Opinião
“Probiocombustível”, uma resposta brasileira para os desafios energéticos e climáticos do mundo
Tal iniciativa seria extremamente benéfica para a engenharia automotiva brasileira, que tantas soluções deu ao país quando este mais precisou
Já não é mais necessário convencer as pessoas de que, de fato, a ação do homem influencia o clima do planeta.
A constatação se traduz na necessidade imperiosa de as nações diminuírem a emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE). Do total dessas emissões, o segmento de transportes responde por mais de 14%, porém, nesse montante, não estão computadas as provenientes das máquinas agrícolas e industriais movidas a diesel. Ou seja, estamos falando que a queima de combustíveis fósseis (gasolina e diesel) tem parcela ainda mais importante e o problema requer um tratamento específico. Até aqui, nada de novo.
A solução mais à mão para a mitigação todos sabem: ou se eletrifica a frota, assegurando que a geração de eletricidade seja limpa, ou se parte para os combustíveis renováveis com emissão próxima de neutra. Diante dessas duas possibilidades, é difícil imaginar que a eletrificação tenha chance de êxito no curto prazo em nosso país dadas as nossas especificidades, como extensão territorial, custo dos veículos e, principalmente, dificuldades técnicas e econômicas extremas a fim de se prover infraestrutura de pontos de carregamento em todo o território.
Sendo assim, exceto em grandes centros urbanos, a eletrificação não deve ser uma escolha estratégica. A solução que faz mais sentido para o Brasil, seja para os veículos e máquinas com motores diesel, seja para os veículos à passeio, é partir para a utilização massiva dos biocombustíveis.
O Brasil tem condições únicas para implementação de um programa de descarbonização bem-sucedido já que possui boa parte das necessidades para isso. A primeira delas é a oferta de matérias-primas. Alguém consegue imaginar um país com melhores possibilidades para atender a esse quesito? Maior produtor global de soja, com produção exuberante de gorduras animais, algodão, óleos reciclados e diversas oleaginosas disponíveis para crescimento da produção no curto prazo, como a canola e o girassol, e de médio e longo prazos, como a palma e a macaúba. No segmento do etanol, já se produz em grandes volumes a partir da cana-de-açúcar e do milho para uma frota completamente estabelecida.
Do ponto de vista socioeconômico, temos programas que integram a agricultura familiar e de pequena escala, geram emprego, renda e desenvolvimento regional. Além disso, por meio de boas práticas sustentáveis, contribuem para o sequestro de carbono na lavoura. Nada a temer por aqui.
Um segundo ponto relevante é a existência de especificações técnicas oficiais que amparem os biocombustíveis e as iniciativas neste campo. É o caso do biodiesel, do etanol e do diesel verde, para ficar apenas nos líquidos substitutos dos combustíveis fósseis minerais. Tais normativas já estão entre as mais rigorosas do mundo e as revisões são constantes. Ou seja, se formos seguir para os biocombustíveis, teremos seguramente os melhores produtos do mundo em todos os aspectos.
Outro fator necessário e atendido plenamente no Brasil é a infraestrutura de produção, distribuição e abastecimento de granéis sólidos e líquidos. Dezenas de usinas de etanol e de biodiesel já produzem em território nacional, sem necessidades de adaptações. Tudo certo.
A parte que talvez necessite de maior ajuste, apesar de ser reconhecidamente competente, é a de oferta de veículos adequados para todo esse biocombustível que o Brasil é capaz de produzir. Vê-se, ao contrário, montadoras estrangeiras de veículos para todos os tipos de usos correndo no intuito de se mostrarem mais modernas pelo caminho da eletrificação, que, como observamos, é tão somente uma escolha da matriz para seu país a partir das condições econômicas e socioprodutivas locais, mas que claramente não representa a melhor para nossa nação.
Neste quesito, a orientação do Estado sobre a direção a seguir, que reflita com clareza a opção pelos biocombustíveis renováveis e sustentáveis, certamente ajudará toda a indústria nacional a repensar sua estratégia de descarbonização pela eletrificação, concentrando-se no que faz mais sentido para o nosso país.
Na última vez que o Brasil fez a sua escolha, de maneira firme e com certa previsibilidade, tivemos como resultado o Proálcool quando, por razões diferentes das atuais, o país fez uma aposta e a indústria correspondeu, oferecendo produtos próprios para o etanol que estão circulando até hoje, inclusive fomentando a introdução da tecnologia flex. Foi, sem exageros, o ciclo de ouro de nossa engenharia automotiva.
A oportunidade se apresenta uma vez mais, com uma diferença importante: o Brasil não está sozinho na dificuldade de eletrificar a sua matriz de transporte.
As Américas do Sul e Central, boa parte da Ásia, África, Oriente Médio e parte da Europa vão precisar de veículos e de biocombustíveis renováveis para enfrentar o problema do aquecimento global. Os desafios e metas são para todos e as soluções devem ser buscadas nas potencialidades locais. Não seria o caso de o Brasil se antecipar e lançar um “Probiocombustível” para oferecer produtos e combustíveis renováveis com qualidade superior para todos os países que comungam das nossas dificuldades?
Tal iniciativa seria extremamente benéfica para a engenharia automotiva brasileira, que tantas soluções deu ao país quando este mais precisou. Afinal, nem tudo que é bom para a Europa e Estados Unidos é bom para o Brasil: há mercados demandantes e crescentes para essas tecnologias. Seria mais um ciclo virtuoso para o país, com geração de riqueza e renda para várias camadas da sociedade. Desde as ligadas à tecnologia, até as produtoras de agricultura familiar em todas as regiões do Brasil.
Diante de tudo que vimos até aqui, é impossível não considerar estratégico um amplo e definitivo programa de inserção dos biocombustíveis nas matrizes energética e de transportes do Brasil, principalmente se levarmos em consideração o protagonismo do país na urgente mitigação das mudanças climáticas. O tempo já está contando...
Vicente Pimenta é consultor técnico da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove)