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O combate às fraudes de big consumidores na média tensão

A luta de gato e rato entre concessionárias e consumidores de médio e grande porte com conhecimento de tecnologia e recursos até de IA se sofistica. Alterar o medidor é coisa de baixa tensão. Quem rouba na média tensão evita deixar as digitais

Por Nelson Valencio

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EDP detecta fraude no consumo de energia em academia de Guarulhos (Foto: Divulgação/EDP)

As perdas não técnicas, eufemismo para roubo e fraude de energia, pesam no bolso de todos os consumidores, uma vez que são parcialmente reconhecidas na regulação e, portanto, precisam ser ressarcidas para as distribuidoras. Os dados mais recentes da Aneel indicam que 6,7% de toda a energia injetada no sistema é classificada como perda não técnica na distribuição, somando 38,2 TWh em 2023. O mapeamento da agência mostra que dez concessionárias respondem por 71% dessas perdas, sendo que apenas Light e Amazonas Energia representam 32,8% do total.

Embora o relatório citado não aponte dados sobre as perdas não técnicas na alta e média tensão, especialistas ouvidos pela Brasil Energia são enfáticos em dizer que grandes consumidores de energia praticam sim – e muito – o roubo e a fraude. E mais do que isso: as práticas criminosas na média tensão estão se sofisticando. Cláudio Varella do Nascimento, diretor de Distribuição da Celesc, aponta que uma das tendências é deixar de corromper o medidor e partir para outros componentes da rede associados ao equipamento.  

Sistema de medição centralizada da Amazonas Energia: empresa está entre as 10 concessionárias com as maiores perdas do país (Foto: Divulgação/Amazonas Energia)

Como praticamente todos os clientes dessa faixa são telemedidos, as fraudes têm migrado para dispositivos como as chaves de aferição, usados no sistema de medição indireta, com base nos chamados transformadores de correntes (TCs) ou transformadores de potência (TPs).

“É uma guerra de gato e rato. Os fraudadores estão inovando, inclusive com recursos de controle remoto. Quando a fiscalização chega, eles desligam o mecanismo de fraude”, explica. “Tivemos que aplicar investigações detalhadas para descobrir que, em alguns casos, a fraude não estava no medidor, como era o esperado”, complementa.

A fiscalização vale a pena. Em apenas um dos incidentes, a Celesc identificou que o rombo chegava a R$ 300 mil por mês, resultado do desvio de 30% de energia em uma conta mensal próxima a R$ 1 milhão. Nesse processo, a paciência é o segredo. De acordo com Nascimento, a fraude começa com desvios menores e vai sendo aumentada para tentar enganar a concessionária. Para Nascimento, o trabalho de identificação de fraudes é contínuo e é um mito acreditar que clientes corporativos não adotem práticas ilegais.

Blindagem de rede pode ser feita em toda a infraestrutura e equipamentos da rede elétrica, com instalação de itens antifurto. (Foto: KlausMuller)

A mesma opinião é compartilhada por Danilo Ribera, gerente da CAS Tecnologia e com longa experiência no tema. O executivo esteve à frente de gerências de telemedição, controle e medição e de smart grid da Light, onde conheceu de perto os problemas de perdas não técnicas. Hoje ele trabalha assessorando outras concessionárias no país, com os mesmos tipos de problemas. Ribera também participou da criação de um centro de telemedição do grupo A na concessionária fluminense em 2003.

“O Rio de Janeiro é mais criativo, mas as fraudes são parecidas. Na baixa tensão é mais fácil de identificá-las e mais difícil de tratar, em função da quantidade de clientes. A solução em casos mais graves é blindar a rede em regiões onde isso realmente vale. O custo é muito alto”, explica. Ribera destaca que a blindagem era estimada em R$ 1.500 por cliente há cerca de cinco anos.

Blindagem em baixa tensão: Light blinda transformadores para evitar perdas em rede de baixa tensão no Leme (RJ) (Foto: Brenno Carvalho)

Uso de IA para combater fraudes

No caso da média e alta tensão, o processo é inverso. Tratar a fraude é simples, porque a telemedição é a regra e uma ação simples envolve a troca do medidor, além da apuração e cobrança da conta devida. Identificar o problema, porém, é um desafio necessário. Segundo o especialista da CAS, 1% dos clientes das distribuidoras estaria na faixa de média tensão, porém eles responderiam por 40% a 47% do faturamento.

