Opinião

Segurança energética deve ser garantida pelas boas práticas de engenharia

"A expansão de renováveis é, muitas vezes, imposta por ideologia aos agentes planejadores, não por requisitos técnicos e econômicos", diz em artigo Ricardo Martins, presidente da Natural Energia

Por Ricardo Martins

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

Uma política energética que proíbe o investimento em algumas tecnologias, com base em uma ótica ideológica, está fadada a levar a sociedade que a sustenta para um estrondoso fracasso. A crise energética na União Europeia não foi criada por falhas de mercado ou falta de alternativas. Foi criada por imposição ideológica e intervencionismo, a guerra apenas deixou claro e acentuou o problema. Com esta ideia, inicia-se o artigo “Europe´s Energy Crisis was Created by Political Intervencionism” de Daniel Lacalle.

Faz algum tempo, a Europa vem adotando uma política energética dando ênfase ao desligamento de usinas nucleares, térmicas, além do banimento de reservatórios de hidroelétricas, sem estabelecer um equilíbrio entre fontes renováveis e despacháveis. Tais medidas colocam em risco a segurança energética do Velho Continente.

A relação de ideologia com energia em larga escala preocupa, porque a ideologia limita o raciocínio lógico fazendo com que os atos se tornem mecânicos e, consequentemente, todos têm que agir da mesma forma. A expansão de renováveis é, muitas vezes, imposta por ideologia aos agentes planejadores, não por requisitos técnicos e econômicos.

Para corroborar com esta observação, mesmo térmicas a gás natural vêm sofrendo limitação de expansão, apesar do mesmo ser considerado um combustível de transição e um trampolim para uma economia de baixo carbono. Essas usinas podem futuramente operar com hidrogênio, fato praticamente desconsiderado. Observa-se o amplo favorecimento à expansão das renováveis com muitos subsídios. Esses subsídios exigirão que seus custos sejam pagos por algumas gerações de europeus. A utilização das energias renováveis precisa ser concebida num contexto de uma composição balanceada, por sua volatilidade e intermitência.

Não é à toa que o mercado europeu de eletricidade é provavelmente o mais intervencionado do mundo. Um percentual elevado da tarifa de eletricidade no continente é referente a custos regulados, subsídios e impostos estabelecidos pelos governos. Este cenário pode produzir um grande perigo.  Energia, principalmente a elétrica, é altamente ligada às condições locais e precisa ser produzida por fontes primárias. Será que Portugal tem as mesmas condições ambientais da Alemanha ou mesmo da Espanha? Será que a França deixará voluntariamente de aproveitar suas reservas de urânio no norte do Niger?

Estas perguntas, entre outras relacionadas, precisam ser respondidas à luz da razão e suas respostas, analisadas cuidadosamente. O estabelecimento de um padrão para energia elétrica e a imposição para que todos o sigam, não é correto, mas esse erro está sendo cometido por muitas lideranças e não somente as europeias.

Ao voltar no tempo, constatamos que os Europeus descobriam os caminhos marítimos para a Índia e as Américas usando como energia primária a eólica, correto? Até a efetiva criação do motor a vapor por James Watt, em 1769, as energias primárias eram todas relacionadas à energia renovável. Então, essa questão de energia renovável não é algo moderno. Podemos notar que, por milênios, o homem utilizou apenas energias renováveis para sua subsistência. Energia potencial da água, química da biomassa, radiação térmica solar e eólica foram as fontes de energia dominantes até a chegada da Revolução Industrial, grandemente sustentada por combustíveis fósseis.

Uma fonte de energia, para ser considerada renovável, requer que a taxa de produção do energético seja superior à taxa do seu uso. Isto acontece com as fontes de energia hidráulica, eólica, solar e até para certos tipos de biomassa.

Mas foi o petróleo que possibilitou um grande salto tecnológico da Revolução Industrial e a entrada na era moderna para a sociedade. Pode-se dizer que hoje sequer conseguiríamos produzir os painéis solares ou as enormes turbinas eólicas, porque todos utilizam polímeros derivados do petróleo. Portanto, para se chegar à civilização e ao desenvolvimento atual, muito se deve aos combustíveis fósseis e nada disso está no mérito da ideologia. Pelo contrário, tem base exclusivamente em conceitos de engenharia.

As boas práticas de engenharia indicam que é preciso combinar as fontes primárias de energia para se garantir segurança a um sistema energético. Estamos caminhando para uma era puramente elétrica. Importante lembrar que esta não é uma fonte primária de energia. A energia elétrica precisa ser produzida e não é possível produzir energia elétrica para o mundo, por meio apenas de fontes renováveis, ao menos, não no estágio atual de tecnologia de nossa civilização.

Uma matriz energética segura precisa levar em conta as características de cada um dos sistemas elétricos e ser harmonicamente composta de acordo com os recursos daquele sistema em questão. Com base no desenvolvimento tecnológico atual, esta deve considerar um mix de usinas: hidrelétricas (com e sem reservatórios), térmicas (principalmente a gás natural), eólicas e fotovoltaicas. Sempre considerando as boas práticas de engenharia e a disponibilidade geográfica de cada recurso, de modo a formar um sistema eficiente de produção de eletricidade.

O Brasil deve ligar um sinal de alerta, pois teve a maior crise hídrica em 91 anos em 2021 e já sofreu com a falta de energia elétrica no passado. O país não construiu mais novas usinas hidrelétricas com reservatórios, viu seu programa nuclear ser reduzido a apenas duas usinas e sofre com a infraestrutura para trazer o gás natural offshore para a costa.

Hoje o país passa por uma situação confortável de energia devido ao nível de seus reservatórios hídricos, mas a energia assegurada do sistema não mudou. Isso quer dizer que ainda temos risco para a operação. Portanto, talvez seja a hora de ampliar fontes que assegurem despacho com flexibilidade ampliando assim, com baixo custo, a segurança do sistema.

O que está acontecendo no Velho Continente precisa servir de exemplo do que não se deve fazer em termos de planejamento energético, para não deixarmos que linhas ideológicas e sem base científica possam interferir nas boas práticas de engenharia. É indispensável termos uma oferta de energia segura e confiável, beneficiando a geração atual, sem comprometer o bem-estar dos futuros brasileiros.

Ricardo Martins é presidente e sócio fundador da Natural Energia Participações

Outros Artigos