Opinião
Valor e Preço: a chave para o futuro
Tudo é energia, mas ela se manifesta de diferentes formas, que são precificadas a partir do valor percebido. Hoje, o grande desafio da civilização é equalizar Valor e Preço e o papel da ciência é oferecer os elementos objetivos para essa precificação. O mercado, pela sua natureza utilitária, não é capaz de encontrar as melhores soluções. Afinal, “no longo prazo, estaremos todos mortos”. Portanto, cabe aos governos estabelecer os princípios, via políticas públicas, para que a sociedade possa viver em equilíbrio.
Com a ciência, descobrimos que o nosso planeta viveu, nos últimos 10.000 anos, o seu período geológico mais estável, o Holoceno, com variações anuais de temperatura média de que não ultrapassavam 1ºC. Nos 100.000 anos anteriores, no Pleistoceno, essa variação era de mais de 10ºC por década, que levavam a um verdadeiro inferno climático. Não por coincidência, foi exatamente a partir do Holoceno que nós humanos, que já perambulávamos pelo planeta há mais de 300 mil anos, fomos capazes de fazer os sucessivos adensamentos de energia, sob a forma de agricultura e comércio, que nos levaram à civilização. Ou seja, a civilização foi resultado da inteligência humana operando em um quadro de estabilidade climática.
Entretanto, a inteligência humana não evoluiu com a civilização. Ela é anterior a isso, tendo prosperado na época das cavernas, quando a escassez era a regra, assim como o pensamento de curto prazo. Dessa forma, sempre perseguimos fazer o máximo consumindo o mínimo da nossa própria energia, o que nos levou à Revolução Industrial e ao uso da energia fóssil para substituir o nosso trabalho. Porém, “não existe almoço grátis”. Com o aumento da nossa capacidade científica, constatamos que o uso da energia fóssil estava aumentando vertiginosamente as concentrações de gases de efeito estufa (CO2, metano e vapor dágua), o que poderia levar a alterações da complexa circulação de fluidos do planeta, que é o que define o clima.
Definitivamente, com sistemas de extrema complexidade, que estão funcionando, é melhor não mexer. Mas agora é tarde. Já afetamos a atmosfera a ponto de termos interrompido o Holoceno e entrado em uma nova era, o Antropoceno, que se caracteriza pela instabilidade. Olhando pela ótica de uma agência de avaliação de risco, o planeta passou de um grau de investimento AAA para B menos, com tendência a ir para C, nota de “baixo interesse para investidores”. Entretanto, quando se trata do nosso planeta, os investidores somos nós e esse é o nosso único negócio. Se não quisermos falir, ou extinguir, a única coisa a fazer é investir para a melhoria da nota.
Dito isso, reduzir as emissões de carbono fóssil e retirar o que já foi emitido da atmosfera é prioridade total. A ampla maioria das pessoas e dos governos reconhece o Valor dessa atividade. Entretanto, isso não é suficiente. Agora temos que colocar Preço nisso para uma ação de longo prazo, o que vai depender da regulamentação e do mercado. No Brasil, que poderá ser o grande líder desse novo momento da civilização, estamos atuando de forma inteligente na precificação do carbono com programas como o Renovabio e o Combustível do Futuro. Fomos os primeiros a colocar ciência nas nossas legislações a partir do uso das metodologias amplas de Análise de Ciclo de Vida, que é a única forma de entender o que emitimos e precificar o valor da mitigação. Mas esses mecanismos têm que ser ampliados, popularizados, vulgarizados. Só vamos realmente ter sucesso quando o verde se tornar “sexy”, quando fizer parte não apenas da razão, mas do nosso repertório emocional.
Uma grande oportunidade para isso está no uso de etanol e no mecanismo do Renovabio. Atualmente, a maior parte dos nossos carros é flex, mas menos de 30% dos consumidores abastece com álcool, o que todos sabem ser melhor para o planeta. Portanto, a razão não é suficiente para a tomada de decisão e temos que usar a emoção para dar um empurrãozinho. Uma forma eficiente de fazer isso seria mexendo positivamente no bolso dos consumidores, a partir da “gameficação” da moeda de carbono do Renovabio, o CBIO. Embora seja comercializado na B3, hoje a cotação do CBIO não é livre. O seu preço está atrelado à obrigatoriedade dos distribuidores de combustíveis de atingir metas de descarbonização, que precisam comprar CBIOs para sua equalização. Assim, para os distribuidores, quanto menos tiverem que pagar pelo CBIO, tanto melhor, mas isso joga contra o preço do Valor da desfossilização.
Obviamente, isso tem que mudar. A aquisição de CBIOs por distribuidores deveria ser um mecanismo de regulação secundário, apenas para equilibrar picos de flutuação. Deveríamos simplesmente deixar as forças de mercado funcionarem, na plenitude do seu instinto animal. Temos que aprender com as moedas virtuais, como o Bitcoin, que atingem preços incríveis mesmo sem ter qualquer Valor. Enxergo um cenário em que o consumidor recebe CBIOs cada vez que abastece com biocombustíveis e usa esses para a especulação. Imagino o Preço que essas moedas atingiriam e o incentivo que trariam para o desenvolvimento de uma cadeia de valor desfossilizada, que vai do campo à indústria automobilística e de máquinas pesadas, com todos os seus derivativos de alta tecnologia. E tudo isso com forte geração de renda, desenvolvimento de capital humano e, o mais importante, a melhoria da qualidade de vida das pessoas com a sustentabilidade ambiental.
E, como dito no início, tudo é energia e essa pode ser transformada. Por exemplo, petróleo é transformado em dinheiro com a sua venda, que pode ser transformado em produção de biocombustível, se esse for um bom negócio. Se prestarmos atenção, é exatamente isso que está acontecendo atualmente no Brasil. Hoje, as maiores empresas de produção de etanol do país são controladas por companhias de petróleo ou fundos de investimento originados desse setor. Com o tempo, essas empresas passarão a ser simplesmente empresas de energia, que atuarão para maximizar valor. E o principal Valor que temos hoje é a recuperação da nossa atmosfera. Só precisamos agora colocar o Preço certo nisso.