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O que é preciso para o Brasil avançar em redes subterrâneas?

Elas são caras, mas previnem longos e extensos desligamentos em eventos climáticos extremos. Rio e São Paulo detêm duas das cinco maiores malhas no mundo do tipo “mais seguro”.

Por Nelson Valencio

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Brasília tem a maior rede subterrânea do país, com 600 km (Foto: Agência Brasília)

Os recentes apagões na capital paulista trouxeram várias pautas para o debate, entre elas a necessidade de implantação de redes subterrâneas para distribuição e para transmissão de energia em algumas áreas urbanas. O enterramento das redes aéreas tem sido apontado como solução para reduzir os riscos de eventos climáticos severos, mas não se trata de um recurso rápido e barato.

E mais: segundo estudo do Ipea, o Brasil tem uma média de apenas 0,4% de linhas de energia enterradas, contra os cerca de 20% dos Estados Unidos, para ficarmos num só exemplo.

Especialistas no tema, como Dayron Urrego (foto), diretor executivo da Isa Energia Brasil, lembram que o investimento pode ser dez vezes maior do que a infraestrutura aérea. A concessionária tem lugar de fala no tema, pois seu projeto de transmissão Riacho Grande prevê a ativação de trecho de linha enterrada na Região Metropolitana de São Paulo. Ele lembra que a combinação de fatores como necessidade de confiabilidade em eventos climáticos severos, combinados com regiões urbanas densamente povoadas, pode pautar a indicação de infraestrutura subterrânea no futuro.

Juliano Gonçalves, executivo da Meggers, e profissional com experiência na antiga AES (atual Enel), inclusive nos Estados Unidos, argumenta que o Brasil historicamente adotou as linhas aéreas por uma questão de custo.

De acordo com ele, as maiores redes são da CEB, em Brasília, com 600 km, seguidas pelas infraestruturas da Light, no Rio, com 500 km; e da Enel, em São Paulo, com 460 km. A Cemig, por sua vez, administra uma rede de 137 km em Belo Horizonte, com cerca de 400 transformadores, enquanto a Copel tem uma malha de 90 km e aproximadamente 200 transformadores. Em Porto Alegre, a rede somaria 2,8 km. 

Cabos para rede da Light, segunda maior rede do país, com 500 km (Foto: Divulgação)

“A rede aérea tem uma configuração muito básica, com a saída da energia de uma subestação, passando pelos transformadores até chegar as casas. Esse modelo foi instituído desde o início porque é o mais barato, muito mais simples e visualmente fácil de identificar”, resume. O especialista afirma que o foco em eficiência financeira só muda quando a região atendida combina alta densidade de carga e índices de qualidade de rede – DEC e FEC – também acima da média.

Manutenção cara

Em situações como essas entram em cena as redes subterrâneas, assim mesmo no plural, porque o conceito admite várias configurações. A menos complexa acontece com a transferência do transformador do poste para debaixo da terra, criando-se um acesso para manutenção.

Trata-se ainda de uma configuração que pode ser melhorada a partir de uma dupla alimentação, a partir de duas subestações diferentes (A e B), com transformadores enterrados e próximos, mas em direções opostas. O fornecimento de energia para data centers acontece com esse modelo. “Caso uma linha seja perdida durante uma tempestade, pode-se chavear a alimentação para a outra subestação”, resume Gonçalves.

Rede da Copel tem 90 km (Foto: Agência Estadual de Notícias)

A arquitetura dupla não só agrega maior confiabilidade, pois elimina os postes, como também complexidade: precisa de licenciamento da prefeitura local – como os outros modelos – e maior mapeamento de outras infraestruturas. A escavação vai envolver obras que paralisam o trânsito, interferem nas calçadas e exigem contenção da área escavada, entre algumas das etapas.  

O enterramento igualmente vai exigir acessos para a realização de manutenção, que é outra demanda cara. Da mesma forma, as intervenções serão feitas em áreas confinadas que exigem, inclusive, o monitoramento de gases por questões de segurança. “E não estamos falando de galerias técnicas, que são construídas para compartilhamento de redes de outras concessionárias. É uma solução que não vingou no Brasil pela inviabilidade financeira”, adianta.

Mesmo a colocação de transformadores no nível do solo, no modelo mais simples, pode enfrentar a burocracia nas grandes cidades. As intervenções para a passagem dos cabos desde a subestação até o transformador terão que obedecer às regras de cada município.

