Opinião

Como crescer de forma segura priorizando as fontes renováveis? O caso da Região Sul

O apagão de 15 de agosto demonstra a importância da expansão do sistema menos dependente das grandes interligações, e o Sul, que demandará 7,5 GW nos próximos anos e possui relevante capacidade de geração por fontes não-controláveis, ficou de fora dos leilões da Lei 14.182/22

Por Jorge Trinkenreich

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No Brasil, com sua matriz elétrica renovável, as emissões dos gases de efeito estufa do setor de geração de eletricidade representam apenas 2% das emissões totais do país.

Pode-se considerar, portanto, que o setor elétrico nacional já tenha realizado a transição energética e, ainda assim, sua melhoria deve ser continuamente perseguida. Por isso a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) prevê que o crescimento da geração de energia será principalmente por meio das fontes eólica e solar, com um incremento previsto de 46 GW até 2031, de acordo com o Plano Decenal de Expansão 2031 (PDE).

Despacho típico de usina termelétrica a ciclo aberto - Fonte: EPE, PDE 2031

Expansão da Geração até 2031 (UHE = UHE + CGH + PCH | UTE Demais: óleo + carvão + nuclear) - Fonte: EPE, PDE 2031

Então, como aumentar a participação das renováveis, diminuir ainda mais as emissões de gases de efeito estufa do setor e, ao mesmo tempo, manter a segurança do sistema elétrico? Essa é a pergunta central que motivou a reflexão proposta neste artigo.

Para fazer frente a esse forte crescimento das fontes renováveis não-controláveis e manter a segurança operacional, o PDE prevê também a instalação de 18,1 GW de novas usinas termelétricas a gás natural no país em seu cenário de referência, sendo 10,1 GW de usinas totalmente flexíveis e 8,0 GW de usinas com 70% de inflexibilidade referentes ao cumprimento da Lei 14.182/22 (capitalização da Eletrobras), assim distribuídos:

  • Do montante de 10,1 GW de usinas flexíveis contemplados no PDE, 7,5 GW são sinalizados para a região Sul com tecnologia de ciclo aberto, 2,4 GW na região Sudeste/Centro-Oeste, e 200 MW na região Nordeste. A escolha pela tecnologia de ciclo aberto indica que o sistema necessita do requisito “ponta” como prioridade para a expansão ao mínimo custo global. 
  • Os 8,0 GW da Lei 14.182/22 estão distribuídos compulsoriamente da seguinte forma: 2,5 GW na Região Norte, 1,0 GW na Região Nordeste, 2,5 GW na Região Centro-Oeste e 2,0 GW na Região Sudeste. Atentar que a Região Sul não foi contemplada na Lei.

O gráfico de barras mostra um despacho típico esperado das termelétricas a ciclo aberto, no patamar de ponta da curva de carga do sistema, para o Cenário de Referência do PDE. Verifica-se que esses montantes comprovam que realmente o papel dessas termelétricas é o de suprir potência ao sistema, principalmente na Região Sul, conforme observada na figura. Desta forma, qual a melhor maneira de atender a demanda de ponta da Região Sul?

Despacho típico de usina termelétrica a ciclo aberto. Fonte: EPE, PDE 2031

Despacho típico de usina termelétrica a ciclo aberto - Fonte: EPE, PDE 2031

O modelo computacional MDI (Modelo de Decisão de Investimento), através da otimização do custo total de investimento e operação da expansão de geração e transmissão, é utilizado no PDE para a elaboração dos estudos de planejamento da EPE, resultando na indicação da tecnologia e localização das usinas para atendimento da demanda elétrica do país. 

Esse modelo é o instrumento de planejamento da EPE que vai indicar a tecnologia e a localização das usinas para atender a demanda elétrica do país. No entanto, o MDI não considera em sua otimização, as taxas de falha (indisponibilidade) do sistema de transmissão. Caso fosse considerado, confirmaria ainda mais a necessidade locacional das usinas termelétricas nas regiões indicadas.

Vale ressaltar que a necessidade de ponta pode ser atendida com outras opções de expansão que não as termelétricas a ciclo aberto, tais como usinas hidrelétricas reversíveis e baterias. No entanto, essas tecnologias dificilmente poderão ser implantadas nos próximos cinco anos, tanto por aspectos de custos de instalação e escala, como por questões regulatórias. 

Já as termelétricas a gás natural são utilizadas em grande escala no mundo todo e podem atender ao sistema para prover o serviço de ponta/potência. Por isso, o gás é considerado estratégico para a confiabilidade do sistema, funcionando como complementar e não como base.

Nesse panorama, surge a importância de se viabilizar os leilões locacionais para atender demandas específicas, já previstos na Lei nº 14.120/21 que implementa o leilão de reserva de capacidade.

Existe uma corrente de especialistas para os quais esse tipo de leilão daria ao planejador o controle sobre a expansão. Por outro lado, ao se desenhar um leilão aberto a todas as regiões, o resultado poderia conduzir a soluções distantes das obtidas a menor custo total nos estudos de planejamento do PDE.

Os leilões da última década, de abrangência “nacional”, resultaram em expansão termelétrica localizada majoritariamente nas regiões Norte e Nordeste, principalmente em função de subsídios aplicados nesses empreendimentos, confirmando o distanciamento dos sinais emanados dos estudos de planejamento. Em consequência, essa expansão da geração acarreta necessidade ainda maior de expansão do sistema de transmissão.

O recente episódio do “apagão” no Sistema Interligado Nacional (SIN) de 15 de agosto de 2023, levanta o debate sobre a importância da expansão do sistema menos dependente das grandes interligações. O caso da região Sul, que demanda uma necessidade de ponta de 7,5 GW nos próximos anos, requer atenção especial. O Sul possui uma relevante capacidade de geração de energia de fontes não-controláveis com mais de 8,3 GW em operação.

Mesmo assim não foi contemplado nos leilões da Lei 14.182/22 e, sem o sinal locacional dos leilões, corre o risco de não conseguir contratar a necessidade de ponta indicada pela EPE, podendo afetar a segurança energética da região.

Referência Bibliográfica

EPE, Balanço Energético Nacional (BEN) de 2023, 2023.

EPE, Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031, 2022.

IEA, Energy Outlook Report 2023, 2023.

ANEEL, Sistema de Informação de Geração da ANEEL e Geração Distribuída (set / 2023)

Jorge Trinkenreich é formado em Engenharia Elétrica pela PUC-Rio, mestre em Sistemas de Informação pela PUC-Rio e tem MBA em Energia Elétrica pela UFRJ. Atualmente é gerente de planejamento energético da Arpoador Energia.

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