Opinião

Entendendo a Transição Energética na Amazônia – Parte 3

A transição energética na Amazônia, sem a governança adequada, será como mais um trem que leva para um cenário socioeconômico e ambiental mais desejável; porém que passou e perdemos a oportunidade de embarcar.

Por Rubem Cesar Souza

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Na minha primeira publicação chamei a atenção para a importância da governança do setor energético com a necessidade do protagonismo de estados e municípios, ao mesmo tempo, que afirmava a precariedade da mesma quando se trata de Amazônia. Não que seja uma característica exclusiva dessa região, mas a menção tinha a ver com o foco geográfico da abordagem.

De um modo geral, o país não dispõe de instância administrativa exclusiva para a temática energética, nas esferas estadual e municipal. Quando muito, vamos encontrar a área energética inserida em uma secretaria cuja temática principal é a problemática ambiental, a exemplo do que ocorre no estado de São Paulo na atualidade ou então uma secretaria que trata de infraestrutura em geral. A evidência desta afirmação está na composição do Fórum Nacional dos Secretários Estaduais de Minas e Energia – FNSEME.

Evidentemente que energia, meio ambiente e infraestrutura estão intimamente relacionados, porém, por ser um setor com grande complexidade e relevância para a sociedade, acredito que a temática energética deveria estar em um patamar de governança mais elevado.

Destoando positivamente do cenário nacional, o Estado do Amazonas se apresenta como um caso à parte, sobre o qual vamos discorrer a seguir.

A governança do setor energético no Amazonas

A primeira ação estruturante em nível do governo estadual no Amazonas surgiu no âmbito do Fórum Amazonense de Mudanças Climáticas, Biodiversidade, Serviços Ambientais e Energia (FAMC), criado em 2009. No início das atividades do FAMC foram constituídas as Câmeras Temáticas, dentre as quais a de Energia, cuja coordenação ficou sob minha responsabilidade enquanto representante da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Entre as ações da Câmara de Energia cito a proposta de constituição do Conselho Estadual de Energia, o que se concretizou via Lei Estadual No. 3.782, de 20 de julho de 2012, sendo este um órgão consultivo de natureza permanente. Apesar de haver previsão legal, o Conselho funcionou somente até 2014, quando houve mudança na titularidade do governo estadual.

Em março de 2019, o Centro de Desenvolvimento Energético Amazônico (CDEAM), órgão suplementar da Ufam, instalou o Fórum Permanente de Energia (FPE/Ufam), objetivando propor políticas públicas para o desenvolvimento do setor energético estadual. De pronto responderam ao convite diversos agentes da sociedade, como o governo estadual, instituições de ensino, empresas do setor energético e entidades do terceiro setor. Com reuniões bimestrais, o FPE avançou no seu propósito sendo a seguir listados alguns avanços no tocante a governança do setor energético estadual.

  1. No final de 2019, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SEDECTI) instituiu a Subsecretaria de Mineração, Energia, Petróleo e Gás;
  2. No dia 22 de dezembro de 2020 foi sancionada a lei estadual No. 5.350, gestada no FPE, a qual se constitui na política estadual de incentivo às fontes renováveis de energia e às tecnologias de eficiência energética;
  3. Em maio de 2023, foram retomadas as atividades do Conselho Estadual de Energia, ocasião na qual foram constituídas duas Câmaras Temáticas. Uma delas com a responsabilidade de propor o marco legal do setor energético estadual, cuja relatoria ficou sob a responsabilidade da Ufam e; por sua vez, à segunda Câmara coube a missão de propor a lei para criação do Fundo Estadual de Energia previsto na Lei No. 5.350. Registre-se que ambas as propostas de lei foram elaboradas e aprovadas pelo Conselho em 2023, ficando sob a responsabilidade do governo estadual o encaminhamento das mesmas para a apreciação da Assembleia Legislativa, o que não ocorreu até a presente data;
  4. Em abril de 2023 foi criada a Secretaria Estadual de Energia, Mineração e Gás (Semig); com a posse do primeiro titular da pasta ocorrendo em agosto de 2023;
  5. Em 24 de abril do corrente ano, o titular da Semig foi eleito presidente do Fórum Nacional de Secretários de Minas e Energia, assumindo papel protagonista no cenário energético nacional.

São incontestes e significativos os avanços na governança do setor energético no Estado do Amazonas, muito embora seja um processo ainda embrionário. Nesse contexto, duas questões merecem destaque.

A primeira é a necessidade de capilarização da governança em nível municipal. Nesse particular, foi elaborado pelo Instituto Energia e Desenvolvimento Sustentável – Inedes, sob os auspícios da WWF-Brasil, a publicação Políticas Energéticas Regionais, disponível livremente no site do Instituto. Entende-se que ações via Programa Nacional de Combate ao Desperdício de Energia Elétrica – Procel e/ou o Programa de Eficiência Energética regulado pela Aneel possam assegurar as condições para que haja a difusão dessas práticas. Assim, entende-se que é possível comprometer e não só envolver, a governança estadual e municipal com os rumos do setor energético.

O segundo ponto de destaque é o protagonismo da Universidade Federal nesse processo. Além das relevantes ações de formação de recursos humanos e de produção de conhecimentos, as universidades podem ser indutoras de políticas públicas para o desenvolvimento do setor energético. Entretanto, entendo que esse papel deve ser exercido com caráter eminentemente técnico e apartidário de paixões políticas e ideológicas, além de uma estrita observância e respeito a divergência de opiniões e interesses.

A transição energética na Amazônia, sem a governança adequada, será como mais um trem que leva para um cenário socioeconômico e ambiental mais desejável; porém que passou e perdemos a oportunidade de embarcar.

Outros Artigos