IA autônoma ganha espaço nas concessionárias da América Latina

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IA autônoma ganha espaço nas concessionárias da América Latina

Agentes de IA estão em aplicações não-críticas, mas de retorno financeiro, incluindo faturamento e proteção de receita

Por Nelson Valencio

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Uso de IA focada em resultado nas concessionárias vai exigir infraestrutura robusta, com demanda por data centers e sistemas de processamento complexo (Foto: Divulgação/EDP)

A aplicação da inteligência artificial (IA) no setor elétrico está deixando a esfera teórica para se tornar uma realidade operacional. O foco do setor agora é a chamada IA agêntica - modelo de inteligência artificial com autonomia, inclusive, para tomar decisões - que promete transformar a gestão e a operação de sistemas complexos.

Essa é uma das conclusões do relatório Inovação no Setor de Utilities: Como a Inteligência Artificial e as Plataformas de Agentes estão Revolucionando a Indústria, lançado pela associação UTC América Latina, com a colaboração da Accenture.

De acordo com o documento, as aplicações da IA agêntica, nessa primeira fase, envolvem desde atividades de manutenção preditiva e gestão de ativos até o ciclo comercial (leitura, faturamento e cobrança), além do atendimento ao cliente.

Antes de avançar para as aplicações de casos reais na América Latina, é importante diferenciar a IA agêntica da IA tradicional, usada no dia-a-dia.

Dimitr Wajsman, presidente da UTC América LatinaNa conversa que teve com a Brasil Energia, Dymitr Wajsman (foto), presidente da UTC América Latina, destacou que os agentes de IA são definidos como programas especialistas que utilizam a inteligência a partir de bancos de dados próprios, sendo treinados para resolver problemas específicos e complexos do segmento de energia.

“A necessidade de agentes especializados surge porque a operação de um sistema elétrico requer procedimentos limitados ao conhecimento daquele segmento”, explica. Por essa razão, dados genéricos, comuns na IA tradicional, não são suficientes para resolver demandas do setor.

Um exemplo prático é o aplicativo de IA usado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) para auxiliar os técnicos de plantão a decidirem rapidamente o que fazer em caso de falha em uma subestação. Em situações como essas, a IA faz uma varredura rápida do módulo de procedimentos operacionais adequado e ajuda na decisão do agente humano.

Wajsman destaca que a IA atualmente está sendo utilizada maciçamente, mas em aplicações não-críticas, como faturamento e questões financeiras.

“Embora a IA ajude enormemente a tomar decisões complexas e rápidas, sua aplicação em assuntos críticos ainda está em fase de experimentação e a decisão final ainda cabe ao ser humano. O conceito de agente de IA é, em si, muito recente, tendo no máximo um ano de intensa discussão”.

IA para leitura automatizada

A avaliação do presidente da UTC América Latina é confirmada pelo relatório recém-lançado, que mostra um uso regional concentrado na eficiência do ciclo comercial, na redução de perdas e na automação das operações de campo.

ONS centro de controle

No ONS, nova ferramenta - Tecnologia de Inteligência Artificial Generativa do ONS (Tiago) – possibilita que as interações com a IA facilitem a tomada de decisões (Foto: Divulgação)

Um exemplo é a cobrança inteligente, uma das aplicações onde os modelos preditivos de IA podem aumentar a eficiência da arrecadação e reduzir a inadimplência. Da mesma forma, esses mesmos modelos permitem a “clusterização” (agrupamento) de clientes e a criação de padrões de cobrança personalizadas.

Um diferencial estratégico é que a solução habilita uma autonomia total para a área de negócio, permitindo que gestores configurem ou modifiquem os padrões de cobrança por perfil de risco, estágio de inadimplência ou objetivo. Detalhe: podem fazer isso sozinhos, eliminando a dependência da área de TI.

