Opinião

Eólicas offshore no Brasil: avanços e status da regulação ambiental

A demora da regulação pode servir de desestímulo para desenvolvimento de atividade de extrema relevância para consolidação de uma matriz energética cada vez mais limpa e que conversa diretamente com os próprios compromissos assumidos pelo país

Por Cristina Carvalho Sumar

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O tema da redução das emissões de carbono e, como consequência, uso de tecnologias mais “limpas” para a geração de energia, nunca esteve tão em voga. Em novembro, ocorrerá 26ª Conferência das Partes sobre a Mudança Climática (COP26), na qual representantes dos países signatários do Acordo de Paris, dentre eles o Brasil, se reunirão mais uma vez na tentativa de estabelecer novas metas e estratégias capazes de frear o avanço das mudanças climáticas. 

Diante desse cenário, as mais diversas fontes renováveis, que reduzem drasticamente a pegada de carbono do setor energético, vem se desenvolvendo e evoluindo cada vez mais. No Brasil, considerando o imenso potencial dos ventos ao longo da área costeira e mar territorial do país, as plantas eólicas offshore, embora ainda não estejam em operação, tem assumido posição de destaque nas iniciativas do setor, com 20 processos de licenciamento atualmente em análise no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – órgão ambiental federal. 

Nesse sentido, o Ibama, em iniciativa louvável, realizou estudo comparativo com a experiência pioneira europeia para emitir o Termo de Referência (TR) padrão para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), exigidos no licenciamento ambiental de eólicas offshore, consideradas de significativo impacto ambiental e, portanto, sujeitas ao procedimento ordinário trifásico de licenciamento.

Ocorre que, a luz da análise do TR padrão em conjunto com estudos da EPE disponíveis sobre principais impactos e dificuldades do setor, persistem lacunas que geram insegurança jurídica quanto aos processos decisórios no âmbito do licenciamento ambiental. 

Inicialmente, destaca-se a ausência de planejamento do espaço marinho e zoneamento econômico ecológico brasileiro, que contemple a totalidade das áreas costeiras, mar territorial, plataforma continental e zona econômica exclusiva do país, o que amplia muito o nível de complexidade para análise de impactos e delimitação do projeto. 

Conforme indicado no TR, a faixa de distanciamento da costa em relação aos parques, por exemplo, deverá ser proposta pelo próprio empreendedor (sem indicação de distanciamento mínimo), com base em ampla avaliação de impactos, possíveis efeitos visuais e mapeamento de usos múltiplos pré-existentes. Ou seja, de certa forma o empreendedor deverá absorver amplamente todos riscos e responsabilidade sobre a viabilidade do projeto, que se torna mais demorada e custosa.

Nesse sentido, a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), ainda não internalizada de forma normativa, parece ganhar relevância como fator de contribuição aos mapeamentos de viabilidade no licenciamento ambiental de energias offshore. A AAE, enquanto estudo de gestão pública, em sua essência, é todo mecanismo de avaliação de impacto de ações considerando escopo mais amplo que o de projetos individuais, sendo, portanto, ferramenta fundamental para um planejamento e zoneamento marítimo que permita o desenvolvimento seguro e eficiente de plataformas offshore, com a delimitação prévia de possibilidades locacionais macro relativas aos prismas.

Sob outro aspecto, embora extremamente relevante a iniciativa do Ibama, é fato que a inexistência de norma que embase o licenciamento ambiental e até mesmo a completa ausência de marco regulatório que defina o regime de exploração das áreas, convivendo, ainda, com a ausência atual de planejamento do espaço marinho, aumenta o nível de exposição para questionamentos judiciais. Em verdade, tampouco há qualquer normativa sobre a definição dos blocos exploratórios para a atividade, seja sob o aspecto ambiental ou regulatório.

O próprio Ibama, recentemente, enviou Ofício à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ao Ministério de Minas e Energia (MME), por meio do qual o órgão elenca a totalidade dos empreendimentos eólicos offshore com licenciamento ambiental em curso, indicando, inclusive, a existência de uma série de sobreposições de parques e complexos eólicos de diferentes proponentes, além da sobreposição da área destes com áreas, nas quais há atividades de usos diversos, tais como canais de navegação de portos (por exemplo, o complexo eólico offshore Aratu sobre o canal de navegação do Porto Central), áreas de projetos de maricultura oceânica e de mineração de algas calcárias, dentre outros.

Considerando as constatações, o Ibama indica entender “não ser possível atestar a viabilidade ambiental para mais de um empreendimento em uma mesma área, ou mesmo em parte”, não existindo, contudo, nenhum regramento legal, que forneça ao Ibama a atribuição para definir qual pessoa ou empresa terá o direito de uso das áreas propostas, cabendo ao órgão apenas atestar a viabilidade ambiental dos empreendimentos, junto ao acompanhamento e monitoramento dos impactos.

Assim, esta sobreposição e indefinição regulatória atual traz inúmeras inseguranças tanto para o Ibama, que analisará estes processos que estão em fase inicial, quanto para os empreendedores. Como consequência, aponta a clara necessidade de regulamentação desta tipologia das eólicas offshore em esferas de atribuições distintas da ação do Ibama.

Em relação ao tema, vale notar que, atualmente, há dois Projetos de Lei em curso; o Projeto de Lei nº 11.247/2018 e o Projeto de Lei nº 576/2002. Ambos tratam sobre o estabelecimento do marco regulatório offshore renovável, com normas de base para a concessão dos blocos exploratórios, chamados de prismas energéticos. Como já indicado, a abordagem com certeza é de extrema relevância e igualmente necessária para a evolução do setor, contudo, para além de caminhara passos lentos no senado, não solucionam por completo a pauta ambiental. As definições ambientais indicadas nos Projetos voltam-se pontualmente aos estudos exigidos em fase de leilão e atribuição de responsabilidade pela obtenção de licença prévia neste momento inicial.

Portanto, embora seja natural que o processo legislativo e regulatório das atividades surja enquanto resposta ao crescimento do mercado, considerando a expressividade recente do quantitativo de licenciamentos já pendentes de análise e os impulsionamentos do próprio Ibama, o advento das normas o quanto antes, seria muito bem-vindo, para garantir maior respaldo e segurança jurídica ao empreendedor. A demora da regulação, nesse caso, pode servir de desestímulo para o desenvolvimento de atividade de extrema relevância para a consolidação de uma matriz energética cada vez mais limpa e que conversa diretamente com os próprios compromissos climáticos internacionais assumidos pelo país.

Cristina Carvalho Sumar é sócia da área ambiental do Bichara Advogados; Luciana Gil Ferreira é sócia líder da área ambiental do Bichara Advogados.

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