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Exemplos internacionais mostram que roubos e fraudes em energia exigem soluções combinadas

Iniciativas na Colômbia, Índia e Filipinas indicam caminhos possíveis para as distribuidoras brasileiras, segundo consultora

Por Nelson Valencio

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Com perda que chega a 71%, Light investe em redes blindadas com recursos da inteligência artificial para combater os furtos de energia (Foto: Divulgação/Light)

As perdas não técnicas custaram R$ 10,3 bilhões ao sistema elétrico brasileiro em 2024, segundo a Aneel. De acordo com o relatório da agência, as ações criminosas envolvem, principalmente, furtos por meio de ligação clandestina ou desvio direto da rede, mas também fraudes, como adulterações no medidor, além de erros de leitura, medição e faturamento. 

Independente do tipo, as perdas não-técnicas são particularmente pesadas em duas concessionarias: Light e Amazonas Energia. Juntas as duas respondem por 34% do valor citado acima. 

Ângela Gomes (foto), consultora da PSR, destaca que o combate ao crime exige soluções combinadas e em várias frentes, incluindo tarifas diferenciadas, programas sociais e o uso de tecnologias, além da necessidade de apoio da segurança pública. Segundo ela, os exemplos internacionais bem-sucedidos podem ajudar as concessionárias locais a reduzir os problemas. 

“Estudamos exemplos bem-sucedidos de combate ao furto de energia, particularmente na Índia e na Colômbia. Nesses locais, houve uma conjunção de esforços que chamamos de tripé”, reforça a especialista, em conversa com a Brasil Energia

De acordo com ela, o primeiro componente da solução é a adoção de tarifas diferenciadas para regiões complexas, de modo que a conta de energia possa caber no bolso do consumidor e evitar os populares “gatos”. 

Os programas sociais, também fazem parte da equação para reduzir as perdas não-técnicas e, nesse caso, o saneamento básico é um exemplo a ser seguido. “É uma iniciativa que envolve ir às comunidades de menor renda, trabalhar na educação financeira para ensinar o que a fatura representa para a qualidade de vida e o fornecimento de energia, e buscar um ciclo virtuoso de geração de renda”, explica.

Ela dá como exemplo positivo o emprego de mulheres pelas concessionárias indianas para ajudar no cumprimento do pagamento. Elas também ajudaram a ensinar a importância de não furtar energia e auxiliar no planejamento financeiro das famílias. “Há um grande potencial para isso no Brasil, visto que mais de 80% das famílias carentes são chefiadas por mulheres”, argumenta a especialista da PSR.

O terceiro elemento do tripé citado por Ângela é a tecnologia, dividida em duas frentes. Na primeira delas está o foco em hardware. A medição por transformador é um caso real, em que em cada equipamento atende de 50 a 100 clientes. Isso permite saber quais conjuntos de consumidores têm maior perda fora das áreas de risco, possibilitando intervenções assertivas e de menor custo. “A Colômbia teve muito sucesso com isso”, lembra Ângela. 

Outra frente de ação envolve softwares e, mais especificamente a aplicação de inteligência de dados. Falando de outra forma: as distribuidoras poderiam usar as informações de medições, faturamentos e perfis de carga para identificar onde, quando e qual perfil de consumidor está furtando energia. 

Apesar de ser uma iniciativa real em algumas concessionárias, a inteligência de dados ainda é subestimada, principalmente nos casos mais críticos que envolvem a segurança pública no Rio de Janeiro. 

A blindagem da rede, por outro lado já é mais comum. Essa ação torna mais difícil o furto de energia, como acontece na Colômbia e na Índia. “Nas Filipinas, mesmo com tarifas caras e uma segurança pública muito incisiva, a blindagem simples dos cabos deu muito certo. A medição remota e acima dos postes também é adotada”, detalha. 

Apesar dos avanços, Ângela reconhece que há casos extremamente singulares no Brasil, como o da Amazonas Energia, onde a perda real chega a 123%, mas o valor regulatório, ou seja, a perda de fato reconhecida pela Aneel, é de 58%. 

Na avaliação da especialista, os desafios da distribuidora nortista envolvem vários fatores: um estado institucionalmente fragilizado, onde há furtos de energia registrados até na Zona Franca de Manaus, até políticos defendendo o não combate ao furto. 

Adicionalmente, o histórico da empresa também pesa contra. A Amazonas Energia ficou muito tempo sob a gestão da então estatal Eletrobrás, sem investimentos necessários. 

Outro problema é o aspecto climatológico, com um ambiente muito úmido e quente, o que leva ao alto consumo de ar-condicionado. Esse mesmo desafio atinge o Rio de Janeiro, na área de cobertura da Light, com locais urbanisticamente densos e sem ventilação. O clima muito úmido e de alta temperatura vem sendo agravado pelo aquecimento global e tornando-se quase uma "bomba de furto de energia".

A distribuidora Amazonas Energia registrou, em 2024, o maior índice de perdas não técnicas do país, segundo dados da Aneel (Foto: Divulgação/Amazonas Energia)

Um dos resultados é a perda real da distribuidora, que chega a 71%, enquanto a perda regulatória é de 39%. 

O fator que mais pesa nessa equação, no entanto, é o domínio territorial do crime. “A situação é diferenciada e sem comparação direta nos países que estudamos. Não vimos nada igual a esse domínio territorial ostensivo por poderes paralelos em um ambiente urbano, que chega a se infiltrar nos serviços públicos”, resume Ângela. 

De acordo com ela, mesmo em Barranquilla, na Colômbia, que tem uma região socialmente complexa e perdas elevadas, não existe uma situação de domínio territorial que existe no Rio. 

“Não há uma "bala de prata" e é necessária uma conjunção de esforços. A distribuidora de energia elétrica deve estar no centro, coordenando, mas buscando apoio de entes públicos, incluindo a segurança pública, a parte social e a parte tarifária”, explica. 

Segundo a especialista, a MP 1300/25, editada pelo executivo federal para reforma do setor elétrico, está mudando a tarifa social e pode ajudar no processo. Uma das possibilidades é que as emendas à MP, que devem ser feitas no legislativo, flexibilizem os limites da MP regiões críticas onde as perdas são bem acima da média e onde o consumo também é alto. 

“Algo como uma tarifa social específica das concessionárias nessas regiões, que seria internalizada na estrutura tarifária”, argumenta. 

Outra iniciativa é o uso da inteligência de dados na segurança. Para ela, não faltam dados que indicam, por exemplo, a cobrança de energia roubada em áreas como Rio das Pedras. O lucro com a exploração de territórios é maior pela cobrança ilegal de energia e fornecimento de gás do que com o tráfico de drogas, conforme aponta seminário organizado pela Light

“É fundamental que haja ações coordenadas e uso de inteligência. Infelizmente, no Rio, os dados de segurança pública não são utilizados, muitas vezes sob a alegação de serem estratégicos, o que impede qualquer ação baseada em evidências”, argumenta Ângela. “A esperança é que iniciativas coordenadas e o uso de inteligência tornem-se mais frequentes no Brasil”, finaliza. 

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