Opinião

Reprovas indevidas das solicitações de acesso de GD perante distribuidoras preocupam setor elétrico

Decidir pela via administrativa ou judicial para a resolução do conflito deve-se ao fato de que a Aneel não concluiu a revisão de seus atos para adequá-los à Lei 14.300/22, apontam em artigo Luiza Melcop e Lucas Cortez Pimentel, do Manucci Advogados

Por Luiza Melcop

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Terminou em 07 de janeiro de 2023 o prazo estabelecido pela Lei 14.300/22 para o protocolo de solicitações de acesso à rede de distribuição das centrais de micro e minigeração distribuída que pretendem usufruir de 100% (cem por cento) de compensação dos créditos de energia originados desses sistemas.

Difundido nos últimos anos, o modelo de geração distribuída permite, a exemplo, que uma residência implante placas fotovoltaicas em seu telhado com o objetivo de experimentar descontos na conta de energia ao final do mês, através do Sistema de Compensação de Créditos de Energia Elétrica (SCEE). Segundo dados abertos da plataforma SIGA/Aneel referentes a janeiro de 2023, a potência instalada desses empreendimentos já ultrapassou os 16 GW no país.

Em linhas gerais, o modelo funciona da seguinte forma: após conectada a central de micro ou minigeração à rede de distribuição, a energia elétrica injetada na rede é cedida a título de empréstimo gratuito à distribuidora local. Em contrapartida, a energia cedida é convertida em créditos de energia elétrica para posterior abatimento com o consumo de energia verificado nas unidades consumidoras cadastradas no Sistema de Compensação.

Antes da edição da Lei 14.300/22, o marco regulatório conferido pela Aneel previa a compensação de 100% da energia gerada por esses sistemas.

Para consumidores residenciais, isso significava dizer que a compensação dos créditos de energia se operava sem o pagamento de nenhuma parcela da Tarifa de Energia (TE) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), macro componentes da fatura de energia do Grupo Tarifário B. Por esse motivo, a geração distribuída atraía interessados tanto pela rentabilidade em sua implantação quanto pela existência de linhas de financiamento específicas para os projetos.

No entanto, muito embora o modelo da geração distribuída também constitua iniciativa de eficiência energética, dado que a produção de energia é efetuada de forma difusa e perto das zonas de consumo, o legislador passou a ter o entendimento de que o não pagamento dos encargos tarifários pelo uso da infraestrutura do sistema de distribuição, notadamente relacionados às componentes da TUSD, consistiria em subsídio cruzado entre os consumidores cativos.

Em outras palavras, a lógica aplicada foi a de que o custo pelo uso do transporte da energia não pago pelos geradores distribuídos seria custeado pelos consumidores não adotantes desses sistemas.

Após discussões no Congresso Nacional, foi sancionada a Lei 14.300/22, em que se previu regime de transição para minorar o percentual de compensação praticado no SCEE.

De acordo com o art. 26 da Lei, todas as unidades consumidoras com geração distribuída já conectadas à rede de distribuição ou que solicitassem conexão no prazo de 12 (doze) meses, a contar da publicação da Lei 14.300/22, teriam o direito à permanência com o percentual de 100% de compensação. Nesse último caso, deveria ser atendido quesito adicional.

Os empreendimentos deveriam iniciar a injeção de energia na rede de distribuição nos seguintes prazos, contados da emissão do parecer de acesso à rede de distribuição: (i) 120 (cento e vinte) dias para microgeração de energia, independentemente da fonte; (ii) 12 (doze) meses para minigeração de fonte solar; (iii) 30 (trinta) meses para minigeração das demais fontes.

Como era de se esperar, o intuito de aproveitar o regime tarifário mais benéfico ocasionou intenso movimento de protocolo de solicitações de acesso às vésperas do término do prazo estabelecido pela Lei.

Entretanto, o recebimento e processamento dessas solicitações têm esbarrado em entraves criados pelas distribuidoras, que não raro estão indeferindo ou reprovando os pedidos por motivos ilegais ou descolados da regulação setorial da Aneel.

Em comunicado polêmico, uma das distribuidoras do Sudeste emitiu o entendimento de que a data do protocolo das solicitações de acesso seria a data em que a distribuidora iniciasse a avaliação da documentação do agente. A manobra ocasionaria a perda do direito ao regime tarifário mais benéfico, tendo em vista que a distribuidora poderia desconsiderar a data de submissão das solicitações anteriores a 07 de janeiro de 2023.

