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Ondas, marés e correntes marítimas têm potencial de 17 GW

Especialistas destacam o potencial para a produção de energia a partir do movimento das ondas, marés e correntes marítimas, que, contudo, ainda não é viável economicamente

Por Eugênio Melloni

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Protótipo de usina instalada no Porto de Pecém, experiência mais destacada com a energia de ondas já realizada no país (Foto: Divulgação)

Especialistas tentam mostrar que há mais que poesia no vaivém das ondas e no sobe e desce das marés. De acordo com estimativas, existe um potencial teórico de geração de cerca de 120 GW no litoral brasileiro, considerando tecnologias que aproveitam o movimento das ondas, das marés e das correntes marítimas para produzir energia. O custo de geração dessas alternativas, contudo, ainda não é competitivo, fato que, associado a obstáculos como dificuldades logísticas e impacto ambiental, contribui para que essas tecnologias ainda permaneçam restritas a pesquisas e estudos no país.

Professor emérito da Coppe/UFRJ e diretor-geral do recém-criado Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), Segen Estefen (foto) lembra que as tecnologias de geração de energia utilizando a água dos oceanos consistem em fontes renováveis abundantes no Brasil. “Nós entendemos que o Brasil, por ter uma costa muito extensa e uma zona econômica exclusiva muito grande, poderá se beneficiar muito dessas energias”, diz Estefen. Considerando-se somente o aproveitamento de ondas em áreas mais próximas da costa, nas quais não há outras formas de uso, ele estima que exista um potencial de geração de 17 GW no Brasil.

Estefen foi um dos coordenadores da experiência mais destacada com a energia de ondas já realizada no país, envolvendo a instalação de um protótipo no Porto de Pecém, no Ceará, na década passada. A experiência, lembra o professor, tinha prazo, pois já eram previstas modificações no porto que inviabilizariam o funcionamento do protótipo. Embora com duração limitada, a iniciativa serviu para ampliar os conhecimentos nessa frente.

A Coppe tenta viabilizar, agora, testes com um novo protótipo a ser instalado na Ilha Rasa, situada a 6 quilômetros de Copacabana, no Rio de Janeiro (RJ), na qual existe uma guarnição da Marinha. Financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPerj), a pesquisa já teve parte de seu planejamento cumprido, com a obtenção de dados locais sobre as ondas e a realização de testes no Laboratório de Tecnologia (Lab Oceano), da Coppe/UFRJ.  Os testes, segundo Estefen, confirmaram as expectativas. A sequência da pesquisa depende, segundo ele, de financiamento.

Testes no Lab Oceano, da Coppe/UFRJ, confirmaram expectativas da pesquisa sobre geração de energia das ondas no Brasil (Foto: Divulgação)

A Margem Equatorial, região em que a Petrobras pretende abrir a nova fronteira da exploração de petróleo e gás natural no país, é justamente a área em que há um potencial maior para a produção de energia a partir das ondas e das marés. “Essa área, que vai do Rio Grande do Norte até o Amazonas, está sob a influência dos ventos alísios, que contribuem para a formação de ondas maiores. Lá também há uma maior amplitude entre as marés, favorecendo a geração de energia”, explica o oceanógrafo Carlos Teixeira (foto), professor associado do Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Mas, assim como a Petrobras vem enfrentando dificuldades para o licenciamento ambiental de seus projetos na região, os futuros projetos deverão enfrentar os mesmos desafios. “A Margem Equatorial conta com uma grande riqueza em vida marinha, o que exigirá muitos estudos para a viabilização dos projetos”, explica Teixeira.

Fonte na fase de P&D em todo o mundo

O aproveitamento da energia das ondas e das marés encontra-se, no mundo, em fase de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D). Países como Portugal, China, Suécia e Reino Unido testam vários protótipos, mas as experiências ainda não chegaram a modelos de geradores viáveis comercialmente. A expectativa, contudo, é que as tecnologias atinjam o ponto de viabilidade econômica com um aprimoramento natural possibilitado pelas pesquisas.

“A expectativa é que a viabilidade dessas fontes será obtida conforme se for criando escala para a produção de energia das ondas e das marés. Deverá repetir o que ocorreu com a geração eólica e solar, que eram fontes de custo elevado e hoje se espalham pelo mundo”, previu o professor Teixeira.

