Desatando nós do setor elétrico brasileiro

Opinião

Desatando nós do setor elétrico brasileiro

A Lei da reforma do Setor Elétrico traz aspectos relevantes, como o encaminhamento do chamado risco hidrológico, o regramento para os sistemas de armazenamento e a renovação das concessões de pequenas hidrelétricas

Por Franklin Miguel

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Coautor: Álvaro Scarabelot*

A Lei 15.269/2025, recentemente sancionada pelo Governo Federal a partir da Medida Provisória 1.304, promove mudanças estruturais extremamente relevantes para o setor elétrico brasileiro.

Sem dúvida, a principal delas é a abertura do mercado livre para todos os consumidores, uma medida que vai proporcionar a liberdade de escolha e consequentes vantagens econômicas para pequenas e médias empresas e residências hoje reféns das distribuidoras de energia.

Mas a legislação vai muito além disso: outros destaques extremamente relevantes são o encaminhamento do chamado risco hidrológico do setor elétrico, o regramento para os sistemas de armazenamento de energia e a renovação das concessões de pequenas hidrelétricas, que discutimos neste texto.

O risco hidrológico corresponde às diferenças entre a geração efetiva das hidrelétricas e o montante contratado no mercado de energia. Essas diferenças podem acontecer por geração inflexível de usinas solares, eólicas ou térmicas no Sistema Interligado Nacional (SIN), variação da oferta de geração distribuída e redução das afluências dos rios.

A depender do valor do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), tais diferenças podem provocar custos elevados para os geradores hidráulicos; o problema causou, nos últimos anos, um aumento da inadimplência na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e significativa judicialização no setor.

Agora, a nova lei estabelece um mecanismo concorrencial para negociação centralizada dos valores não pagos, colocando um fim às demandas judiciais que tramitam no setor. O mecanismo consiste basicamente na emissão de títulos pelos devedores que podem ser adquiridos por outras concessionárias de geração; em troca, os compradores dos títulos terão o benefício de extensão de suas outorgas.

Essa negociação é ótima para o setor elétrico de modo geral, pois destrava o mercado e, ao mesmo tempo, gera liquidez e segurança nas suas operações.

Quanto ao armazenamento de energia, a nova lei deixa explícito que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) passa a regular e fiscalizar a atividade, formalizando-a como parte oficial do setor elétrico. Nesse sentido, o regulador deverá criar regras de acesso, remuneração e operação dos sistemas. 

Destaque ainda para o fato de que sistemas de baterias ou hidrelétricas reversíveis poderão prestar serviços de flexibilidade, potência, serviços ancilares e comercialização de energia, podendo competir com térmicas e outras fontes em produtos de confiabilidade e capacidade. Trata-se, portanto, de alternativa fundamental para auxiliar o setor elétrico no atendimento ao sistema nos horários de pico. 

Por fim, a prorrogação das outorgas de Pequenas Centrais Hidrelétricas agora poderá ocorrer a título oneroso, em linha com o regime aplicado às hidrelétricas de maior porte. São usinas cuja outorgas estão vencendo nos próximos anos e, pelo arcabouço anterior, seriam licitadas ou prorrogadas no regime de cotas, contratadas exclusivamente pelas distribuidoras para fornecimento aos consumidores regulados.

O problema é que, com a abertura do mercado, imputar essa contratação compulsória para as distribuidoras poderia resultar, na prática, em sobrecontratação e, consequentemente, custos extras para os consumidores.

Agora, a nova lei permite que tais usinas cujas concessões ainda não foram prorrogadas em regime oneroso possam ser prorrogadas dessa forma por 30 anos. Além de reduzir o risco de sobrecontratação das distribuidoras, essa medida favorece o interesse público pois implicará o recolhimento de taxa de Uso do Bem Público (UBP) para fins de modicidade tarifária e da Compensação Financeira pela Utilização dos Recursos Hídricos (CFURH) para os municípios afetados pelos empreendimentos.

No total, essas correções na legislação vão beneficiar 32 empreendimentos, totalizando 602 MW de capacidade instalada.

 

* Álvaro Scarabelot é diretor de Comercialização de Energia da Electra Energia.

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