Detalhe: a colocação das linhas poderá ser feita por meio de dutos ou diretamente no solo. No primeiro caso, a expansão da infraestrutura será mais fácil, apesar do custo inicial ser maior. As manobras para conserto de falhas, porém, são geralmente mais complexas do que ocorre com os cabos diretamente enterrados no solo.

O enterramento da infraestrutura também pode ser feito em áreas privadas, como condomínios, com o transformador sendo colocado em nível de solo e as linhas de energia chegando até as residências. Segundo o especialista, em alguns países há a ativação de transformadores de pequeno porte próximo às residências. Lembrando que os ativos de rede serão repassados para gestão da distribuidora, que precisa participar de todo o processo.

No custo das redes enterradas pesa ainda o tipo de equipamento. Embora a tecnologia de transformadores tenha mudado pouco, o uso de cabos que apresentam maior isolação beneficia a infraestrutura subterrânea, onde a temperatura de exposição é maior. No caso de detecção de falhas, as tecnologias avançaram, inclusive com uso de fibra óptica para monitorar temperatura e antecipar falhas.

Rede reticulada

A maior sofisticação em redes subterrâneas no Brasil é um sistema bastante adotado nos Estados Unidos, a configuração reticulada, com a média de três transformadores saindo de um circuito primário, cada um deles operando com 66% de capacidade. Caso um seja desativado, os outros dois assumem a metade da capacidade do equipamento desativado e passam a operar com 99% de capacidade.

“É o sistema implantado no centro velho de São Paulo e no Palácio do Planalto”, explica Gonçalves. “O modelo é caro, porque são instalados equipamentos sofisticados para operar com dois terços da capacidade”, completa. Embora seja cara, a arquitetura reticulada é destaque no Brasil, que teria duas das maiores redes desse tipo no mundo – Rio e São Paulo. Na Europa, de acordo com o especialista da Meggers, a infraestrutura subterrânea acontece em sua maior parte com cabos enterrados.

Além da ociosidade nos cabos e nos transformadores, o modelo reticulado exige a ativação de um dispositivo de segurança chamado de network protector (NWP), de custo igualmente elevado.

E por falar em segurança, as instalações subterrâneas estão preparadas para ficarem submersas, com a colocação dos equipamentos em caixas estanques. A vida útil será afetada, mas a infraestrutura pode ser reativada. Na retomada de uma rede, o padrão é a realização de testes e a troca de componentes afetados, como disjuntores.

A situação é diferente se a subestação é inundada, como foi o caso de Porto Alegre nos eventos desse ano. “Quando a água sobe 2 a 3 metros do solo, isso significa que painéis de controle estão sendo atingidos”, lembra o especialista. Os eventos no Rio Grande do Sul, inclusive, levaram a Aneel a retirar o lote com ativos no estado que seria leiloado no segundo certame de transmissão de 2024.

Sobre o uso das redes subterrâneas no combate aos eventos climáticos extremos, Gonçalves recorda que a principal causa da interrupção no fornecimento de energia nesses casos é a queda de árvores. “É o maior problema a ser atacado”, finaliza.

 


Os exemplos que vêm de outros países

A experiência internacional indica que o uso de redes subterrâneas varia de acordo com o país. A Alemanha, por exemplo, tem atualmente um dos projetos mais arrojados de enterramento de redes de transmissão, a SuedLink, ligando a geração eólica, no norte do País, à demanda no sul. Grande parte dos 700 km da rota será subterrânea e o empreendimento – que está atrasado – deve ser entregue em 2028.

Nos Estados Unidos, a meta atual envolveria o enterramento de pelo menos 50% da malha de distribuição até 2040. Algumas concessionárias se destacam atualmente, como a Fort Collins, que tem 99% da infraestrutura subterrânea. A Colorado Springs começou a enterrar as linhas na década de 1970, e sua rede é 77% subterrânea, com 99% de confiabilidade. Para quem está começando, caso da PG&E, a conta é salgada: na migração dos primeiros 10% de sua infraestrutura, a distribuidora estima um investimento entre US$ 15 e 30 bilhões.

Os norte-americanos também são exemplos de financiamento. De acordo com estudo do Ipea, as redes subterrâneas em alguns locais de alto poder aquisitivo são um dos focos de expansão, sendo os custos compartilhados com os moradores beneficiados. A Argentina, que teria adotado uma regulação mais impositiva para a ativação de infraestrutura enterrada, também é citada como um modelo a não ser seguido. Na avaliação do Ipea, a imposição não estimulou o avanço desse tipo de malha. Para os pesquisadores, o compartilhamento de infraestrutura, caso das galerias técnicas, poderia ser mais produtivo. (N.V.)

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