Opinião
17ª Rodada: ANP ignora relatórios técnicos, denúncias e erros catastróficos do passado
Após inúmeras denúncias de irregularidades, ANP mantém uma decisão que coloca em risco toda uma cadeia econômica, ambiental e social, sem realizar o mínimo questionamento
Nos últimos meses, o Instituto Internacional Arayara e o Observatório do Petróleo e Gás, com apoio da COESUS - Coalizão Não Fracking Brasil e do Observatório do Clima, vêm realizando uma série de estudos de campo e denunciando os potenciais impactos gerados pela 17ª Rodada de Licitações, que poderá afetar boa parte da indústria do turismo brasileiro, da pesca, da biodiversidade e do clima.
A decisão da Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP), com o aval dos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, de manter o edital da 17ª rodada, mesmo após os questionamentos apresentados em consulta pública e de diversas ações judiciais por estas instituições, convida investidores a entrarem em um barco furado.
Não foram devidamente realizados estudos conclusivos de análise sobre os impactos da atividade petroleira para se gerar um componente de segurança ambiental no cenário da exploração fóssil dentro destes setores.
Os riscos são extremos e extensos. Criam novos perigos para dezenas de espécies marinhas já em risco de extinção e ameaçam milhões dos empregos daqueles que dependem, para trabalhar, de um oceano limpo e sadio, mas que serão atingidos de morte na sua atividade profissional em caso de se efetivarem vazamentos.
Tudo isto irá assegurar ainda mais a disputa dentro do judiciário e do legislativo federal brasileiro. Lembrando que o Instituto Arayara já deu entrada em duas ações civis públicas nas varas federais em Pernambuco (2ª Vara, Comarca de Recife), referente à Bacia Potiguar, e Santa Catarina (6ª Vara, Comarca de Florianópolis), referente à Bacia de Pelotas.
A litigância legislativa também já está em curso com o projeto de decreto legislativo (PDL), do deputado David Miranda (PSOL), para sustar os efeitos da 17ª Rodada, e o pedido de medida liminar de urgência, do deputado Túlio Gadêlha (PDT), que já está em mãos do ministro do STF, Marco Aurélio. Todos com o suporte técnico do Instituto Arayara.
Fernando de Noronha, litoral sul e águas internacionais
Esta 17ª Rodada da ANP ameaça, inclusive, a integridade ambiental do Parque Nacional de
Fernando de Noronha e da Reserva Biológica do Atol das Rocas, a primeira reserva marinha do Brasil. Ambos estão localizados na bacia sedimentar Potiguar, onde a ANP quer leiloar vários blocos.
Além disso, estudos iniciais indicam que, em caso de desastre na Bacia de Pelotas (localizada na costa sul do Brasil, onde também há blocos a serem leiloados), o petróleo vazado no mar pode atingir até a costa do Uruguai.
A Arayara e o Observatório do Petróleo e Gás, juntamente com outras organizações, preparam um pacote de ações internacionais de ampla divulgação junto a investidores, bolsas de valores, o legislativo do parlamento europeu e outros parlamentos, apresentando a 17ª rodada como um grande risco - inclusive na exploração além das 200 milhas brasileiras, haja visto a ausência de parâmetros legais consistentes e seguros que permitam essa operação.
É inaceitável essa atitude, tanto da ANP quanto do Ministério de Minas e Energia e do Meio Ambiente, que apresentaram uma declaração política permissiva e passaram por cima de todos os laudos e relatórios técnicos de análises já realizadas pelo ICMBio, Ibama e pelo próprio Instituto Arayara.
Uma vez que os inúmeros questionamentos não foram ouvidos, somos também obrigados a reforçar o grau de incerteza jurídica para eventuais investidores nestes dois blocos. Já entramos na justiça federal e, agora, acionamos mecanismos de adjudicação internacional, expondo todos os riscos desta rodada. O que está ocorrendo é uma lesão ao patrimônio internacional. Não há componentes que salvaguardem o patrimônio brasileiro e tampouco o patrimônio marinho e sua biodiversidade em águas internacionais.
Aprendendo com o passado
Os riscos ambientais e econômicos, além da insegurança gerada para potenciais investidores, não são nenhuma novidade nos leilões da ANP. Basta lembrar dos blocos da foz do Rio Amazonas leiloados em 2013, na 11ª Rodada.
Após terem sido arrematados pela companhia francesa Total e a britânica BP, nunca receberam licença ambiental justamente por estarem localizados em uma das áreas mais sensíveis da região e de extrema riqueza ambiental. Desde então, o Ibama rejeitou quatro vezes o pedido da Total para iniciar a perfuração na região, que até hoje não aconteceu.
Os motivos que levaram o Ibama a negar estes pedidos incluíam justamente a falta de documentação técnica quanto à segurança das operações e riscos de acidentes. Impactos como ameaça a animais marinhos, risco de contaminação de um dos maiores manguezais do mundo e a devastação dos corais da Amazônia foram alguns dos riscos mencionados.
Já em 2019, as consequências de um possível vazamento de petróleo viraram realidade. Um vazamento catastrófico atingiu a costa brasileira, em especial o Nordeste, no dia 30 de agosto - há quase dois anos. Os milhões de trabalhadores da cadeia produtiva do turismo, pescadores, caiçaras e muitos outros ainda sofrem com as consequências daquele desastre.
Dessa vez os impactos podem ser ainda maiores e, mesmo com denúncias públicas, relatórios técnicos embasados, ações judiciais e litigância, a ANP e o Governo Federal insistem em repetir - e piorar - os mesmos erros. Aos dirigentes e acionistas das empresas que pensam no potencial investimento, ninguém poderá, mais tarde, dizer que não foi previamente avisado dos perigos relativos à realização da 17ª Rodada.
Juliano Bueno de Araújo é diretor técnico do Observatório do Petróleo e Gás e do Instituto Internacional Arayara. É engenheiro e possui doutorado em Riscos e Emergências Ambientais.