Revista Brasil Energia | Ações em Transição Energética

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Um ano de conquistas para domar o CO2 no meio ambiente

Do programa de captura e armazenamento da Petrobras a projetos de captura do CO2 livre no ar ou gerado pela atividade biogênica de produção do etanol, planos se tornam ações no Brasil

Por Eugênio Melloni

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Unidade da FS em Lucas do Rio Verde (MT): estudos comprovaram condições geológicas adequadas para injetar CO2 biogênico no subsolo a quilômetros de distância (Foto: Divulgação)

A Captura e Armazenamento de Carbono (CCS, na sigla em inglês) inicia 2025 com um cenário mais propício no Brasil que o vivenciado no início do ano passado. Durante 2024, a atividade, que permite a captura do CO2 e o seu armazenamento em reservatórios subterrâneos, ganhou contornos institucionais mais sólidos e um maior direcionamento na política energética do país. Além disso, pelo menos um projeto, desenvolvido na PUC-RS, avançou ao ponto de oferecer aos setores interessados a esperança de contar com uma promissora tecnologia brasileira a contribuir com a transição energética.

Primeiro equipamento de Captura Direta de Ar (DAC) no Brasil, com a capacidade de remover 300 t/ano de CO₂ do ar. Projeto desenvolvido na PUC-RS (Foto: Divulgação)

Os benefícios apontados por especialistas para a utilização da CCS, no contexto da transição energética, são importantes. A atividade permite a retirada em grande escala de carbono da atmosfera, favorecendo a setores em que o abatimento das emissões de CO2 são mais difíceis – conhecidos pelo termo hard-to-abate – por limitações técnicas ou econômicas. Encaixam-se nessa descrição, por exemplo, as indústrias de cimento, ferro, aço e petroquímica.

Para a CCS Brasil, entidade que congrega esforços visando o desenvolvimento da captura e armazenamento de carbono no país, duas rotas podem ser adotadas para que essa atividade aconteça. Em uma frente, a captura e armazenamento de carbono pode se desenvolver atrelada a uma indústria hard-to-abate. A outra rota é associar o CCS à bioenergia, segmento em que o Brasil é bastante favorecido em diversidade e em volume de produção.

Essa associação é conhecida como BECCS, sigla para Bioenergia com Captura e Armazenamento de Carbono. A BECCS pode ser uma atividade de emissão negativa de carbono se a captura for superior às emissões verificadas em toda a cadeia. Por isso, essa atividade pode ser utilizada para compensar as emissões de segmentos hard-to-abate, como o transporte de pessoas.

Para Isabela Mordach (foto), cofundadora da CCS Brasil, 2024 foi um ano importante para garantir as bases institucionais para a atividade de CCS. A Lei do Combustível do Futuro, sancionada em outubro de 2024, permitiu o reconhecimento da atividade no ordenamento jurídico do país e definiu ordenamentos importantes: definiu a ANP como o órgão regulador desta atividade e instituiu a autorização como instrumento jurídico para estabelecer a relação entre o órgão concedente e o executor do projeto.

A CCS Brasil aguarda, agora, a publicação de um decreto pelo MME que dê maior segurança jurídica para que a própria ANP regulamente a atividade. O ministério realizou um workshop em dezembro de 2024, no qual foram colhidas percepções de agentes e especialistas para obter uma visão mais ampla de desafios a serem endereçados, destaca Isabela. No mesmo mês, o CNPE criou um grupo de trabalho com a missão de regulamentar a Lei dos Combustível do Futuro.

Isabela Mordach considera que há pelo menos um ponto no arcabouço de regras que ordenarão a atividade de CCS que poderia ser objeto de melhoria. A Lei do Mercado de Carbono, segundo ela, tem um foco mais ampliado para soluções baseadas na natureza, deixando em segundo plano o potencial da redução e da remoção tecnológica de CO2. Para ela, seria importante que as autoridades considerassem o potencial do país para a atividade de CCS.

No mundo, ainda há desconfiança

Internacionalmente, a captura e o armazenamento de carbono ainda enfrentam contestações de ambientalistas e de especialistas, principalmente quando quem captura é o mesmo agente emissor. No entender de quem advoga nessa corrente, a soma zero não justifica o júbilo, já que o emissor está apenas recolhendo o resíduo que produziu.

A alternativa é abraçada pela indústria do petróleo como passo importante para a meta de uma transição possível na substituição do petróleo e derivados por fontes renováveis. Para críticos como o ex-presidente norte-americano Al Gore, no entanto, o CCS consiste em uma cortina de fumaça para as petroleiras protelarem a sua necessária adesão à transição energética, reduzindo a produção.

