Opinião

Ainda a guerra na Ucrânia e seus efeitos no mercado de gás

A partir das lições aprendidas da crise que afetou fortemente os países membros, a União Europeia reagiu e está atuando radicalmente para remodelar seu futuro energético

Por Bruno Armbrust

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A guerra na Ucrânia e a consequente redução da importação do gás russo pelos países europeus trouxeram grande volatilidade aos preços do gás natural. A crise pegou em cheio a União Europeia - UE, obrigando medidas como redução do consumo de gás, aumento da oferta de GNL em substituição ao gás russo com a instalação em regime de urgência de novas FSRUs[1], recomposição rápida dos reservatórios subterrâneos, dentre outras.

A crise e a grande volatilidade dos preços parecem ter ficado, momentaneamente, para trás, mas a UE, a partir das lições aprendidas da crise que afetou fortemente os países membros, seja pelo aumento do custo da energia, seja pelo risco de sua falta no último inverno, reagiu e está atuando radicalmente para remodelar seu futuro energético.

Além das providências já tomadas de forma emergencial, novas medidas estruturais estão sendo propostas visando o aumento da oferta interna de energia, como as diretrizes que visam fomentar o uso dos gases renováveis, como o biometano, e terão caráter vinculante para todos os países membros.

Como destaque das medidas acima mencionadas, tem-se a denominada Repower EU, que implica na produção de 10% da demanda de gás natural até 2030 com gases renováveis. Isso representa cerca de 35 bcmy[2], ou seja, mais que todo o consumo anual de gás natural no Brasil.

Outra diretriz, recentemente divulgada, tem por objetivo a proibição total da combustão de gases com origem fóssil até o ano de 2050. Se espera alcançar esse objetivo em fases, sendo que, inicialmente, haverá um crescimento importante do biometano.

Em seguida, o hidrogênio passaria a atender parte da demanda, inicialmente misturado ao gás natural nos gasodutos num blend que alcançaria até 20% de hidrogênio e 80% de gás natural.

Em um terceiro momento, com a conversão dos gasodutos para uso de hidrogênio, se tentaria alcançar um nível “Zero Energia” produzida a partir de gases de origem fóssil.

Importante ressaltar que o pacto verde Europeu está sustentado em 3 pilares: Sustentabilidade, Segurança Energética e Preços Acessíveis a todos. Para alcançar esta meta, se faz importante aumentar a produção interna de energia com gases renováveis e aumentar a eficiência energética (programas de ajuda de substituição de equipamentos).

O aumento do uso de gases renováveis ocorreria em linha com o conceito de Feed-in tariff (FIT), um mecanismo utilizado por políticas públicas destinadas a acelerar o investimento em tecnologias de energias renováveis, por meio de oferta de contratos de longo prazo.

Isso significa oferecer às produtoras de energia renovável um preço acima dos preços do mercado, garantindo preço e contratos de longo prazo que ajudem a financiar os investimentos em energia renovável.

Tipicamente, as FITs concedem preços distintos a distintas fontes de energia renovável de modo a incentivar o desenvolvimento de uma tecnologia em detrimento de outra. A FIT, muitas vezes, inclui uma condição “degressiva” que significa uma diminuição gradual do preço ou tarifa para continuar incentivando a redução dos custos tecnológicos.

Essas fontes renováveis, como, por exemplo, o biometano, tem seus preços desvinculados a indicadores tipo Brent, o que, na prática, faz com que os preços tenham menor volatilidade e suscetibilidade às crises externas.

Estudos realizados sobre o potencial de produção de biometano no Brasil indicam que se poderia alcançar números expressivos, permitindo uma redução significativa da importação de gás natural no médio e longo prazos.

No Rio de Janeiro, onde já existem unidades de produção de biometano, em 2012 foi criada, por Lei, uma política de incentivo ao biogás denominada Gás Natural Renovável – GNR. Mais recentemente, em 2022, o estado reduziu o ICMS incidente no biogás e biometano, sinalizando a importância das fontes renováveis.

Assim, o Rio de Janeiro foi pioneiro numa ação FIT no passado, que hoje passou a ser prioridade na UE. A guerra se localiza à milhas de distância do Brasil, mas seus efeitos chegaram aqui e é importante a contínua reflexão e ação dos Governos na busca das melhores alternativas quanto ao futuro energético no país.

[1] Floating Storage Regasification Unit

[2] Bilhões de metros cúbicos ano

 

 

Bruno Armbrust é sócio fundador da ARM Consultoria, ex-presidente do grupo Naturgy na Itália de 2004 a 2007 e no Brasil de 2007 a 2019. Escreve na Brasil Energia a cada três meses.

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