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A Distribuição ante a abertura da baixa tensão

Conhecer melhor ou hiperpersonalizar o cliente do varejo e direcioná-lo para a melhor tarifa poderá otimizar o uso das redes, segundo especialistas

Por Nelson Valencio

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Medidores inteligentes, combinados com a IoT, permitem a coleta contínua de dados do cliente, um dos recursos para a hiperpersonalização que será demandada com a abertura do mercado livre para a baixa tensão (Foto: Copel)

A abertura do mercado de baixa tensão (BT), sinalizada para 2027, deve trazer algo novo para o setor da Distribuição: a rotatividade de clientes. Comum na área de telecomunicações, onde é conhecida tecnicamente como churn, a possibilidade de trocar de concessionária deve impulsionar as distribuidoras a adotar a chamada hiperpersonalização.

Enquanto a personalização tradicional baseia-se em segmentações amplas, a nova iniciativa analisa dados comportamentais, históricos e contextos em tempo real por meio de agentes de inteligência artificial (Agent AI). A meta é conhecer o cliente em profundidade, antecipar necessidades e entregar soluções antecipadas.

Componente chave desse processo, o agente de IA é um software que usa a inteligência artificial para coletar dados e tomar ações autônomas baseadas em objetivos pré-determinados.

Para Rodrigo Costa (foto), diretor da Kron Digital, empresa que atende várias concessionárias em operação no Brasil, a hiperpersonalização ainda é pouco conhecida porque o mercado atual de BT é cativo e as distribuidoras não estão pressionadas, ainda, pela concorrência que se vê nos segmentos de média e alta tensão.

Ouvido pela Brasil Energia, ele diz que os agentes de IA devem ajudar as concessionárias na competição por clientes, principalmente porque o setor tem um faturamento complexo.

A jornada atual de processamento de dados entre a apuração do leiturista e a fatura final de energia, por exemplo, leva dias para ser concluída. E mais: as distribuidoras que possuem um ERP, sistema que integra e gerencia vários processos de negócios, deverão enfrentar a migração de plataforma nos próximos anos. Dentro da migração prevista estão áreas estratégicas como o billing (bilhetagem, que é o coração do processo de faturamento) e a gestão de relacionamento com clientes (CRM).

Ou seja, para tornarem-se centradas nos clientes (customer centrics) como as operadoras de telecomunicações, as concessionárias de energia precisam de CRM e de sistemas de billing integrados.  

O desafio das concessionárias em geral – e das distribuidoras em especial – é o grande volume de dados coletados em várias frentes de operação e que podem ser relacionados ao perfil de consumo de energia dos clientes. E pior: boa parte deles é não-estruturado, quer dizer, não têm um modelo definido.

“A informação do CRM é do CPF do cliente, mas muitos dados estratégicos estão nas ordens de serviços para consertos e reparos ou nos aplicativos de pagamento de contas atrasadas”, detalha Costa, falando dos desafios de integração.

Essa falta de organização de dados pode complicar a aplicação, por exemplo, de tarifas personalizadas por localização ou por consumo fora do horário de pico. Os modelos para novos formatos de tarifas estão em gestação, inclusive com sandboxes sob coordenação da Aneel.

Falando de outra forma, as distribuidoras testam novos modelos de tarifação na prática e a regulação avança, mas nem por isso poderão aplicar, confortavelmente, as novas tarifas se não tiverem noção de quem é o seu cliente na ponta. Daí a necessidade de hiperpersonalizá-lo.

E não faltam dados para isso, segundo Bruno Picosse (foto), diretor da consultoria Accenture Song. As fontes incluem desde informações demográficas até perfil de consumo e faturamento. Outro recurso é o histórico comportamental dos clientes, incluindo dados dos canais digitais e também de meios tradicionais como contact centers e escritórios de atendimento físico.

“Milhões de ligações recebidas pelo setor são armazenadas, mas não geram nenhum tipo de insight”, explica. “Há um potencial significativo para a compreensão sobre qualidade de atendimento, satisfação dos clientes, melhorias de processos, dentre outros”, completa.

Na avaliação de Picosse, é possível extrair insights relevantes que sinalizam oportunidades de reinvenção de processos, serviços e produtos em diferentes indústrias, inclusive na área de energia. Ele argumenta que as novas tecnologias simplificam o processo de entendimento dos dados comportamentais e também dos fatores que motivam esses comportamentos.

Além dos agentes de IA, o executivo explica que o processo envolve uma série de recursos, começando com a inteligência artificial generativa (GenAI), usada para interpretar dados complexos e gerar interações naturais. Já o aprendizado a máquina (machine learning) identifica padrões de comportamento e prevê necessidades. A Internet das Coisas (IoT), por sua vez, combinada com medidores inteligentes, permite a coleta contínua de dados de consumo.

A amarração da jornada completa de atendimento ao cliente, conhecida tecnicamente como orquestração, é feita pelos agentes de IA. São eles que podem explicar, por exemplo, variações na conta de energia com base em fatores como bandeiras tarifárias, clima, consumo ou impostos.

Os agentes de IA também podem ser usados para aumentar a capacidade de atendimento nos períodos de chuva, fornecendo informações contextualizadas. Ou ainda propor planos de pagamento que atendam às necessidades do cliente e maximizem a arrecadação da distribuidora.

Outra aplicação é na otimização das operações de rede e do planejamento para a integração de veículos elétricos e energias renováveis, ​​por meio de previsão de carga baseada nos perfis de clientes.

Apesar dos benefícios, a hiperpersonalização está mais avançada em outros segmentos e, no caso de energia, as iniciativas ainda são pontuais. Para Costa, da Kron Digital, a estruturação de dados e o treinamento da mão de obra especializada, ao lado da regulação do setor, estão entre os principais desafios.

Picosse, da Accenture Song, concorda que as aplicações do conceito ainda estão embrionárias no setor e as poucas iniciativas acontecem por meio de pilotos. “Apesar disso, a distribuição é um dos segmentos com maior aplicabilidade, dado o volume de clientes que cada empresa administra”, argumenta.

De acordo com ele, um ponto de atenção é a aplicação responsável da IA. O tema é estratégico e não deve ser tratado apenas tecnicamente ou na forma de regulação.

“No contexto das utilities, essa responsabilidade é ainda maior, pois estamos lidando com serviços essenciais. O valor da IA só será plenamente capturado se vier acompanhado de confiança, transparência e equidade”, finaliza.

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