Opinião

Abertura do refino brasileiro no contexto de transição energética

O mundo passa por uma transformação decorrente dos desafios impostos pela agenda climática e a necessidade de descarbonização da economia. É necessário, portanto, que o Brasil mantenha o aproveitamento de recursos renováveis e o elevado grau de renovabilidade de sua matriz

Por Valéria Amoroso Lima

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Recentemente, a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla inglês) na divulgação de seu cenário mais auspicioso, o Net Zero by 2050, reforça dois aspectos. O primeiro é que a transição não se dará da mesma maneira para todos os países. Existem nações que estão mais ou menos avançadas nesse contexto. Mas, ainda assim, é imprescindível o engajamento de todos os países para alcançarmos as metas estabelecidas no Acordo de Paris. O segundo ponto refere-se à necessidade de que esta transição seja inclusiva e justa para todos.

O Brasil encontra-se muito próximo do perfil energético almejado para a matriz global na próxima década. O cenário de transição energética mais agressivo da IEA prevê que as fontes renováveis respondam por 30% da matriz mundial em 2030. Atualmente, o Brasil possui 48% de sua matriz energética abastecida por renováveis, ante uma média global na casa dos 14%.

Uma matriz energética mais limpa, contudo, não significa que o Brasil não tenha dever de casa a fazer. Vale lembrar que no setor de transportes 97% da redução de emissões necessária para atingir as metas climáticas virá da substituição de derivados de petróleo por eletricidade, hidrogênio, amônia, bioenergia e combustíveis sintéticos. E mais de 50% desta necessária redução será proveniente de tecnologias ainda fase de desenvolvimento. É fundamental, portanto, assegurar que as soluções adotadas para transição levem em consideração as potencialidades do mercado nacional e contemplem opções custo-eficiente para a sociedade como um todo.

Neste contexto, a abertura do mercado de refino brasileiro se apresenta como uma oportunidade para preparar o mercado nacional para os desafios da transição energética. Já é uma realidade a introdução gradativa de biomassa renovável como feedstock nas refinarias, indicando, num futuro próximo, a conversão destes ativos em biorefinarias, com consumo apenas de matérias-primas renováveis.

Apesar da abertura do mercado em 1997, o refino no Brasil ainda é bastante concentrado – com 98% das refinarias geridas pela Petrobras. Mesmo em mercados com menor número de players como França e Espanha, o market share do principal player no refino não ultrapassa 60%. A diferença é ainda maior em mercados mais desenvolvidos, com maior número de agentes, como Alemanha e Estados Unidos, onde o poder de mercado do principal ator não ultrapassa 20% do total.

Esta concentração tem uma série de implicações, sendo a principal referente à capacidade de investimento. Por mais adequada que seja a otimização do portifólio, são enormes os desafios para que um único agente viabilize sozinho a totalidade dos recursos necessários à expansão do parque de refino, da infraestrutura de transportes e da logística em um país de dimensões continentais como o Brasil. Quanto mais atores participando do mercado, mais variadas são as possibilidades de investimento.

Além da modernização das refinarias, com desenvolvimento de unidades de maior complexidade que convertam resíduos pesados em leves, espera-se o desenvolvimento da infraestrutura logística que propicie uma movimentação mais eficiente de combustíveis no país. Os Estados Unidos, com área apenas 15% maior que a do Brasil, tem 37 vezes mais dutos de transporte e transferência de derivados por km² que o território nacional.

A abertura do refino constitui um vetor para atração de capital privado, reduzindo os custos logísticos e viabilizando uma maior produção de derivados, uma oportunidade para dinamizar o mercado nacional e aproveitar as potencialidades brasileiras. O IBP projeta pelo menos R$50 bilhões em investimentos prioritários na próxima década, com expansão da infraestrutura de escoamento e soluções para os gargalos logísticos, e consequentemente uma queda, estimada, de R$1,6 bilhão/ano nos custos de movimentação derivados.

Nesse contexto, o respeito à Paridade de Preços Internacional (PPI) é fundamental para assegurar a competitividade do mercado e garantir a multiplicidade de agentes. Hoje o único concorrente ao produto nacional é o importado e um mercado concorrencial precisa de uma sinalização de preços competitiva do ponto de vista econômico. Do não cumprimento desta condição derivam as restrições de oferta.

Assim como na transição energética, as repostas do mercado de refino variam com o contexto de cada região. Enquanto refinadores na Europa e Estados Unidos tem experimentado margens mais reduzidas em virtude de demanda cada vez menor, China e Índia tem atraído atenção do mundo, com crescimento robusto. O Brasil é o 9º maior mercado consumidor do mundo e o 2º maior produtor de biocombustíveis. A EPE estima que em 2030 mais de 95% da frota nacional seja movida por veículos a combustão interna e reforça a importância dos biocombustíveis, sobretudo nos mercados em que o processo de eletrificação enfrenta maiores desafios. Apesar da importância das baterias no setor transporte, estas terão que disputar mercado, no curto prazo, com os combustíveis e biocombustíveis.

Nesse contexto, o desafio de descarbonização da matriz nacional é distinto de mercados consumidores como Índia ou China, onde serão necessários esforços expressivos para redução do consumo de energia fóssil. Precisamos manter o aproveitamento de recursos renováveis e o elevado grau de renovabilidade da matriz, garantindo investimentos que viabilizem inovações para gerar maior densidade energética e produtividade com os combustíveis fósseis.

Uma economia de baixo carbono dependerá de uma matriz energética baseada na segurança do fornecimento e na diversidade de fontes, aspectos nos quais a indústria de O&G terá contribuição relevante e decisiva. Os recursos e as competências do setor são cruciais para viabilizar a maturação e a adoção de inovações em energias limpas, principalmente as que são capital-intensivas.

Nesse escopo, a ampliação de tecnologias e a redução de seus respectivos custos dependerão, em larga escala, de recursos de engenharia e de gerenciamento de projetos inerentes ao setor de O&G. No caso específico do refino brasileiro, é fundamental que a janela de investimentos propiciada pela abertura do mercado seja usada como uma oportunidade para preparar o setor para os desafios das próximas décadas. Tanto por meio da redução de gargalos logísticos e de infraestrutura, quanto pela construção de um mercado efetivamente competitivo, que viabilizará a modernização do parque de refino e uma maior inserção de bioenergéticos.

Valéria Lima é diretora de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP).

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