Como a telemedição ocorre a intervalos curtos, é possível estabelecer várias relações entre os dados coletados nesse tipo de cliente. Se o equipamento for além do convencional, ele vai captar mais informações do que a curva de carga. Ribera adianta que os recursos de medidores inteligentes afinaram a apuração de fraudes e permitem, quando combinados com outros sistemas de análises, afirmar com 95% de certeza quando está ocorrendo uma fraude.

As inovações para evitar isso, por outro lado, são crescentes. Um golpe clássico é queimar o medidor por fora, sem abrir a caixa do equipamento. Trata-se de um processo bem elaborado, porque não destrói a selagem da caixa, mas atinge o cabo que liga o medidor ao transformador, queimando um dispositivo de proteção interno. Como o sistema de monitoramento remoto da concessionária acusa que o medidor, em uma de suas fases, deixou de medir, a equipe técnica é acionada para verificar o que aconteceu.

Polícia e EDP flagram fraude em fábrica de plásticos em Suzano (Foto: Divulgação/EDP)

A novidade no combate à inovação dos criminosos é usar as informações dos malfeitos para treinar a inteligência artificial (IA) e permitir que esses padrões sejam cada vez mais identificados rapidamente. A tecnologia também tem sido usada na baixa tensão.

É o caso da EDP do Espírito Santo, que divulgou um balanço de recuperação de perdas não técnicas no último dia 10 de janeiro. A distribuidora recuperou aproximadamente 69 Gwh, quantidade que daria para abastecer uma cidade de 34 mil habitantes durante um ano. Os dados são de 2023 e envolveram a fiscalização de mais de 42.500 instalações em 70 cidades. 

A Enel RJ é outra distribuidora com números recentes sobre fraudes. Diferentemente da Celesc, que atende regiões de menor complexidade, a concessionária fluminense opera em locais difíceis e isso se reflete no número de perdas não técnicas: as áreas com risco responderam por 58% desse tipo de perda na empresa, apesar de serem apenas 17% dos clientes da concessão no Rio de Janeiro.

Ribera, da CAS, lembra que no caso da baixa tensão, as fraudes são menos elaboradas e podem acontecer na rede ou no medidor (nas de média e baixa tensão, o medidor ou componentes próximos são os alvos). Em situações como essas – e se o custo valer a pena - uma das ações é a medição centralizada, com a colocação dos medidores no poste e com um sistema de blindagem.

Mesmo a centralização não está imune, porque um dos recursos dos criminosos é usar um transformador de micro-ondas para queimar os medidores instalados no poste. A solução, segundo o especialista, é monitorar o tempo todo.

Com a adoção da medição inteligente, ainda pequena no Brasil, as concessionárias poderão entender melhor o perfil de consumo e criar políticas que minimizem as perdas. A própria medição inteligente, porém, pode ser alvo de ataques diferenciados e um dos mais recentes é o uso de taser, arma de choque para defesa pessoal, para apagar o display dos equipamentos.

Outra iniciativa é tornar o crime mais custoso. A evolução das técnicas de combate fez, por exemplo, o preço das fraudes subir no Rio de Janeiro, de um patamar de R$ 40 para a faixa de R$ 200, o que pesa entre os consumidores de baixo poder aquisitivo, quando a concessionária repetidamente desativa os desvios. Erra, porém, quem pensa que fraude só acontece nessa faixa de renda. Os condomínios com alto consumo de energia estão sempre na mira das distribuidoras, exatamente porque são foco de desvios.

Cooperativa de Eletricidade de São Ludgero (Cegero), de Santa Catarina, investiu na instalação de um sistema de telemedição de Energia Elétrica para consumidores do Grupo A, atendidos em média tensão (13,8 kV) com subestação de transformação particular (Foto: Divulgação Cegero)

Ribera explica que 90% dos casos estão concentrados na rede provisória de energia. Explicando: na etapa de construção dos empreendimentos, é comum a instalação de uma infraestrutura temporária, que vai ter um padrão de consumo baixo. O golpe é não desativar essa rede e mantê-la como se fosse a definitiva. “Onde há dinheiro, haverá a possibilidade de fraude”, finaliza.

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