Revista Brasil Energia | Ações em Transição Energética

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Transformando passivo ambiental em ativo energético

O uso do biogás para gerar eletricidade ou energia térmica em diversos segmentos econômicos cresce aceleradamente no país. A Brasil Energia reporta nesta matéria alguns projetos de porte, derivados da suinocultura

Por Eugênio Melloni

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Termelétrica de Entre Rios do Oeste, no Paraná, tem capacidade de geração de 3.000 MWh/ano e permitiu a compensação do consumo de energia dos prédios públicos do município.

Focinho de porco não é tomada, como bem lembra o dito popular. Mas cada vez mais a criação de suínos vem se transformando em uma importante fonte de energia renovável e firme – o que é muito importante em tempos de crescente presença de fontes intermitentes –, proporcionando segurança energética e renda extra para os suinocultores. Além dessas virtudes, o aproveitamento dos dejetos da suinocultura para a produção de biogás, que pode ser convertido em eletricidade ou energia térmica, vem permitindo resolver um incômodo passivo ambiental e, de quebra, oferecer um fertilizante natural para as propriedades rurais.

De acordo com levantamento realizado em todo país pelo CIBiogás Energias Renováveis, uma Instituição de Ciência e Tecnologia com Inovação (ICT+i) ligada à Itaipu Binacional que oferece suporte técnico na estruturação de projetos de biogás, existem atualmente 1.365 plantas produtoras desse insumo energético no país, das quais 80% utilizam resíduos da agropecuária como matéria-prima. E entre essas plantas, as que utilizam os resíduos da suinocultura tem participação significativa, estima Daiana Martinez (foto), gerente de Engenharia e Operações do CIBiogás.

Conforme atestam especialistas, o aproveitamento da urina e das fezes dos suínos para a produção de biogás, que pode ser utilizado para gerar eletricidade ou energia térmica, vem transformando um passivo ambiental em um importante ativo para os produtores. Outrora um agente capaz de contaminar o solo e lençóis freáticos e elevar a emissão de metano na atmosfera, os dejetos da suinocultura têm natural aptidão para a produção de biogás justamente pela elevada concentração de metano, o que amplia o seu poder calorifico.

Os dejetos da suinocultura têm natural aptidão para a produção de biogás pela elevada concentração de metano, o que amplia o seu poder calorifico (Foto: CIBiogás)

O biogás consiste em uma fonte renovável, firme e despachável. Com o aproveitamento dos dejetos, os suinocultores vêm gerando energia elétrica de forma a atender parcial ou totalmente às suas demandas e ainda, em muitos casos, gerar excedentes para o sistema elétrico.

Há outras vantagens associadas. O armazenamento do biogás tem um custo muito inferior ao dos sistemas de baterias, por exemplo, permitindo que a energia seja despachada em um momento de maior interesse do produtor rural ou de empresas associadas.

O CIBiogás verificou que a expansão da produção do biogás a partir de resíduos agropecuários está ocorrendo de forma bastante descentralizada, atingindo todo o território brasileiro. Outra característica dessa expansão é que o maior número de plantas de biogás foi implantado em pequenas propriedades rurais.

Essa descentralização oferece ainda um benefício ao sistema elétrico. Uma vez que muitas áreas de produção agropecuária se encontram em regiões de ponta do sistema, onde o fornecimento de energia apresenta grande oscilação, o uso do biogás para produzir eletricidade vem contribuindo para assegurar maior qualidade ao fornecimento.

Outra vantagem importante é que é possível extrair do processo de tratamento dos dejetos dos suínos o digestato, um subproduto rico em nutrientes que pode ser utilizado na fertilização do solo.

Biogasoduto e termelétrica no Paraná

O CIBiogás participou de um projeto ambicioso em Entre Rios do Oeste, município do Oeste do Paraná, envolvendo o suprimento de biogás para uma usina térmica e o transporte por um biogasoduto de pouco mais de 20 quilômetros de extensão. Embora conte com menos de 5 mil habitantes, o município é o quarto maior produtor de suínos do Paraná e o 16.º do país, com um plantel estimado em 155 mil suínos.

Central termelétrica de Entre Rios do Oeste, de 480 kW, recebe biogás de 17 propriedades rurais conectacas por meio de um ramal coletor de 20,6 km (Foto: CIBiogás)

O projeto teve como ponto de partida a chamada de P&D estratégico n° 014/2012 da Aneel, contou com o patrocínio da Copel e a execução pelo CIBiogás e o Parque Tecnológico de Itaipu (PTI). Conforme divulgou a Prefeitura de Entre Rios do Oeste em 2017, quando o projeto começou a ser implementado, os investimentos previstos eram de R$ 17 milhões. Mas, devido a dificuldades enfrentadas, o projeto encontra-se em fase de reformulação, de acordo com o CIBiogás.

Por meio de um ramal coletor de 20,6 quilômetros, foram conectadas 17 propriedades rurais do município que produzem biogás a uma central termelétrica de 480 kW de potência instalada. Contando com dois grupos motogeradores, a central dispõe de uma capacidade de geração de 3.000 MWh por ano. A eletricidade produzida permitiu a compensação do consumo de energia dos prédios públicos do município.