O professor Segen Estefen, da Coppe/UFRJ e do Inpo, acredita que outro desafio do setor, a transmissão da energia produzida no mar para a costa, deverá ser mais bem resolvida à medida que a geração eólica offshore se expandir. “A geração eólica offshore, que é a tecnologia mais madura de produção de energia nos oceanos, deverá exigir a implantação de uma infraestrutura que certamente beneficiará as outras tecnologias”, disse ele.

Especialistas acrescentam que é grande o interesse das companhias petroleiras em desenvolver pesquisas para a produção de energia no mar. Essa energia, segundo eles, contribuiria para o processo de descarbonização das petroleiras. Conforme noticiou o portal Neofeed no ano passado, a Petrobras, por exemplo, tem interesse em explorar a geração de energia a partir das correntes marinhas na região da Margem Equatorial.

Carlos Teixeira acredita que a geração de energia aproveitando o movimento das ondas, marés e correntes marítimas deverá se desenvolver mais rapidamente em países em que há pouca disponibilidade de terra para a implementação de projetos de geração, como ocorre no norte da Europa. “Aqui ainda temos muito área para a produção de energia, que é mais barata quando produzida no continente”, diz ele

“A energia obtida das ondas se justifica somente em regiões mais afastadas, nas quais não se tem a possibilidade de levar a energia convencional, porque o custo ainda é elevado”, afirma Estefen. Ele calcula que o custo de geração de uma usina que produza eletricidade a partir do movimento das ondas seja de 2 a 3 vezes o observado em usinas eólicas e hidráulicas, por exemplo. “Mas isso tende a mudar, à medida que as pesquisas avancem na obtenção de sistemas mais competitivos, do ponto de vista econômico”, acrescentou.

Startup busca viabilizar gerador inovador

Ao mergulhar no litoral de Ilhabela (SP), em 2018, o físico Mauricio de Queiroz foi arrastado por uma forte corrente marítima. A experiência assustadora foi, contudo, o impulso inicial de reflexões que o levaram a fundar a Tidalwatt, uma startup incubada em Santos (SP). A Tidalwatt tem como seu primeiro grande desafio o desenvolvimento de um gerador de energia que aproveite o movimento das correntes marítimas.

“Este mercado ainda é muito novo. Ainda não há tecnologias disponíveis”, diz Queiroz, CEO da companhia. “Estamos nesse momento ainda em fase de validação da tecnologia”, explica ele.

A tecnologia foi batizada de Unidade Coletora de Energia de Corrente (Ucec) e está sendo patenteada em 46 países. Segundo ele, o projeto envolve uma nova abordagem na forma de aproveitamento das correntes marítimas, baseada em princípios da física. A Ucec não se resume a capturar apenas a energia cinética das partículas da água, que se chocam com as pás da turbina. Aproveita-se, graças a um design diferenciado, todo o fluxo da corrente a montante, que permite captar, de forma contínua, a energia.

Um protótipo da Ucec já foi testado com sucesso, diz Queiroz. A Tidalwatt busca, agora, submeter a tecnologia a testes no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para a validação

Em Pecém, o primeiro protótipo em escala real

Entre 2012 e 2015, a Coppe/UFRJ realizou testes com o primeiro protótipo de gerador de energia ondomotriz, desenvolvido e implantado no Porto de Pecém, no Ceará. O propósito do projeto foi o de monitorar e aperfeiçoar a tecnologia patenteada pela própria universidade. Foi o primeiro protótipo em escala real de geração ondomotriz testado no país.

Parte do PD&I da Aneel, protótipo em Pecém contou com um sistema gerador com dois flutuadores de 10 m de diâmetro, financiado pela Tractebel (atual Engie) (Foto: Divulgação)

A experiência foi possível graças ao financiamento da Tractebel (atualmente Engie), como parte do Programa de Pesquisa & Desenvolvimento da Aneel e apoio do governo do Ceará. Com o financiamento, o sistema gerador, que contava com dois flutuadores de dez metros de diâmetro, foi instalado em um quebra-mar do porto. O movimento dos flutuadores acompanhando as ondas fazia com que os braços mecânicos levassem água em alta pressão para movimentar um sistema de pás, produzindo energia elétrica.

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