Northern LIghts, projeto de CCS da Equinor, TotalEnergies e Shell na Noruega (Foto: Equinor)

Mas para a Agência Internacional de Energia (AIE), a captura e armazenamento do carbono são o meio do caminho indispensável à etapa seguinte, de uso do carbono estocado, o que acrescenta o U à sigla CCS.  Para a agência, o CCUS ganhou fôlego nos últimos anos. Atualmente, existem cerca de 45 instalações comerciais de CCUS em operação, acopladas a processos industriais, transformação de combustível e geração de energia.

Existem, segundo a agência, mais de 700 projetos em diferentes estágios de desenvolvimento no mundo contemplando toda a cadeia do CCUS. Mas os esforços ainda estão distantes do necessário para o cumprimento das metas do Cenário Net Zero. Segundo a AIE, houve um crescimento, em 2023, de 35% da capacidade de captura prevista para 2030. Simultaneamente, a capacidade de armazenamento anunciada aumentou em 70%. Estados Unidos, União Europeia e Japão estão entre os maiores promotores da CCUS.

Com esse ritmo na expansão, os projetos permitirão a captura de cerca de 435 milhões de toneladas por ano (Mt/a) e armazenamento de 615 milhões de Mt/a de CO2 de em 2030. Esses volumes correspondem, contudo, a 40% da capacidade de captura e 60% do armazenamento previsto no Cenário de Emissões Líquidas Zero até 2050 (NZE).

A 45 instalações de captura comercial em operação, catalogadas pela AIE em todo o mundo, contam com uma capacidade de captura superior a 50 Mt/a de CO2. Em 2023, dez plantas de captura com capacidade superior a 100.000 t/a de CO2 e mais de 1.000 t/ano de CO2 para aplicações DAC (captura direta do CO2 livre no ar) entraram em operação.

Em 2022, o Instituto Dalian da China anunciou o primeiro projeto piloto do mundo de produção de gasolina a partir da hidrogenação de CO2. Gasolina com menor pegada mas ainda produtora de GEE (Foto: DICP)

Petrobras se posiciona na frente da CCS

Estrategicamente, a Petrobras vem se movimentando, nos últimos anos, para explorar o seu potencial natural para a captura, armazenamento e utilização de carbono. Em 2024, a companhia realizou estudos, definiu parcerias e estabeleceu hubs que contribuirão para o desenvolvimento futuro da atividade.

Um passo importante nessa direção foi a inclusão da atividade de CCUS entre os investimentos previstos no Plano Estratégico 2024-2028 para negócios de baixo carbono, que somam US$ 11,5 bilhões. Além da CCUS, o plano contempla a expansão da atuação da companhia nas energias solar e eólica, biorrefino e hidrogênio.

“Vemos no CCUS uma opção tecnologicamente madura e eficiente para a descarbonização de indústrias com maiores dificuldades para reduzir emissões”, disse o diretor-executivo de Transição Energética da companhia, Maurício Tolmasquim (foto). “Estamos desenvolvendo projetos de CCS/CCUS para descarbonizar nossas emissões industriais além do pré-sal (Escopos 1 e 2) e fornecer serviços ambientais para outros setores da indústria.

A Petrobras divulga que possui o maior projeto de CCS do mundo, reduzindo emissões e aumentando a recuperação dos reservatórios do pré-sal. Na recuperação avançada de petróleo (Enhanced Oil Recovery - EOR), a reinjeção de CO2 de volta aos campos de produção tem papel relevante na trajetória de redução da intensidade de emissão de gases de efeito estufa na produção de óleo e gás.

A companhia injetou 13 milhões de t de CO2 em 2023, de acordo com Tolmasquim. Com esse volume, a Petrobras registrou um total acumulado de 53,7 milhões de t de CO2 obtidos pelo seu programa de captura e armazenamento geológico do CO2. O projeto teve início em 2008 na forma de um projeto-piloto no campo de Tupi.

O compromisso da companhia é atingir um total acumulado de reinjeção de 80 milhões de toneladas de CO2 até o fim deste ano. Essa meta contribuirá para a evolução tecnológica, redução de custos e demonstração da segurança da tecnologia de CCS para aplicação na indústria de óleo e gás e em outros setores.

Tolmasquim destacou que a Petrobras tem projetos em estudo de múltiplos hubs de CCS no Brasil, com destaque para os hubs do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, que podem armazenar emissões industriais de CO2 por mais de 50 anos.

