Opinião
Restrições operativas de usinas hidroelétricas
Convém manter permanente escrutínio dessas restrições, em geral por efeito do uso múltiplo dos recursos hídricos, para evitar desnecessário custo aos consumidores. Há restrições “exageradas” ou que admitem simples solução
As fontes de geração eólica e solar têm impacto positivo na confiabilidade energética porque diminuem a produção de hidroeletricidade, mantendo nos reservatórios a água economizada. Porém o impacto é negativo sob o ponto de vista da confiabilidade no atendimento instantâneo da carga. As hidroelétricas já dão sinais de que não conseguirão compensar integralmente as variações abruptas da geração não-despachável, principalmente ao cair da tarde, quando as gerações solares - centralizada e distribuída - definham abruptamente. Daí a iniciativa governamental de organizar leilão para contratação de capacidade (MW), diferentemente dos leilões anteriores, em que a meta era contratar energia (MWmed).
Nesse contexto, convém manter permanente escrutínio das restrições operativas de hidroelétricas, em geral por efeito do uso múltiplo dos recursos hídricos, como já recomendei nesse espaço (Brasil Energia 471, 10/2021). Há certamente restrições “exageradas” ou que admitem simples solução, para evitar desnecessário custo aos consumidores de energia elétrica.
Um exemplo desse tipo de restrição foi objeto de recente decisão do CMSE (6/03): redução da vazão mínima defluente da UHE Porto Primavera, de 4.600 m3/s para 3.900 m3/s. Trata-se de um seguro, tanto energético quanto de potência (preservação das quedas de usinas localizadas a montante), motivado pela atual situação hidrológica, notoriamente adversa.
É legítima a preocupação com a vazão a jusante da UHE Porto Primavera porque é preciso preservar a flora e fauna no trecho de rio até a UHE Itaipu. Porém, manter a vazão em 4.600 m3/s parece ser um exagero. Essa suspeita foi confirmada em 2021, quando a vazão defluente da UHE Porto Primavera foi reduzida, por decisão da CREG, para menos de 3.900 m3/s, sem danos ambientais relevantes.
A rigor, decisões sobre mudanças das condições de operação de reservatórios deveriam ser corriqueiramente tomadas pela ANA, em articulação com o ONS, e não pela CREG ou pelo CMSE (Lei 9984/2000, Art. 4o XII § 3º). No caso específico, a outorga de uso da água dada pela ANA não impõe restrição de vazão mínima, exceto durante a piracema, e assim mesmo em apenas 3.900 m3/s. A licença ambiental expedida pelo Ibama não estabelece restrição de vazão mínima. Determina apenas que seja realizado o monitoramento ambiental em caso de emergência hídrica declarada pelos órgãos reguladores.
Um enrosco burocrático tem impedido que a articulação entre ANA e ONS funcione como legalmente previsto e que a resolução do CMSE tenha demorado 24 dias para começar a ser implementada. Foram 1,4 bilhões de metros cúbicos que poderiam ter sido economizados para uso futuro numa seca. Para que se tenha uma escala de comparação, o armazenamento máximo do Sistema Cantareira, responsável pelo abastecimento de metade da Região Metropolitana de São Paulo, é inferior a 1 bilhão de metros cúbicos.
Em 2018, a Cesp, concessionária da UHE Porto Primavera, declarou ao ONS a necessidade de fixar a vazão defluente mínima em 4.600 m3/s para evitar danos à ictiofauna (FSAR-H 533 – 2018). Uma declaração desse tipo deveria estar bem fundamentada tecnicamente. Mesmo que tal estudo exista, foi ultrapassado pela experiência de 2021.
A recente decisão do CMSE foi motivada por “prudência hídrica” e não por “emergência hídrica”. Apesar disso, o Ibama foi chamado a participar do processo decisório. Talvez devido à errônea interpretação de que uma defluência dentro dos limites estipulados pela ANA, mas fora dos declarados pela concessionária, configure emergência hídrica.
Conceitualmente, não deveria caber a qualquer concessionária de hidroeletricidade dar a palavra final sobre restrição operativa que tenha consequência sistêmica, até porque pode haver conflito de interesses.
Cabe à Aneel mudar o atual procedimento, inclusive para compensar a concessionária por eventual custo anteriormente inexistente. No caso em tela, a contratação temporária de equipe para resgatar peixes.