Opinião
Entendendo a transição energética na Amazônia – Parte 1
A complexidade da Amazônia, ocupante de quase dois terços dos 8,5 milhões de km2 do Brasil, é proporcional à sua extensão. Rubem Souza, diretor do CDEAM e presidente do Fórum Permanente de Energia da UFAM, aborda em artigo a realidade de quem vive, estuda e projeta soluções neste imenso território.
O tema transição energética, se por um lado é repleto de desafios, por outro se apresenta como portador de inúmeras oportunidades, seja qual for o contexto geográfico ou socioeconômico em que este seja discutido. Ao trazer esse tema para a realidade amazônica brasileira é importante observar que, mesmo na atualidade, a região ainda abriga comunidades que vivem em um cenário energético que remete ao século XIX, com populações fazendo uso de lenha de forma ineficiente para cocção de alimentos e lampiões para iluminação.
Além disso, o transporte, predominantemente fluvial, é movido a combustíveis fósseis, fundamentalmente óleo diesel, ao qual é adicionado biodiesel exportado majoritariamente de outras regiões do país.
E nada se produz na Amazônia do etanol que é adicionado à gasolina. Nesse particular, é oportuno registrar que o CDEAM desenvolveu projeto para produção e uso de etanol de mandioca para geração de energia elétrica na região, no âmbito do Programa de P&D da Amazonas Energia. Os resultados foram alvissareiros, desmitificando a competição com a produção de alimentos.
É muito expressiva a geração de eletricidade via grupos geradores a óleo diesel nos denominados sistemas elétricos isolados - Sisol. Soma-se a esse cenário as elevadas perdas técnicas e comerciais nos Sisol e a baixa qualidade do serviço de energia elétrica para os que foram atendidos no âmbito do Programa Luz para Todos. Vale salientar ainda que o referido programa, por não difundir o uso de fontes renováveis de energia, ampliou as emissões de gases de efeito estufa das termelétricas que o compõe.
É preciso observar também o cenário da governança local para lidar com a temática energética, onde municípios e estados estão, quase na totalidade, desprovidos de instância administrativa preparada para contribuir com as soluções dos problemas apresentados, se posicionando somente como coadjuvantes, ao invés de terem posturas protagonistas. Quando muito, lançam mão de leis para estimular determinada solução tecnológica, dissociadas de políticas estruturantes e planejamento energético adequado.
A atual transição energética, diferentemente das demais que o mundo vivenciou, apresenta elementos que potencializam não somente mudar as fontes de energia, mas ir muito além, mudando o cenário socioeconômico de regiões como a Amazônia. Para isso, é fundamental a estruturação da governança do ponto de vista administrativo e legal.
Necessário se faz, também, identificar e investir nas oportunidades energéticas locais, portadoras de condição para geração de emprego e renda e, se possível, com blindagem contra variações cambiais e conflitos internacionais.
Evidentemente que investir em qualificação de recursos humanos e na produção de conhecimento são ações de suma importância. Porém devem estar alicerçadas em bases legais que garantam a sua continuidade e o foco na internalização de cadeias de valor de soluções energéticas para a região onde forem implantadas.
A discussão ampla é primordial para encontrar o melhor caminho a seguir dado que não existe receita de bolo para a transição energética. Nesse sentido, o Congresso Brasileiro de Planejamento Energético (XIV CBPE), organizado pela Sociedade Brasileira de Planejamento Energético (SBPE), que irá ocorrer na cidade de Manaus-AM no período de 16 a 18 de outubro, representa uma oportunidade ímpar para essa discussão, uma vez que seu tema é Transição Energética Justa e Sustentável.
Inúmeras ações foram e estão sendo desenvolvidas na Amazônia que podem contribuir sobremaneira para que a atual transição energética possa ser vivenciada com ganhos significativos para a região, para o Brasil e para o mundo; sendo tais ações objeto de nossas próximas publicações.