A empresa informa que, nesse conceito de hub, o CO2 é capturado em diferentes localidades e fontes de emissão (indústria de aço, termoelétricas, indústria de cimento, unidades de processamento de gás natural, entre outros) e transportado por meio de uma malha de gasodutos, que pode ser compartilhada e direcionada para o armazenamento de grandes quantidades de CO2 em reservatórios geológicos adequados.

A adoção deste conceito de hub, com a utilização de malhas conectadas, pode potencializar a viabilidade técnica e econômica, favorecendo a utilização do CCS como uma opção relevante de descarbonização em larga escala.  A Petrobras já iniciou o mapeamento de reservatórios geológicos que podem se configurar como opção segura e adequada de armazenamento do carbono, estudando também instalações da companhia existentes no Espírito Santo para integrarem a infraestrutura do hub de CCS para o estado. 

Tecnologia para capturar o CO2 do ar

Em evento realizado em novembro do ano passado, na PUC-RS, a universidade e a Repsol Sinopec Brasil deram início à operação do primeiro equipamento de Captura Direta de Ar (DAC) no Brasil, com a capacidade de remover 300 t/ano de CO₂ do ar, o equivalente ao reflorestamento de uma área de 14 a 42 campos de futebol, dependendo da metodologia de plantio. 

Fruto de um acordo de colaboração entre a universidade, representada nas pesquisas pelo Instituto do Petróleo e dos Recursos Naturais (IPR), e a empresa, a iniciativa é pioneira no desenvolvimento de tecnologias de remoção de dióxido de carbono na América Latina. O DAC.SI, como foi batizado o projeto, tem como objetivo mitigar as mudanças climáticas por meio da captura direta de CO₂ da atmosfera, uma das tecnologias de ponta na área de emissões negativas.

Conforme publicado na revista Pesquisa Fapesp, estão sendo realizados estudos para avaliar o potencial de armazenamento do CO2 nas formações rochosas da Bacia do Paraná, uma das regiões com maior potencial de armazenamento do país.

Os projetos de captura de carbono diretamente do ar são classificados como tecnologias de emissão negativa. Em relação aos projetos de CCUS, que evitam lançar o CO2 através do uso do carbono como matéria prima em outros produtos, essa tecnologia ataca a questão de outra forma, ao retirar o gás livre no próprio ar.

Segundo informações do IPR, a captura de CO2 diretamente do ar é considerada uma tecnologia-chave para atingir as metas climáticas estipuladas para as próximas décadas, comparando-se com tecnologias como a energia solar fotovoltaica, energia eólica, baterias avançadas e eletrolisadores (hidrogênio verde). Os especialistas do instituto consideram, contudo, que para se tornarem relevantes, as tecnologias para a Remoção de Dióxido de Carbono (CDR) terão de atingir a capacidade de remoção na ordem de gigatoneladas de CO2 até metade do século.

Primeiro projeto de BECCS no Brasil

A FS, uma das maiores produtoras de etanol e nutrição animal do Brasil, está dando passos importantes para se tornar a primeira empresa a explorar a captura e estoque de carbono no solo associada à produção de bioenergia, atividade conhecida pela sigla BECCS.

Durante a sanção da Lei Combustível do Futuro, a empresa anunciou a segunda fase de investimentos no projeto, que envolve um montante de cerca de R$ 350 milhões. Os recursos serão destinados à aquisição de equipamentos e implantação do projeto em Lucas do Rio Verde (MT), onde a empresa tem uma de suas unidades industriais.

Na primeira fase do projeto BECCS, foram investidos aproximadamente R$ 110 milhões na realização de estudos técnicos e perfuração de poço estratigráfico, que comprovaram as condições geológicas adequadas para injetar CO2 biogênico (gerado por atividade biológica) no subsolo de Lucas do Rio Verde.

FS no caminho de se tornar a primeira empresa a explorar a captura e estoque de carbono no solo associada à produção de bioenergia (Foto: Divulgação)

Daniel Lopes, vice-presidente de Sustentabilidade e Novos Negócios da FS, considera que a implementação do projeto BECCS será um passo crucial para que a companhia atinja o propósito de se transformar na maior produtora de combustível carbono negativo do mundo.

No final do ano passado, foram concluídos os estudos técnicos que comprovam condições geológicas adequadas para injetar no subsolo o dióxido de carbono emitido na fase de fermentação da produção de biocombustível. A expectativa é que os trabalhos de construção do site de injeção se iniciem neste ano.

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