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Soluções tecnológicas e regulação contra eventos severos

Iniciativas da EDP, Celesc e Argo Energia indicam que as normas do setor precisam ser revisitadas e mostram recursos já existentes para enfrentar as mudanças climáticas

Por Nelson Valencio

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Balneário Camboriú: Celesc, que atende a cidade com maior densidade populacional do Brasil durante o verão, seccionou a rede para evitar grande impacto caso haja falha no sistema. Foto: PMBC/Divulgação

A transição energética no Brasil vai exigir muito das áreas de transmissão e distribuição na avaliação de Cyro Boccuzzi, especialista em infraestrutura. Segundo ele, serão necessários R$ 350 bilhões até 2028 e, desse total, 37% seriam investidos somente em soluções para combater os efeitos dos eventos climáticos severos.

Em conversa com a Brasil Energia, ele destacou que as mudanças climáticas têm elevado o nível de exigência da regulação, especialmente sobre as distribuidoras. A pressão é para que elas se preparem melhor, tanto do ponto de vista técnico quanto operacional.

Um exemplo é o da Celesc, que atende a cidade com maior densidade populacional do Brasil durante o verão: Balneário Camboriú. A concentração de prédios altos na principal avenida do município fez com que a distribuidora seccionasse a rede, evitando que uma falha no sistema possa afetar um grande número de locais e de turistas.

Boccuzzi lembra que o estado já vinha se organizando nos últimos anos para enfrentar eventos como os ciclones bombas. Essa organização envolve todas as companhias de serviços públicos, governo e Defesa Civil. Outra iniciativa são os investimentos em gestão, incluindo o despacho otimizado de equipes de campo durante eventos atípicos.

Outras duas concessionárias ouvidas por essa reportagem – EDP e Argo Energia - confirmam a pauta climática como prioritária.

“O primeiro passo na resiliência das redes é deixá-las mais robustas, com investimentos em novas subestações, linhas e automação, de forma a automatizar a infraestrutura”, resume Marcos Campos, diretor Geral da EDP São Paulo.

Estação de Transformação de Energia Bonsucesso, da EDP, em Itaquaquecetuba (SP): empresa dobrou investimentos e instalou uma subestação a cada seis meses nos últimos cinco anos (Foto: Divulgação/EDP)

De acordo com ele, uma rede robusta oferece mais alternativas durante eventos climáticos. Essa estratégia permite a transferência de cargas e a correção rápida das falhas. Campos explica que a ação da EDP – para enfrentar o novo normal climático - foi investir em rede. Para ele, o aporte somente na depreciação natural dos ativos não é suficiente.

“Temos que fazer além do mínimo, que é uma vez a quota de reintegração regulatória (QRR). Precisamos investir entre 2,5 e 3 vezes esse mínimo, porque aí há espaço para modernizar a rede”.

Campos lembra que a EDP, como grupo, dobrou seus investimentos nos últimos quatro anos em relação aos quatro anos anteriores. Outra métrica ilustrativa é a implantação de uma subestação a cada seis meses nos últimos cinco anos. E mais: a distribuidora dobrou o número de religadores automáticos, tendo atingido, no ano passado, 80% dos seus consumidores com autorrecuperação (self healing).

O conceito não é novo, mas, como destaca o diretor, a extensão da cobertura combinada com maior sensoriamento da rede faz diferença e cria um ambiente 2.0 para a tecnologia.

“São precisos muitos equipamentos para fazer a transferência de carga e agora, mais de dez anos depois, estamos tendo resultados melhores, inclusive porque temos uma rede de telecomunicações também robusta e autônoma”.

Para avançar, Campos avalia que é necessário um reconhecimento mais adequado dos investimentos. A discussão envolve engenharia e regulação, como é o caso da resistência de torres metálicas, hoje expostas a ventos acima de 180 km/h em muitas situações, quando a norma estipula métricas de 140 km/h.

