Opinião

Perspectivas para o mercado de GNL pós-pandemia

Contexto internacional pode favorecer países importadores como o Brasil, impulsionando projetos de terminais de regaseificação

Por Yanna Clara Prade

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O impacto da crise sanitária do Covid-19 vem sendo sentido em todo o mercado de energia. A redução da demanda mundial de energia no primeiro trimestre de 2020 foi de 3,8% em relação ao mesmo período em 2019, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (AIE). A expectativa é que o impacto possa chegar a uma redução de 6% em termos anuais, uma queda sete vezes maior em comparação com os efeitos da crise financeira de 2008.

Uma das reduções mais drásticas está no segmento de transporte, devido às restrições de movimentação terrestre e aérea. Além do choque de demanda, o mercado de petróleo ainda tem de lidar com os impactos da guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia. O desbalanceamento do mercado de petróleo se tornou tão grave que contratos futuros de WTI – o benchmark do mercado norte-americano – chegaram a ser negociados a preços negativos, sinalizando o excesso de oferta e a saturação da infraestrutura de armazenamento de estoques de petróleo.

O mercado de gás e GNL, apesar de associado com algumas condições do mercado de petróleo, tem sido impactado de maneira distinta. Primeiro, o impacto na demanda não se mostrou ainda tão dramático como no caso do petróleo e combustíveis, dado que as economias que utilizam muito gás (como os EUA) ainda não apresentaram diminuição significativa do consumo. Segundo, aproximadamente 50% da comercialização mundial de gás e GNL é feita em ambientes competitivos. Por exemplo, o Henry Hub – preço mais utilizado dos EUA e que é indexador de diversos contratos de longo prazo de GNL – não segue as flutuações dos preços de petróleo, inclusive porque 80% da produção de gás do país é não-associada.

Até início de 2020, o mercado internacional de GNL seguia uma trajetória de forte crescimento da oferta com relevante e crescente participação dos EUA, que, nos últimos quatro anos, construiu 48 MTPA de capacidade de liquefação (adicionando 12% à capacidade mundial). No entanto, a demanda não acompanhou o forte crescimento da capacidade de liquefação, devido às condições de crescimento econômico fracas e a dois invernos menos rigorosos no Hemisfério Norte.

Assim, o mercado internacional de GNL já apresentava certo desbalanceamento entre a oferta e a demanda e preços bastante baixos. Por exemplo, o JKM, preço do mercado spot da Ásia, apresentou patamares de preço abaixo de US$ 5 /MMBtu em 2019,  queda de mais de 50% em relação ao ano anterior. Os preços spot tão baixos em 2019 abriram um gap relevante ante os preços dos contratos de longo prazo indexados ao petróleo, de aproximadamente US$ 5/MMBtu.

A expectativa dos especialistas no contexto pré-Covid era  que esse desequilíbrio do mercado se resolveria gradualmente nos próximos anos, conforme a demanda crescesse, principalmente nos países asiáticos. Com a entrada em operação da segunda onda de projetos de liquefação, que receberam FID entre 2018 e 2019, o mercado poderia experimentar mais algum período de sobreoferta, mas que não se manteria indefinidamente devido ao forte crescimento da demanda. Havia,inclusive, previsão de novas FIDs em 2020, em expansões e novos terminais de liquefação, para suprir o aumento esperado da demanda.

O novo contexto gerado pela crise sanitária do Covid-19 aprofunda ainda mais o desequilíbrio no mercado de GNL. Os preços de gás e GNL nos mercados internacionais tiveram uma redução expressiva nas últimas semanas. Na Ásia, o JKM alcançou recorde de baixa com cargas sendo negociadas a US$ 1,9 /MMBtu; os preços europeus estão em torno de US$ 2 /MMBtu; e, nos Estados Unidos, o gás no Henry Hub tem sido negociado em valores em torno de US$ 1,8 /MMBtu.