Outros casos também expõem erros procedimentais, a exemplo do indeferimento da solicitação de conexão dos projetos quando a distribuidora identifica que não há prévia ligação da unidade consumidora em que será instalado o sistema de geração. De acordo com o §2º do art. 2º da Lei 14.300/22, as distribuidoras deveriam processar, de forma concomitante, essas solicitações.

Verifica-se também o problema do indeferimento das solicitações de acesso quando o consumidor preenche no Formulário de Acesso a opção pela faixa de tensão de conexão e a distribuidora informa que não poderá atender o consumidor na tensão pretendida, reprovando a solicitação de acesso.

Nesses casos, o indeferimento se torna ilegal, porque por mais que o consumidor possa indicar a solução de conexão de seu interesse, cabe à distribuidora justificar tecnicamente e segundo o critério de menor custo global a solução de conexão viável para o caso, nos termos da Resolução Normativa Aneel nº 1.000/21, que disciplina as condições de prestação do serviço público de distribuição.

Como estratégia de defesa, os consumidores solicitantes de acesso podem adotar o procedimento de reclamação administrativa. Pela disciplina conferida pela Resolução Normativa Aneel nº 1.000/21, após protocolada a reclamação, a distribuidora possui o prazo de 10 (dez) dias úteis para oferecer resposta ao consumidor. Caso seja mantido o indeferimento ou decorra o prazo sem resposta formal, o consumidor pode recorrer à ouvidoria da distribuidora, que tem o mesmo prazo de resposta.

A partir do cumprimento desse procedimento, poderá ser levado o caso à Aneel, sendo de competência da Superintendência de Mediação Administrativa, Ouvidoria e Participação Pública (SMA) dirimir o conflito entre as partes. Em todo caso, não há impedimento a que se resolva o conflito, desde o início, acionando o Judiciário.

A difícil tomada de decisão pela adoção da via administrativa ou judicial para a resolução desses conflitos está muito ligada ao fato de que a Aneel não concluiu o processo de revisão de seus normativos para adequá-los à Lei 14.300/22. Segundo a Lei, a Agência Reguladora já deveria ter finalizado o processo há cerca de 06 (seis) meses.

Assim, ainda não se sabe qual será a postura da agência reguladora em relação às temáticas com lacunas de interpretação. Para agravar a situação, algumas propostas de regulamentação veiculadas pela Aneel na Consulta Pública nº 51/2022 acirraram ânimos e foram recebidas com a legalidade questionada pelo setor.

A exemplo, foi proposto pela Agência que nos casos em que a distribuidora indique no Parecer de Acesso prazo de implementação de reforços ou melhorias na rede de distribuição em montante superior ao prazo de início de injeção da energia que a Lei 14.300/22 estabelece como condicionante para usufruir do direito adquirido ao percentual de 100% de compensação, o risco de conexão seria alocado ao consumidor, que perderia o direito à fruição do regime tarifário mais benéfico.

A controvérsia sobre o assunto se dá porque a Lei 14.300/22 permite a suspensão do prazo para início da injeção de energia das centrais geradoras nos casos em que se constatem pendências de responsabilidade da distribuidora, podendo ser incluída nessa hipótese a implementação das obras de conexão em prazo superior ao regulamentar.

No final do dia, a profunda divisão da opinião pública em torno da alteração da política tarifária contribui para encobrir os problemas legais em relação à implementação da Lei. Por um lado, é comemorada a redução de alegados subsídios cruzados causados pela geração distribuída, enquanto o outro lado lamenta a mudança prematura da política tarifária, que deverá desencadear a redução da atratividade financeira na implantação desses projetos.

O que pouco se atenta é que a edição das regras de transição da Lei 14.300/22 previu prazos exíguos para que a agência reguladora e as distribuidoras pudessem coordenar as mudanças legais e prover segurança jurídica nesse processo. Como visto acima, a conta dessa desordem será paga por todos: consumidores, distribuidoras, agência reguladora. Definitivamente, no arrolamento de problemas jurídicos para implementar uma política tarifária, não há como chancelar um vencedor.

Luiza Melcop e Lucas Cortez Pimentel são sócios do Manucci Advogados na área de infraestrutura e energia

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