Para empresas com capacidade limitada de equipes em campo, os recursos de IA agêntica oferecem algoritmos inteligentes de priorização geográfica, indicando os melhores alvos com maior potencial de retorno e maximizando o impacto de cada visita.

Outra frente de uso é a proteção de receita. Esta solução atua na visão fim-a-fim do ciclo comercial, da leitura até a arrecadação, para identificar e corrigir quebras no fluxo financeiro. As quebras, nesse caso, podem envolver desde leituras sem retorno, valores implausíveis até falhas de cálculo.

A operação de faturamento e impressão de fatura em campo é outro foco da IA agêntica, como demonstra o exemplo de uma distribuidora paulista citada no relatório.

A empresa implementou uma plataforma de visão computacional para automação de inspeções em campo, que realiza o processamento diário de mais de 140 mil imagens. O modelo alcançou 88% de assertividade média na leitura automatizada de medidores e na classificação de instalações.

Na América Latina, a IA também está concentrada no atendimento digital ao consumidor. Outro uso constante é no apoio à conformidade regulatória e na melhoria potencial dos indicadores de desempenho definidos por agências setoriais, especialmente nos processos de leitura, faturamento, atendimento e detecção de perdas.

Vanguarda brasileira

De acordo com Wajsman, o Brasil se destaca por apresentar soluções inovadoras em IA para o setor elétrico. Essa liderança é atribuída a diversos fatores, entre eles o tamanho do país e a presença de mais empresas elétricas do que nos países vizinhos.

Outro diferencial é o Programa de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) coordenado pela Aneel, que exige a aplicação de 1% da receita líquida das empresas em iniciativas que melhorem a qualidade do setor.

Medidor e conta de energia da fornecedora digital Luz

A partir de ensaios digitais realizados por um ano em eletrodomésticos, a fornecedora digital de energia Luz desenvolveu ferramenta com uso de IA que entrega informações detalhadas sobre o consumo dos aparelhos aos clientes (Foto: Divulgação)

Ele também ressalta que as áreas técnicas das concessionárias, incluindo telecomunicação e automação, venceram as barreiras hierárquicas, ganhando acesso direto à alta gestão. “Isso ocorre porque a tecnologia demonstrou que melhora a qualidade do serviço e atende melhor o consumidor”, resume. “Mas a inovação tecnológica deve ser pragmática e focada em resultados”, completa.

Para o especialista, o relatório é um documento conceitual que define o que é IA para utilities e oferece exemplos de como ela está sendo utilizada globalmente. No entanto, é genérico e precisa de desdobramentos práticos, os quais devem se concentrar futuramente em três pilares.

O primeiro dele é a qualidade dos dados. Para os autores do documento, não é possível utilizar ferramentas de IA avançadas sem dados completos, extensos e corretos. Um dos primeiros trabalhos das concessionárias será definir como os dados importantes para o setor elétrico devem ser tratados.

O segundo pilar envolve infraestrutura robusta, uma exigência da IA, o que significa a demanda por data centers e sistemas de processamento complexos. 

A mão de obra fecha o tripé de exigências, sendo necessário treinar ou contratar especialistas. “Um processo que não deve ser barato, já que esses profissionais não são facilmente disponíveis”, finaliza Wajsman.

IA na América do Norte e Europa

O relatório da UTC América Latina traz informações também de outras duas regiões, indicando que na América do Norte o foco está na autonomia operacional e otimização de infraestrutura crítica sob as normas de cibersegurança.

Na Europa, a IA tem sido mais usada na autonomia regulada e na transição energética. Um exemplo norte-americano é o agente de orquestração de operações, que gerencia fluxos interdepartamentais complexos, como corte/religação, inspeções e atualização cadastral, com base em regras comerciais e condições operacionais em tempo real.

Nas concessionárias europeias, a IA tem sido impulsionada pelo balanceamento de rede em tempo real, principalmente pelos recursos energéticos distribuídos (DERs), além do uso na previsão de geração renovável.

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