Opinião

Milton Rego, da Abal: Energia brasileira na rota da seda

O Brasil opera com capacidade ociosa de 40% na produção de cabos em virtude da redução do ritmo dos projetos de transmissão. Mesmo assim, as importações vêm subindo, com a China monopolizando o mercado

Por Milton Rego

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Belt and Road Initiative (BRI) ou o Silk Road Economic Belt (SREB) foi apresentado pelo governo chinês há quatro anos como uma estratégia de, inicialmente, desenvolver as províncias do oeste da China e conectar os países do leste da Ásia. A China está construindo infraestrutura de estradas e ferrovias em toda a Ásia Central. Assim, ela reabre a antiga rota da seda para a Europa via Moscou e Istambul. Trechos das ferrovias já estão em construção.

Outro vetor são as linhas de transmissão, para expandir sua segurança energética em direção ao petróleo e ao gás do Cazaquistão, e o fortalecimento das rotas marítimas.

O governo chinês chama a iniciativa de "uma tentativa de aprimorar a conectividade regional e abraçar um futuro melhor" e, é claro que, na visão chinesa, esse futuro melhor tem a China como protagonista.

A China tem uma enorme poupança para investimento no exterior. Impulsionadas em parte pela estratégia “Going Global” de Pequim, que incentiva o investimento em mercados estrangeiros, as empresas chinesas expandiram ativamente sua presença no exterior nos últimos anos e exploraram oportunidades de investimento em diversos setores.

As atividades de extração de recursos naturais e energia concentram os investimentos – a China já é o maior mercado e o maior importador mundial para commodities minerais e energia. A dependência desses recursos vai se aprofundar ainda mais nos próximos anos.

Na América Latina, na última década, dos cerca de US$ 100 bilhões em investimentos diretos, mais da metade foi para o setor de energia. Quase 60% destinados ao Brasil para a compra de empresas de petróleo e de geradoras e distribuidoras de energia elétrica.

Esses investimentos têm de ser observados com atenção. Primeiro, porque parte não são projetos novos (os chamados greenfields); são simplesmente venda de ativos, empresas já operando (as brownfields) e que trocam de dono. Isso melhora o caixa de quem as vendeu, mas não promove, necessariamente, desenvolvimento do setor. Por essa razão, alguns países, como os Estados Unidos e a Alemanha, por exemplo, restringirem a entrada de dinheiro chinês.

Para os projetos novos, em que investimentos são sempre bem-vindos, a ameaça está mais escondida: a importação de máquinas e equipamentos chineses. Vamos olhar para o segmento de cabos elétricos. Os cabos que transmitem energia das geradoras (hidroelétricas, parques eólicos etc.) são todos feitos de alumínio. O metal é um excelente transmissor de energia, é resistente, não oxida e é leve, diminuindo a carga de peso nas torres.

O Brasil tem uma indústria instalada, de qualidade mundial e muito competitiva na produção de cabos. No entanto, opera com uma capacidade ociosa de 40% em virtude da redução do ritmo dos projetos de transmissão. Historicamente, a importação sempre foi muito baixa; os produtores domésticos ganharam quase todas as licitações, por preço e qualidade.

Pois bem, o que tem acontecido agora é que, mesmo com ociosidade, as importações estão aumentando, com a China monopolizando as importações brasileiras.

No Brasil, a partir de 2016, grupos estrangeiros começaram a ganhar projetos de linhas de distribuição e a importação de cabos de alumínio começou a crescer. Vindos de onde? Da China, claro.

É um roteiro que se repete. Ao vencer os leilões dos projetos de distribuição de energia, as empresas chinesas trazem todos os equipamentos de sua terra natal: turbinas, geradores, subestações e cabos, mesmo com oferta mais competitiva no mercado internacional. Isso aconteceu em outros países como Paquistão, Quênia, Etiópia, Egito etc. Primeiro, vêm os projetos e depois os equipamentos.

É preciso perceber que estamos nos tornando o Planeta China. E para nos dar algum parâmetro de como devemos tratar o país, seria interessante olhar como a China trata os investimentos e o comércio dos outros países no seu território.

A China controla, com punhos de ferro, o acesso ao enorme mercado interno. Não só em relação a produtos e tecnologia, mas até as manifestações políticas dos países com o governo chinês. Já sabemos que, para operar na China, é preciso ter um programa de transmissão de tecnologia; agora, precisa também estar alinhado politicamente. Só para ficar em um exemplo, há algum tempo, a Noruega teve de passar por longas negociações e prometer ter "na mais alta conta os interesses centrais e grandes preocupações da China" para conseguir restabelecer os laços comerciais, após Pequim punir Oslo devido à decisão, em 2010, de um grupo independente – nomeado por políticos noruegueses – em laurear com o Prêmio Nobel da Paz o dissidente Liu Xiaobo.

Assim, interesses particulares do país são, sim, peças que fazem parte do tabuleiro global de investimento e acesso a mercados. Quando olhamos os investimentos chineses no mercado brasileiro de geração e distribuição de energia, nos dá a impressão de que estamos indo para um beco sem saída de desindustrialização de componentes para esse setor. E, se isso acontecer, o segmento de cabos de alumínio irá sofrer um grande impacto.

A indústria brasileira é competitiva. As nossas empresas fabricam com qualidade e custos mundiais. Podemos concorrer com qualquer empresa. Mas as empresas não podem concorrer com um país. Se estamos no Planeta China, temos que nos lembrar que vamos continuar vivendo e trabalhando no país Brasil.

Milton Rego é engenheiro mecânico, economista e bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão pela Fundação Dom Cabral, desde 2014 é o presidente-executivo da Associação Brasileira do Alumínio (ABAL).

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