O reconhecimento citado pelo executivo da EDP também é pauta na Argo Energia, segundo Beatriz Tavares, superintendente de Operação e Manutenção da transmissora. Com nove concessões no país, a empresa responde por pouco mais de 4,1 mil km de linhas de transmissão e 34 subestações em dez estados.

Concessão Argo III (RO), de 320 km: com nove concessões no país e mais de 4,1 mil km de linhas de transmissão, Argo avalia efeitos dos ventos na malha (Foto: Divulgação/Argo)

Para dar conta dos desafios climáticos, a transmissora investe, entre outras frentes, em maior conhecimento sobre esses eventos. Foi o que fez em Pernambuco, onde avalia o efeito dos ventos na malha de 315 km de linhas de transmissão e cinco subestações.

Dois episódios recentes de enroscamento de cabos em pontos dessa linha – devido aos ventos fortes – resultaram em penalização para a Argo. Apesar dos laudos comprovando que eram atípicos, a transmissora não conseguiu convencer a Aneel da classificação deles como eventos fortuitos.

Para Beatriz, os acontecimentos extrapolaram os limites técnicos reconhecidos no setor. Como é possível que eventos como esse se repitam, ela conta com a ação institucional da Abrate - a associação das transmissoras – para uma reavaliação da regulação específica. Enquanto isso não acontece, ela adianta que a Argo tem feito reforços na infraestrutura.

A diversidade de atuação trouxe desafios como as descargas atmosféricas acima da média e a poluição, entre outros problemas. Beatriz destaca que a Argo tem trabalhado em algumas frentes, caso do estudo de P&D com a USP para avaliar os efeitos de corrosão em isoladores de subestações no Ceará e Maranhão.

O projeto usa sensores para coletar dados e inteligência artificial para ajudar no processamento das informações. O relatório da iniciativa, previsto para ser finalizado em maio próximo, vai avaliar como a concessionária poderá monitorar a degradação dos dispositivos e como a mudança climática está afetando sua infraestrutura.

“Vamos ter um modelo para avaliar os efeitos das condições climáticas em qualquer região”, explica a superintendente, deixando claro que a ideia é replicar a avaliação para outras concessões do grupo. Uma das vantagens será programar o desligamento das instalações no tempo mais adequado para a manutenção.

Lucas Poersch, gerente de Vendas na Prysmian, especialista em cabos para distribuição e transmissão, sabe que as concessionárias vão continuar sendo afetadas e por isso aposta em mais tecnologia para combater os eventos severos.

A primeira delas é atuar no escopo 3 da redução de emissão de CO₂ (participação dos fornecedores no esforço das empresas), substituindo cabos tradicionais de rede por produtos sustentáveis.

Ele conta que as concessionárias locais têm testado materiais de origem vegetal, como cana de açúcar, em vez de componentes à base de petróleo. Tecnicamente idênticos aos convencionais, os cabos recobertos com materiais sustentáveis emitem até cinco vezes menos CO₂ em sua confecção.

Laboratório de Alta Tensão da Prysmian em Poços de Caldas (MG): empresa desenvolve cabos recobertos com materiais sustentáveis e ligas mais resistentes (Foto: Divulgação/Prysmian)

O desenvolvimento de ligas mais resistentes, caso da 1120, é outra possibilidade de aplicação em cabos de transmissão, mas também tecnicamente viáveis em redes de distribuição, na avaliação do especialista.

Os revestimentos cerâmicos igualmente fazem parte do escopo de opções e cabos com esse tipo de material ofereceriam ganhos importantes na dissipação térmica, permitindo o aumento da potência transmitida por uma mesma seção. “É ideal para projetos de repotencialização de linhas antigas, evitando a necessidade de troca completa da infraestrutura”, defende.

Assim como Campos e Beatriz, Poersch destaca que a adoção de novas tecnologias sempre vai envolver o aspecto regulatório.

“Os cabos com revestimento cerâmico também contribuem para a redução de perdas elétricas, pois trabalham com menor aquecimento”, exemplifica. “Mas como as perdas em média tensão são calculadas e não medidas, o uso desse tipo de tecnologia não é valorizado adequadamente na remuneração atual”, finaliza.

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