Até então os desequilíbrios se resolviam com o redirecionamento de cargas para os estoques da Europa, mas, devido aos últimos invernos pouco rigorosos, eles já estão mais cheios que o histórico, e, quando chegarem ao limite da capacidade – o que deve acontecer em agosto – serão necessários cortes na produção do combustível.

No médio prazo, a produção de GNL deverá afetada por atrasos nos projetos em construção, devido à paralisação de obras para respeitar as orientações de isolamento social, além da dificuldade de mobilização de recursos humanos internacionais. Impactos no longo prazo poderão se dar em função do cancelamento ou adiamentos de decisões de investimento em nova capacidade de liquefação.

Mas também há players que enxergam uma janela de oportunidade. Enquanto investimentos em Moçambique e nos EUA são postergados, o Catar dá sequência ao seu projeto gigantesco de expansão e aproveitando a oportunidade para capturar market-share na década 2020.

É possível afirmar que as condições do mercado de GNL levam a um alongamento do “mercado do comprador”, ampliando o poder de barganha dos importadores, que podem se beneficiar não só das condições de preço favoráveis como de condições contratuais mais flexíveis.

Perspectivas para o Brasil

A expectativa é que a redução da demanda de gás no Brasil siga o mesmo padrão visto em outros países. Além da queda do consumo nos setores industrial, comercial e automotivo, a queda da demanda de energia elétrica deverá diminuir a necessidade de despacho das térmicas a gás natural.

Nesse contexto, ajustes na oferta serão necessários, com cortes de produção e/ou redução das importações. A Petrobras, por exemplo, já anunciou a hibernação de 33 campos, dois quais sete são campos de gás não associados – ativos que produziram 6,7 milhões de metros cúbicos por dia (MMm3/d) em 2019.

A estatal importa GNL com o objetivo principal de suprir a demanda de gás para geração elétrica de maneira flexível e, por isso, busca cargos no mercado spot. No curto prazo, a Petrobras pode aproveitar as condições favoráveis do mercado spot de GNL, arbitrando entre os custos das diferentes fontes de gás de seu portfólio (produção, importações da Bolívia e GNL). Mas, com a redução da demanda de gás em geral e do despacho das termelétricas, é provável que essa oportunidade se reduza, a não ser que a necessidade de corte da produção de petróleo seja bem maior que a de corte da oferta de gás.

No Brasil, por ora, apenas o Terminal da Celse, em  Sergipe e, a partir de janeiro 2021, o Terminal do Porto do Açu (RJ), têm capacidade de importar GNL independente da Petrobras, mas nenhum deles têm acesso à rede interligada de gasodutos. No entanto, há outros projetos de terminais de regaseificação em estudo, que podem ser impulsionados pela atual janela de oportunidades para compradores no curto e médio prazos.

Outros players com projetos mais arrojados que o (já clássico) LNG-to-power também podem aproveitar as condições favoráveis à importação de GNL. Os empreendimentos small-scale, por exemplo – com uma logística de distribuição do GNL a pequenos polos de consumo por caminhão ou cabotagem – podem se tornar uma realidade no curto prazo no país. Já existem projetos em estudo, principalmente para aprovisionamento por via fluvial dos sistemas isolados na Região Norte ou por caminhão para áreas distantes da rede de gasodutos, que podem se tornar ainda mais competitivos com os atuais preços do GNL.

A maior competitividade também vale para os projetos de uso de GNL como combustível para frota de caminhões, com o desenvolvimento de “corredores azuis”.

Tempos de crise trazem um aprendizado no gerenciamento de riscos e perdas, mas também oferecem a oportunidade de rever estratégias e aproveitar possíveis upsides nas adversidades. E o GNL se encaixa perfeitamente nesse contexto.

Sylvie D'Apote é fundadora e sócia-diretora da Prysma E&T Consultores. Economista com mestrado em Tecnologia da Energia pelo Imperial College de Londres, especializada nas áreas de petróleo, gás, carvão e eletricidade

Yanna Clara Prade é sócia da Prysma E&T Consultores, mestre e doutoranda em Economia Industrial do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, especializada nos mercados de energia, com foco no gás natural e GNL

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