Opinião

Carência de massa crítica qualificada para a Transição Energética

De pouco vale à Nação fazer uso de tecnologias de ponta se não dispomos de mão de obra na quantidade e qualidade para projetá-las, implantá-las, operá-las e, ainda, assegurar sua contínua evolução

Por Rubem Cesar Souza

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

É inconteste que não se pode pensar em avançar de forma consistente no processo de Transição Energética (TE) sem dispor de massa crítica qualificada em alto nível, dotada de hard e soft skills e capaz de desenvolver soluções inovadoras e disruptivas, de sorte a gerar novos produtos, serviços e políticas públicas.

No intuito de orientar uma reflexão acerca dessa questão, trago algumas indagações.

Estamos atendendo a demanda de profissionais?

De acordo com levantamento realizado em 2023 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil possuía um déficit de 75 mil engenheiros. Esse cenário se agrava na medida que se verifica queda na procura pelos cursos de engenharia. Somente nas Instituições de Ensino Superior particulares, entre 2014 e 2020, a queda foi de 44,5%, de acordo com o Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp).

Segundo ainda a Federação dos Petroleiros (FUP), baseado em estudos realizado pelo Ineep e Dieese, a quantidade de empregos gerados para a TE tem sido inferior à quantidade de empregos na indústria em geral e menos ainda quando se compara com a indústria química e de petróleo e gás.

Vale salientar que o déficit de mão de obra para a TE não é um problema exclusivamente brasileiro. A União Europeia e os EUA, por exemplo, também convivem com essa questão. Mas isso gera um problema adicional ao Brasil, pois outros países remuneram melhor a mão de obra de alto nível.

Essa mão de obra é captada muitas vezes quando estudantes brasileiros realizam capacitação no exterior em mestrado e doutorado, com baixos valores de bolsas pagas no Brasil. Uma bolsa para doutoramento da Capes/CNPq é de R$ 3.100,00 mensal, enquanto nos EUA há várias oportunidades de bolsas. Como exemplo, as oferecidas pela Fulbright para doutoramento variam de US$ 2.800 a US$ 4.300 mensais.

Qual a perspectiva de evolução da demanda?

O Governo Federal, em 2023, apresentou ao Colégio de Reitores diversos projetos que iriam compor o Novo PAC, enfatizando a necessidade de formação de pessoal para sustentar tais ações. Em 2024, com o Novo PAC elaborado, foi informado que o montante de investimento para a TE será de R$ 417,5 bilhões aportados no período de 2023 a 2026.

Ainda em 2023, o Ministério de Minas e Energia recomendou às Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes) que trabalhem na revisão curricular, no desenho de novas disciplinas e na oferta de novos cursos. Sabe-se, entretanto, que as Ifes, em geral, vêm convivendo com um cenário de penúria de recursos financeiros para manter seu funcionamento.

Por outro lado, é importante ter em mente que os investimentos no setor de petróleo e gás estão em crescimento. Mesmo no cenário de emissões zero, de acordo com o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), há investimentos em descarbonização do setor. De acordo com o IBP, a indústria de petróleo e gás empregou, em 2022, 11,5 milhões de pessoas em todo o país.

O nível de remuneração em fontes renováveis é atrativo?

A média mensal da remuneração no setor industrial brasileiro é da ordem de R$ 3.167,43. No setor elétrico essa média sobe para R$ 10.800,00 e se eleva mais ainda no setor de petróleo e gás, chegando a R$ 23.038,00.

Por sua vez a média salarial mensal no setor de renováveis é da ordem de 10% a 15% inferior à média no setor industrial brasileiro, o que favorece a migração de mão de obra intrasetorial.

Onde se inicia essa crise?

O último relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), publicado em 2022, informa que 73% dos estudantes brasileiros na faixa de 15 anos não possuem habilidade para interpretar e representar matematicamente uma situação simples, como converter preços em uma moeda diferente. Portanto, pode-se inferir que esses estudantes terão dificuldades para seguir a formação em engenharia.

Há que se considerar ainda a significativa evasão nos cursos de engenharia. No período de 2012 a 2019, o índice de desistência foi de 68,74%, de acordo com o Indicador de Fluxo da Educação Superior do Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. 

Como reverter esse cenário?

Responder a essa pergunta não é tarefa trivial, dada a complexidade do tema. A problemática vai além dos elementos apresentados aqui e a solução perpassa por ações do poder público e do setor privado que precisam atuar harmonicamente.

Especialistas apontam alguns caminhos que devem ser trilhados simultaneamente e, longe da pretensão de esgotar a lista ou de considerá-las as mais relevantes, destaco as seguintes: 

  • Reformulação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação, tornando-os mais flexíveis às mudanças do mercado, modernizando conteúdos, incorporando metodologias ativas de ensino e estratégias claras para desenvolvimento de soft skills.
  • Melhoria de infraestrutura laboratorial tanto para graduação quanto para pesquisa;
  • Integração dos núcleos de pesquisa das Instituições de Ensino Superior (IES) com o mercado de trabalho, via a sinergia com instituições como Federação e Centro das Indústrias;
  • Constituição de rede entre as IES nacionais e internacionais, de sorte a assegurar o intercâmbio de estudantes e professores;
  • Revisão das políticas públicas vigentes, tais como as que estabelecem a concessão de bolsas para estudantes de graduação, pós-graduação e estágio pós-doutoral, adequando seus benefícios à realidade do mercado nacional e internacional e, por exemplo, possibilitando que estas sejam complementadas via recursos privados.

Registro o relevante trabalho que está sendo desenvolvido pelo Comitê Nacional Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (Cigre-Brasil) que, via seu Fórum Acadêmico, composto por universidades e centros de pesquisa, está realizando um levantamento, sob a ótica acadêmica, empresarial e governamental, dos problemas associados à formação de engenheiros eletricistas no contexto da transição energética, para propor um conjunto de medidas a serem apoiadas por empresas e instituições.

O Fórum Acadêmico irá finalizar e apresentar esse trabalho durante a realização do XXVIII Congresso Brasileiro de Produção e Transmissão de Energia Elétrica (SNPTEE) que irá ocorrer em Recife, de 19 a 22 de outubro. 

Em que pese haver diversas e relevantes iniciativas em todo o país, a exemplo da mencionada, o Brasil ainda carece de políticas públicas consistentes e duradouras para reverter o cenário preocupante que está sendo denominado de black out de mão de obra.

Se esse cenário é crítico em nível nacional, há que se destacar que, ao lançar o olhar para as especificidades regionais, não será difícil presumir que este é alarmante na Região Amazônica.

No entanto, o que se tem visto é o apoio, de diferentes setores da sociedade brasileira, da proposta de criação de nova instituição extremamente robusta, que exigirá volume expressivo de recursos para fazer frente à problemática ambiental na região.

Estes recursos poderiam ser aportados no fortalecimento das instituições existentes, com resultados tanto ou maiores do que os esperados.

De pouco vale à Nação fazer uso de tecnologias de ponta se não dispomos de mão de obra na quantidade e qualidade para projetá-las, implantá-las, operá-las e, ainda, assegurar sua contínua evolução

 

Outros Artigos