, e suspende incentivos às renováveis. O país flexibiliza também compromissos ambientais e climáticos, incluindo sua saída do Acordo de Paris.

O fato é que, diante desse quadro, na Europa já se observa que a pressão pela transição energética, muito impulsionada por acionistas verdes, enfrenta ceticismo. Investidores questionam a capacidade das petrolíferas europeias de manter lucros e competir com as gigantes do setor nos EUA. Paralelamente, cresce a pressão pela flexibilização das regulamentações ESG, com França e Alemanha, por exemplo, defendendo o adiamento de avanços nas exigências de reporte de sustentabilidade.

Enquanto isso, a China se destaca com robustos ecossistemas de manufatura e inovação em tecnologia de baixo carbono, sendo líder global em painéis solares, baterias e eletrolisadores. Empresas chinesas garantem acesso e processamento das matérias-primas essenciais à transição energética, consolidando o domínio chinês na cadeia de valor das tecnologias verdes. Em 2024, o país foi responsável por quase metade dos investimentos totais em transição energética no mundo, segundo a BloombergNEF. Assim, reduz custos e amplia sua influência no mercado global, ocupando espaços deixados por outras potências.

Apesar do recuo dos EUA, um dos principais responsáveis históricos pelas emissões de GEE, a transição energética mantém seu curso. Modelagens climáticas sugerem que o planeta pode já ter entrado em período de décadas de temperaturas acima do limite estabelecido pelo Acordo de Paris. A crise climática e seus eventos extremos seguem uma realidade incontestável e seus impactos socioeconômicos tendem a se agravar se não forem enfrentados com ações concretas.

O desequilíbrio na condução da transição energética também é evidente. As soluções tecnológicas promovidas pelo Norte Global costumam ser impostas ao Sul Global, que, além de enfrentar maior vulnerabilidade aos impactos climáticos, continua a ser visto como fronteira a ser explorada, arcando com eventuais custos socioambientais. Para uma transição energética justa e inclusiva, países do Sul precisam desempenhar papel ativo em sua definição, garantindo que o processo não seja um privilégio de poucos.

E mais: a transição energética é um desafio global que demanda tanto cooperação como liderança. Nesse contexto, a realização da Cop-30 no Brasil reforça as expectativas de protagonismo do país, além de criar oportunidades para outros países avançarem em acordos e atraírem investimentos – inclusive os que seriam direcionados ao mercado estadunidense.

Um estudo recente do Net Zero Industrial Policy Lab da Universidade Johns Hopkins aponta que o Brasil possui vantagens competitivas para desempenhar um papel central nesse cenário, com vastos recursos renováveis, uma sólida capacidade produtiva de biocombustíveis e uma base industrial estabelecida. O estudo também destaca a relevância do país em setores estratégicos como minerais críticos, baterias, veículos elétricos híbridos com biocombustíveis, combustíveis sustentáveis para aviação, equipamentos para energia eólica, aço de baixo carbono e fertilizantes verdes. Além disso, reforça a importância da implementação da Nova Indústria Brasil, mas alerta para a necessidade de políticas industriais focadas.

Nesse sentido, a transição energética se apresenta como uma oportunidade estratégica para o Brasil, que já conta com uma matriz energética com grande parcela de fonte renovável. É fato ainda que tanto a matriz elétrica brasileira, dependente de hidrelétricas, quanto o agronegócio, setor relevante para o PIB do país, possuem grande vulnerabilidade às mudanças climáticas, podendo impactar a economia e a sociedade.

Diante disso, começam a ser implementadas no país políticas públicas com mecanismos que direcionam investimentos para novas cadeias produtivas sustentáveis. O desafio está em consolidar essa agenda de forma estruturada, coordenada e com estabilidade regulatória, assegurando que esteja alinhada com as particularidades e potencialidades do país.

Ao construir um caminho próprio de transição energética que equilibre inovação, segurança energética, sustentabilidade e justiça social, o Brasil tem chance de se tornar referência global. Para isso, o diálogo entre Estado, sociedade civil e setor produtivo é essencial. A Petrobras, por exemplo, enquanto empresa estatal de energia, tem papel estruturante no avanço da transição energética justa no país.

Parcerias internacionais também podem fortalecer o setor energético e contribuir para um modelo mais justo e sustentável. Um exemplo relevante é a Coalizão Global para Planejamento da Transição e Segurança Energética, a ser lançada em junho, fruto de discussões realizadas durante a presidência brasileira do G20. A iniciativa busca promover soluções, criando espaço para diálogo e ação conjunta entre países, empresas e ONGs.

Mas vale destacar que nesse quadro de recuos e avanços, as mesmas petrolíferas europeias que agora reduzem investimentos já vinham consolidando presença em energia solar, eólica, biocombustíveis e iniciativas de hidrogênio verde no Brasil. Resta saber como irão redefinir suas estratégias no país diante dos recentes movimentos, e se o Brasil e outros países apostarão nos espaços deixados nesse cenário.

 

[1]  https://www.equinor.com/news/equinor-fourth-quarter-and-full-year-2024-results

 

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