Opinião
Investimento no refino brasileiro: imperativo perante as restrições ambientais
O Brasil deve investir na expansão e na complexidade de suas refinarias, reduzindo a dependência na importação de derivados e garantindo a segurança energética
A importância de novos investimentos na área de refino no Brasil não pode se limitar à política de preços dos derivados. É preciso considerar uma possível ampliação da importação de derivados médios e os limites físicos da atual estrutura de refino. O Brasil deve investir na expansão e na complexidade de suas refinarias, reduzindo a dependência na importação de derivados e garantindo a segurança energética. Caso contrário, poderá se deparar com instabilidade no abastecimento interno, o que afetará diretamente a população e os setores produtivos, principalmente o agronegócio.
O Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) introduziu, em 2008, novas restrições ambientais aos derivados líquidos, entre as quais a limitação do enxofre total do óleo diesel. E, para o atendimento dessa demanda regulatória, legítima, seria necessário um investimento no parque de refino nacional, em especial, em unidades de tratamento para remoção de enxofre, o que ampliaria a produção de diesel S-10.
A Petrobras investiu, entre 2008 e 2013, cerca de R$ 20 bilhões por ano no refino, principalmente na construção de unidades de conversão de frações pesadas, o que aumentou a disponibilidade de derivados médios (diesel e querosene de aviação) e a remoção de contaminantes. Essa primeira rodada de investimentos fez frente às necessidades iniciais e atendeu a demanda por S-10 à época.
A produção de diesel S-500 (de uso geral) é feita com a mistura de frações de petróleo e com diesel de baixo teor de enxofre (S-10). Já a produção de diesel S-10 (obrigatório em regiões metropolitanas) é feita com óleo diesel que passa pelo processo de remoção de enxofre com quase nenhuma adição de outras frações de petróleo.
Entre 2014 e 2022, sobretudo no período de vigência da política de Preços de Paridade de Importação (PPI), os investimentos foram paralisados. O resultado foi o aumento da importação total de óleo diesel e querosene de aviação (QAV), que foi interrompida apenas durante a pandemia. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) projeta que a importação desses derivados chegará a 37% da demanda anual em 2031. Parece certo que algo precisará ser feito.
A resolução do Conama também forçou uma mudança estrutural na frota brasileira de veículos a diesel. Desde 2012, os novos ônibus e caminhões são equipados com motores adequados para utilizar S-10. Ou seja, o sucateamento natural da frota e a impossibilidade de utilização de S-500 nos novos motores pressionam a demanda por diesel S-10. Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), cerca de 42% dos veículos a diesel já estavam, até 2020, adequados aos novos padrões de motores, e espera-se que, até o ano de 2050, quase a totalidade da frota estará ajustada.
A demanda de S-10 já ultrapassou a do diesel S-500, porém, a estrutura física do parque de refino nacional não está se adequando ao horizonte previsto. Segundo dados da ANP, a capacidade total instalada de unidades de remoção de enxofre no diesel é de 141,9 mil m³/dia, valor abaixo da demanda projetada de S-10 para 2032 que é de 154,4 mil m³/dia.
Contudo, o problema é ainda mais abrangente, pois na atual estrutura física do refino, a remoção de enxofre já compete com a produção de outros derivados, como o QAV e óleo combustível marítimo. Há, ainda, a expectativa de um possível calendário para a descontinuidade do S-500 no território nacional, o que, em termos ambientais, é positivo. No entanto, caso não ocorra a ampliação da estrutura física, o déficit de óleo diesel S-10 poderá alcançar 52,4 mil m³/dia, que representará cerca de 30% de toda importação de óleo diesel projetado para 2032.
Assim, parece evidente que esse aumento de demanda por S-10, dada as restrições ambientais impostas no Brasil e no exterior, colocará o parque atual de refino sob enorme pressão. Outro efeito adverso do não investimento será o impacto sobre os preços desses derivados. É notório o atraso do Brasil nessa agenda.
É preciso se antecipar aos desafios futuros, investindo hoje na infraestrutura necessária e cumprindo as metas e regulamentações ambientais de redução de emissões, tal como as definidas pelo Conama. Não podemos mais ser surpreendidos e forçados a depender de importações caras em cenário global cada vez mais instável. A decisão correta é investir em uma transição tecnológica no setor de refino, preparando o país para um futuro sustentável e autossuficiente. As decisões tomadas hoje serão essenciais para garantir nosso progresso ambiental e econômico.
Luiz Fernando Ferreira é engenheiro mecânico pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep).