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O front avançado do biometano no Sul-Sudeste do País
Em São Paulo, Presidente Prudente já é abastecida com biometano puro. Neste ano, Londrina, no Paraná, segue na mesma linha. Santa Catarina opta por sistemas isolados.
Com as mesmas propriedades do gás natural, o biometano vem sendo considerado um dos principais recursos para que o Brasil cumpra os compromissos de reduzir as suas emissões. Tendo como origem dejetos da pecuária, resíduos da agricultura ou o material orgânico dos lixões, o biometano terá como uma de suas principais aplicações a mistura ao gás natural em redes de distribuição de gás canalizado, deslocando uma fonte fóssil importante e contribuindo para a transição energética dos clientes dessas distribuidoras.
Em pelo menos duas distribuidoras de gás canalizado, essa substituição deverá ser levada a níveis mais extremos. Enquanto em boa parte das companhias a ideia é misturar o biometano ao gás natural, a Necta, que atende ao Noroeste paulista, e a Compagas, no mercado paranaense, se preparam para fornecer exclusivamente o biometano a algumas cidades.
A Necta iniciou o ano mantendo entendimentos com a Prefeitura de Presidente Prudente para fornecer exclusivamente o biometano para o município. A Compagas, por sua vez, anunciou um plano de expansão por meio do qual pretende fornecer o biometano para o município de Londrina.
Nos dois casos, a expectativa é que o gás renovável seja oferecido a clientes industriais, comerciais e residenciais, além da rede de postos de gás veicular.
Para Renata Isfer (foto), presidente-executiva da associação setorial Abiogas, as duas empresas competem pelo pioneirismo de distribuir exclusivamente o biometano. Segundo ela, os benefícios, nesses casos, são multiplicados. O aproveitamento do biometano tem como um de seus principais benefícios evitar a emissão de metano, um gás que tem efeitos mais nocivos que o CO2, no campo e nos lixões. Além disso, ao substituir o gás natural, o biometano também contribui para a descarbonização na ponta do consumo.
No caso dos consumidores residenciais, o biometano poderá contribuir para a substituição do GLP nas cozinhas das residências. Ou para evitar que as famílias que enfrentam dificuldades financeiras para arcar com os custos de GLP recorram à lenha para a cocção de alimentos, com reconhecidos efeitos ambientais negativos, além de afetar a saúde das pessoas pela emissão de gases nocivos.
Yuri Schmitke, presidente executivo da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), considera que a inclusão do biometano na matriz energética brasileira é uma estratégia crucial para o cumprimento das metas do Acordo de Paris, reduzir a dependência de combustíveis fósseis e melhorar a qualidade do ar. De acordo com dados da associação, as emissões de metano atingem, no Brasil, a marca de 539 milhões de toneladas de CO2eq por ano – uma média de 2,5 toneladas/habitante.
O Brasil, portanto, apresenta um nível de emissões de metano superior ao da Europa, onde as emissões per capita atingem uma média de 0,9 toneladas/ano. No Brasil, as emissões de metano na atmosfera têm origem principalmente na agricultura e na pecuária.
O CEO da Compagas, Rafael Lamastra Jr. (foto), destaca que a estratégia da empresa é, com a ajuda do biometano, desenvolver um mercado sustentável e eficiente. Para isso, a companhia tem como meta atingir um volume de fornecimento de 100 mil m³/dia de biometano até 2026.
Noroeste Paulista
O município de Presidente Prudente (SP) está se transformando em um front avançado da utilização do biometano. Desde 2023, consumidores industriais vêm recebendo biometano produzido pela Usina Cocal e distribuído pela Necta, a concessionária que atende o mercado de gás canalizado do Noroeste paulista. Conforme anunciaram as duas empresas, o sistema de distribuição isolado é alimentado exclusivamente pelo biometano, um diferencial em relação aos modelos de comercialização adotados por outras distribuidoras de gás canalizado.
A planta da Cocal, com capacidade de até 25 mil m3/dia, produz o biometano a partir do processamento de resíduos da cana-de-açúcar, como vinhaça, palha e torta de filtro (Foto: Divulgação)
A Necta, em parceria com a Cocal, colocou em operação, no início de 2023, um gasoduto exclusivo para o transporte do biometano, com 65 quilômetros de extensão, interligando a usina, em Narandiba, a consumidores industriais de Presidente Prudente.
Dos R$ 180 milhões investidos em todo o empreendimento, R$ 30 milhões foram aplicados pela Necta na rede de distribuição e R$ 150 milhões foram desembolsados pela Cocal na planta de biogás.
A Cocal produz o biometano a partir do processamento de resíduos da cana-de-açúcar, como vinhaça, palha e torta de filtro. Todo o sistema tem capacidade de produção e transporte de até 25 mil m3/dia.
No início deste ano, a Prefeitura de Presidente Prudente informou que recebeu da Necta um plano para a expansão da rede em mais 40 km, suficientes para atender a 5 mil residências, 50 estabelecimentos comerciais e oito plantas industriais.
Os investimentos na expansão foram calculados em R$ 14 milhões e o cumprimento pleno do projeto vão até 2030.
Norte do Paraná
Por sua vez, a Compagas anunciou, no ano passado, um plano de expansão que absorverá investimentos da ordem de R$ 500 milhões até 2029, levando o gás, inclusive, aos municípios de Londrina e Maringá. A expectativa da distribuidora é fornecer exclusivamente biometano para clientes industriais, comerciais, residenciais e veicular destes municípios.
A expansão da rede para atender os dois municípios deverá demandar investimentos de R$ 100 milhões. Em Londrina, serão construídos 60 km de rede e em Maringá, 8 km.
Com o projeto de fornecer exclusivamente o biometano para as cidades do norte do Paraná, a Compagas busca aproveitar a vocação do estado para produzir o combustível verde. Até meados de 2024, o Paraná dispunha de 426 plantas de produção de biogás e biometano, correspondendo a 67% das unidades de toda a região Sul. A matéria prima são dejetos de animais e resíduos agrícolas, segundo levantamento realizado pelo Cibiogás.
Além de atender alguns municípios exclusivamente com o biometano, a Compagas já planeja misturá-lo ao gás natural, a uma proporção de 15% em toda sua área de atuação, ainda neste ano.
Para isso, a concessionária conta com o primeiro suprimento de 20 mil m3/dia de biometano da H2A, a partir de meados do ano. O biogás será produzido com dejetos suínos e bovinos.
Planta de biodigestão da H2A Ambiental, empresa que vai fornecer 20 mil m3/dia de biometano para a Compagás (Foto: Divulgação H2A)
Para dar suporte à futura demanda, a Compagas já realizou duas chamadas públicas, tendo a primeira chamada, realizada em 2023, resultado em propostas de cerca de 380 mil m3/dia de gás renovável. A segunda chamada pública foi realizada em março de 2024, tendo como saldo 14 propostas no total de cerca de 320 mil m³/dia.
Santa Catarina
A SCGás, que atende o mercado catarinense, ainda não distribui o biometano. Mas considera o combustível um indutor em potencial para viabilizar o atendimento de regiões mais afastadas do estado. Ao contrário das congeneres do Paraná e São Paulo, a concessionária catarinense pretende desenvolver sistemas isolados, ao invés de estender as redes de gasodutos para essas regiões mais distantes, com elevados investimentos e longos períodos de maturação dos projetos.
Há um grande potencial de produção do biometano no interior do estado. Estudos do CIBiogás e da UFSC indicam um potencial diário de mais de 3 milhões de m3 de biometano em Santa Catarina e capacidade viável de produção de 160 mil m3/dia. Esse potencial está concentrado, em grande parte, no Oeste do estado.
Junto ao aterro industrial, a Cetric (Central de Tratamento de Resíduos Sólidos Industriais), em Chapecó, possui planta de geração de biogás para energia elétrica e de biometano para uso veicular em frota própria (Foto: Divulgação/Cetric)
O planejamento da companhia inclui projetos de biometano na região litorânea, no sul e no oeste do estado orientado para a indústria, transporte, comércio e residências. Antônio Rogério Machado Jr., engenheiro da Gerência Comercial Industrial e Veicular, disse que a SCGás ainda não firmou contratos para a compra de biometano porque as ofertas recebidas nas chamadas públicas realizadas apresentaram valores superiores ao do gás natural.