Opinião
Mudanças propostas pelo governo para PPSA impactarão toda a indústria de óleo e gás
"A nova política a ser implementada pelo governo será viável no longo prazo?", indaga Nathália Pereira Dias, pesquisadora do Ineep, em artigo
Há um debate em curso no âmbito público federal sobre o futuro da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) e a possível ampliação de seu papel original, que, atualmente, consiste em maximizar os retornos econômicos nos contratos de partilha para a União com a comercialização de óleo, gás natural e outros hidrocarbonetos. Essa mudança implica que a estatal deixe de atuar apenas no E&P e ingresse em outros segmentos como o de refino, gás natural e fertilizantes. A demanda do CNPE para que a PPSA realize estudos de viabilidade técnica e econômica sobre o abastecimento nacional de derivados e a retirada da PPSA do Programa de Parceria de Investimentos (PPI) pelo presidente Lula, no último dia 06 de abril, são dois sinais evidentes desses movimentos.
A estratégia do governo junto a alguns atores do setor de óleo e gás, como o CNPE e o MME, tem sido defender seu novo programa “Gás para Empregar”, que pretende viabilizar o poder de permuta de óleo da União por gás natural, além de destinar uma parte desse mesmo óleo para o abastecimento do mercado doméstico de derivados como alternativa para expansão do refino, utilizando a PPSA como veículo. Ainda não se sabe como, de fato, vão ocorrer essas movimentações.
A PPSA foi criada em 2013 para que o país se apropriasse das riquezas do pré-sal. Vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), desde então, a estatal assumiu a responsabilidade de atuar em três segmentos principais: (i) gestão dos contratos de partilha da produção, que já alcançaram a marca de 18 contratos no Polígono do Pré-sal, exceto o contrato do campo Peroba, que será devolvido à ANP ainda este ano; (ii) representação da União nos acordos de individualização da produção (Unitização) de áreas não contratadas; e, por fim, (iii) na gestão da comercialização de petróleo e gás natural com o objetivo de comercializar, até 2032, 1,9 bilhão de barris de petróleo para a União.
O compromisso em reduzir o custo óleo e aumentar a parcela da união através da gestão dos contratos de partilha de produção no pré-sal é o que rege a companhia. Entretanto, a maximização da oferta de gás natural a preços competitivos tem sido utilizada como input para a mudança no papel da PPSA. Segundo Medida Provisória enviada pelo MME à Casa Civil, “a ideia é criar um formato para troca (swap) do óleo da União por volumes adicionais de gás natural disponíveis para comercialização por meio Pré-Sal Petróleo SA (PPSA)”. Ademais, a PPSA tem até setembro de 2023 para apresentar uma proposta de atuação.
A negociação, que está alinhada às novas perspectivas do CNPE, pretende, primeiro, aumentar a quantidade de gás natural apto para comercialização, potencializando o mercado industrial no país – mais precisamente as indústrias química e de fertilizantes; segundo, gerar fundos para aumentar a infraestrutura de escoamento e; por fim, reduzir a reinjeção de gás natural nos campos. Ainda que não esteja claro como esse novo volume de gás adquirido no modelo swap pela União junto aos seus produtores será comercializado e a que preço, o governo continua insistindo nessa estratégia como uma maneira de sustentar novas políticas de desenvolvimento. Há a necessidade, portanto, de se definir qual a regulação que irá conduzir esse processo de troca, uma vez que ela precisa ser economicamente viável e competitiva.
A ideia foi reforçada pelo secretário de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do MME, Pietro Mendes, que divulgou estimativas de que a parcela de gás natural da União deve alcançar cerca de 3,2 milhões de m³/dia de gás natural em 2029, ante os 200 mil m³/dia atuais. A expectativa de crescimento ainda parece ser insuficiente diante dos projetos do governo para o Brasil no fortalecimento das indústrias de fertilizantes e química, uma vez que só a de fertilizantes demanda, pelo menos, 2 milhões de m³/dia. Se o volume de gás para abastecer essas indústrias é pouco, há um grande indício de que a produção de óleo também pode ser afetada, uma vez que uma menor disponibilidade de gás para injetar nos reservatórios pode reduzir, consequentemente, a produtividade dos campos, afetando o volume de óleo recuperado.
As alternativas identificadas ainda estão sob fase de estudo de viabilidade técnica e econômica. Porém, é importante destacar que a alteração no escopo de atuação da estatal proposta pelo governo brasileiro é de grande impacto estrutural e deve ser considerada cuidadosamente.
A pergunta que fica é: a nova política a ser implementada pelo governo será viável no longo prazo? O que se observa é que a nova política pode auxiliar o país a impulsionar o mercado de gás e garantir o abastecimento nacional, mas poderá ter consequências irreparáveis no longo prazo, como a redução da produtividade de petróleo e a redução da rentabilidade e da capacidade de financiamento da PPSA. Será que esses são, de fato, os efeitos esperados?
Nathália Pereira Dias é pesquisadora em Exploração e Produção de Petróleo e Energias Renováveis no Ineep, mestre em Engenharia da Nanotecnologia pela COPPE/UFRJ e pós-graduanda latu senso em Energias na COPPE/UFRJ.