Segundo o CIBiogás, o projeto envolveu o tratamento diário de 215 toneladas de resíduos das criações de suínos, o que permitiu a produção de 4.600 m³/dia de biogás. O gás foi comercializado a R$ 0,28 /m³ sem impostos, proporcionando uma renda extra de até R$ 5.000 para os produtores. Além disso, o tratamento dos dejetos dos suínos permitiu endereçar o passivo ambiental dos criadouros.

Projeto de Entre Rios do Oeste envolveu o tratamento de 215 toneladas/dia de resíduos das criações de suínos, com produção de 4.600 m³/dia de biogás (Foto: CIBiogás)

Para o CIBiogás, o projeto de Entre Rios do Oeste consiste em um modelo de negócios envolvendo o tratamento dos dejetos animais para a produção de biogás e biometano que poderá ser replicado em outras regiões do Paraná, proporcionando ganhos ambientais e econômicos.

Segundo informações da Prefeitura, contudo, o projeto foi interrompido devido a problemas técnicos nas máquinas geradoras. A ideia seria transferir o empreendimento para a iniciativa privada. Embora não esteja mais vinculado ao projeto, o CIBiogás confirma que o empreendimento está passando por uma reconfiguração em sua modelagem de negócio.

2,5 MW de 340 mil suínos no MT

Nos cerca de 40 mil hectares da Fazenda Mano Julio, que se estende por sete municípios de Mato Grosso (Sorriso, Itanhangá, Lucas do Rio Verde, Tangará, Tabaporã, Tapurah e Ipiranga do Norte), a EVA Energia, empresa do Grupo Urca Energia e da GNPW, conta com os dejetos de 340 mil suínos para alimentar centrais geradoras que somam 2,5 MW de potência.

A EVA Energia gera na fazenda cerca de 2 MWh médio por mês, metade abastece 100% da fazenda e a outra metade vai para a Energisa, a concessionária de distribuição que atende o mercado do Mato Grosso. O total da energia injetada na rede pode abastecer cerca de 5 mil residências.

Na Fazenda Mano Julio, que se estende por sete municípios de Mato Grosso, a EVA Energia conta com dejetos de 340 mil suínos para alimentar centrais geradoras de 2,5 MW de potência total (Foto: Divulgação)

De acordo com Bernardo Pater (foto), CEO da EVA, para gerar energia renovável a empresa produz cerca de 17 toneladas de biogás por dia. Com o tratamento dos dejetos e sua destinação para a produção de energia e de biofertilizantes, o empreendimento está contribuindo para a retirada de cerca de 3.600 toneladas de CO2 da atmosfera.

O projeto da Fazenda Mano Julio iniciou-se em 2019 e entrou em operação em 2021. De lá pra cá, ampliou-se a geração de energia, que hoje é estável. Desde o início do ano, a fazenda se tornou 100% autossustentável em energia e a EVA consegue injetar o excedente na rede para vender na modalidade de geração distribuída.

Como a criação de suínos da fazenda é descentralizada, a geração de energia também ocorre da mesma forma. Há quatro núcleos para cada etapa da criação, do filhote, passando pelo suíno adolescente, maduro e pela matriz que procria. Isso corresponde a usinas em quatro áreas distintas em Sorriso, Itanhangá e Ipiranga do Norte. O modelo é replicável tanto para fazendas de dimensões similares quanto para fazendas menores, que possuem uma quantidade mínima de animais.

Pater destaca vantagens da produção de energia a partir do biogás em relação a fontes renováveis intermitentes, como a geração solar, por exemplo. Ele explica que uma planta solar de 5 MW de potência vai ter um fator de capacidade de 18% a 20%, considerando-se o período de exposição ao sol. Uma usina a biogás pode operar com um fator de capacidade de 90% a 93%.

Pecuária lidera a produção

O CIBiogás Energias Renováveis produz, anualmente, com o apoio de empresas e instituições ligadas ao setor de bioenergia, uma radiografia do sistema de produção de biogás e biometano no Brasil. O Panorama do Biogás no Brasil 2023, último levantamento realizado pelo CIBiogás, mostra que existiam naquele ano 1.365 plantas de biogás, das quais 338 unidades foram implantadas em 2023.

A capacidade instalada dessas plantas atingiu o volume de 4,15 bilhões de Nm3/ano. No período de cinco anos terminado em 2023, houve uma expansão média de 21% ao ano da capacidade instalada de produção de biogás nessas unidades.

Fonte: CIBiogás

Entre as plantas existentes, 1.096 estão em áreas dedicadas à pecuária, 143 em unidades da indústria e 126 utilizam resíduos urbanos ou esgoto. Entre essas usinas, 1.184 unidades usam o biogás para produzir energia elétrica; 128 produzem energia térmica; 47 oferecem GNR/Biometano e 6 aproveitam o insumo para produzir energia mecânica. Do total, 95% das plantas estão em operação, 48 em implantação e 46 em reforma ou reformulação.

O Estado do Paraná está na dianteira da produção de biogás, com 404 plantas, das quais 142 iniciaram produção em 2023. Em seguida, vem Minas Gerais, com 348, e Santa Catarina, com 122.

O levantamento apontou a existência, em 2023, de 50 plantas de biometano, sendo 7 delas com início de operação naquele ano. A capacidade total dessas unidades é de 580 milhões de Nm3, o que representou um crescimento de 27,8% no período de cinco anos terminado em 2023.

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