Opinião
Vida longa aos campos maduros
Para especialista da KPMG, ações do governo mudam panorama de ativos com produção em declínio no país
A produção de óleo e gás no Brasil vive hoje dois momentos bem distintos. Por um lado, o Polígono do Pré-sal, a “menina dos olhos” das grandes operadoras, produz, em média, cerca de 25 mil boe/poço. Por outro, temos os campos maduros em terra e pós-sal, onde a maioria está com mais de vinte anos de operação e produção em declínio acentuado. De acordo com a ANP, a produção do pós-sal offshore nos últimos cinco anos e a produção terrestre, no período de 2010 a 2017, caíram 30%.
Se considerarmos que tanto os grandes campos do pré-sal como uma grande parte dos campos maduros pertencem às mesmas empresas e, ainda, se pensarmos no retorno de futuros investimentos nesses ativos, pode-se inferir que o apetite dessas companhias nos campos maduros deve ser pequeno, principalmente, em um ambiente de capital escasso e óleo barato.
Contudo, os ativos maduros no Brasil possuem potencial de alavancagem do fator de recuperação (FR), dado que a média brasileira é bem menor que a mundial, de 35%. Na Bacia de Campos, por exemplo, fica em torno de 24%. Guardadas as devidas considerações sobre as condições de exploração de cada ativo, há muito o que se melhorar em termos de recuperação dos campos brasileiros em operação, e algumas empresas olham veem esse tema de perto como uma grande oportunidade de ampliar as receitas nesses ativos.
Mas o que isso significa financeiramente? De acordo com a ANP, tomando-se a Bacia de Campos como exemplo, 1% de aumento no FR significa US$ 8 bilhões em investimentos e US$ 5 bilhões em royalties. Ou seja, aumentar a produção dos campos maduros ainda é atraente para o governo, e a ANP tem mantido contato com as grandes operadoras sobre o interesse delas em manter investimentos nesses ativos. A aparente estratégia do governo é que essas áreas sejam operadas por empresas focadas no aumento do FR, na extensão da vida útil dos ativos e nos custos menores de produção, fomentando, com isso, a participação de operadores que estejam dispostos a aplicar os recursos necessários para maximizar a recuperação dos volumes existentes.
Dito isso, o governo vem apresentando uma série de iniciativas visando estimular as cessões de direitos de campos já em produção. A prorrogação da fase de produção, estendendo a vida útil dos ativos, é uma delas, pois pode dar fôlego aos novos concessionários e viabilizar novos investimentos. Outra iniciativa importante é a redução da alíquota de royalties sobre a produção incremental (Resolução da ANP 749 de 2018), aumentando a atratividade pela busca de aumento de produção.
Recentemente, a ANP publicou a resolução 785 de 2019, que disciplina o processo de cessão de contratos de exploração e produção de petróleo e gás natural, a constituição de garantias sobre direitos emergentes desses contratos e a alteração do controle societário de concessionárias ou contratadas, entre outras providências. A novidade é a possibilidade de usar as reservas existentes no campo como garantia de financiamento. Trata-se do Reserve Based Lending (RBL), uma opção já conhecida no mercado internacional e não permitida no Brasil até então.
O fato é que todas essas ações do governo proporcionaram uma mudança no panorama dos campos maduros no país. Em um período menor que um ano, tivemos diversas cessões de contrato concretizadas, em que empresas como a Perenco, Potiguar E&P, Trident Energy, Karoon e 3R Petrolleum adquiriram campos em operação no país. Há companhias estreando como operadoras e outras entrando agora no Brasil, o que significa novos investimentos, mais empregos e uma movimentação considerável na cadeia de fornecedores.
Nesse caso, trata-se da regulação além do compliance. É o governo utilizando a legislação para fomentar as políticas de desenvolvimento do mercado de óleo e gás bem como a regulação para trazer segurança ao agente econômico. O que foi apresentado aqui é o resultado de iniciativas que deram certo e estão de fato alterando de maneira positiva o perfil dos campos maduros no país.
Estar familiarizado com o arcabouço regulatório existente e com a agenda regulatória do governo para antecipar os impactos e incluir isso nas estratégias corporativas decerto trará benefícios às empresas, seja pela oportunidade de novos negócios, seja pela definição de estratégias para diminuir os impactos nas operações realizadas no país.
Antonio Souza é sócio-diretor da KPMG e líder de Regulação em Óleo e Gás.