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Tecnologia e Diálogo otimizam licenciamento na Transmissão

Como tecnologias e boas práticas que envolvem relacionamento entre concessionárias, órgãos ambientais e instituições, como Incra e Funai, otimizam o licenciamento

Por Nelson Valencio

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Drones usados para o lançamento de cabos-guia, em casos de alteamento de torres, minimizam a supressão de vegetação (Foto: Divulgação/Grupo DR1)

A expansão da transmissão no Brasil tem números sólidos, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE): investimentos de R$ 128 bilhões para o período de 2025 a 2034 em novos projetos. Outros R$ 39 bilhões devem ser aplicados em iniciativas de renovação da rede. Com cronogramas restritos, o licenciamento ambiental é um ponto crítico do processo. Para os especialistas ouvidos pela Brasil Energia, a resposta aos desafios envolve diálogo e tecnologia.

Michael Goulart (foto), diretor de Inovação e ESG da Ambientare, empresa de consultoria especializada em transmissão, prega que todos os envolvidos estejam “na mesma página”. Segundo ele, o objetivo da articulação com os órgãos ambientais e intervenientes não é encontrar atalhos, mas sim "alinhar a regra do jogo".

O ajuste prévio permite que o empreendedor saiba qual é o risco do projeto e qual o cronograma estimado para obter as licenças.

Um exemplo real é um projeto que havia sido iniciado por uma transmissora e foi continuado por outra empresa. A modificação exigia uma nova avaliação do Ibama, por envolver áreas federais.

A coordenação próxima com o órgão federal permitiu o uso e atualização pontual de estudos anteriores, resultando em uma licença prévia rápida – 7 meses – contra o tempo esperado de 12 meses. A diferença pode parecer pequena, mas cinco meses contam muito no avanço de obras.

“Quanto mais rápido o empreendedor conseguir licenciar e implantar um projeto, mais rápido ele terá o retorno financeiro do investimento. Os projetos de transmissão possuem retorno por antecipação, o que faz da agilidade um fator crucial”, resume Goulart.

O diálogo sozinho não resolve tudo, pela experiência do especialista. Ele agrega dois outros pontos de atenção: a qualidade técnica dos estudos de licenciamento e a gestão integrada e simplificada dos processos.

No primeiro caso, é fundamental investir na qualidade para que os pedidos dos órgãos sejam atendidos de forma eficiente. Em relação aos processos, a prática de pré-análise e pré-viabilidade, que começou a se consolidar por volta de 2015, ajuda a identificar todos os órgãos que vão influir no licenciamento.

Lembrando que os intervenientes podem aparecer de vários lados, seja o Incra para comunidades quilombolas, ICMBio para unidades de conservação, Funai para terras indígenas e Iphan para patrimônio arqueológico.

Mayla Fukushima (foto), diretora de Avaliação e Impacto Ambiental da Cetesb, concorda que a interlocução prévia com intervenientes é uma das boas práticas. A especialista do órgão de licenciamento paulista tem um ponto de vista similar ao de Goulart na questão de adiantar as demandas.

“As concessionárias que entram com o licenciamento logo após a assinatura do contrato – ou até mesmo com estudos antes do leilão – tendem a ter licenças prévias emitidas mais rapidamente, mesmo em projetos complexos”, resume.

Na avaliação de Mayla, o planejamento antecipado permite que as transmissoras compreendam a legislação estadual e as restrições ambientais incidentes sobre a obra. “Conhecer o território antecipadamente ajuda a identificar entraves e evitar atrasos”, reforça.

Na lista da diretora, outro ponto chave é que a área de engenharia da concessionária esteja integrada com os especialistas internos e com os consultores ambientais. Isso faz com que premissas ambientais, que podem minimizar impactos, sejam adotadas desde as primeiras etapas de projetos.

Entram nessa linha de pensamento a avaliação de diversas alternativas de traçado e tecnologias que minimizam impactos físicos, bióticos e socioeconômicos. “O ideal é que o projeto seja ajustado ao território e não o contrário”, explica Mayla.

Goulart lembra que análises prévias de viabilidade socioambiental para leilões não têm segredo. Como a Aneel delimita um corredor de até 10 km (5 km para cada lado) no trajeto das linhas de transmissão, o trabalho dos técnicos é acessar as bases públicas de órgãos como Iphan, ICMBio e Incra para identificar áreas sensíveis (comunidades quilombolas, terras indígenas, unidades de conservação) e os órgãos intervenientes que devem ser acionados.

Projeto Marituba, da Sterlite, no Pará: empresa indiana já adotou modelagem preditiva com imagens em linha de 2.000 km para tornar o licenciamento mais eficiente (Foto: Divulgação/Sterlite)

A tecnologia também entra nessa jornada desde o começo, caso das fotos de campo georreferenciadas, garantindo a localização exata de cada ponto de estudo.

“Os dados são sincronizados em tempo real assim que os técnicos em campo têm acesso à internet, permitindo que a equipe do escritório comece a trabalhar nos relatórios enquanto o trabalho de campo ainda está em andamento, agilizando o processamento das informações”, detalha.

Outro recurso usado atualmente é a centralização da gestão de todos os dados do projeto: cronograma, plano de trabalho, documentos, contratos, dados socioeconômicos, registros de ouvidoria, informações fundiárias e judiciais, além das inspeções ambientais.

A iniciativa permite a visualização tridimensional do empreendimento, incluindo torres e linhas de transmissão, e facilita a tomada de decisão durante o projeto.

Um exemplo prático da Ambientare foi o licenciamento de uma linha de transmissão da indiana Sterlite. Em vez de percorrer os 2 mil km de linha, a modelagem preditiva com imagens permitiu o foco em áreas onde o levantamento indicava maior potencial arqueológico, o que tornou o licenciamento mais eficiente.

O uso de satélites que passam mais de uma vez por determinada área igualmente ajuda a definir regiões que demandam visitas presenciais. A combinação desse recurso com o acionamento de drones também agiliza o trabalho das concessionárias. Os drones são empregados para levantamentos em áreas de difícil acesso, reduzindo o número de dias em campo e melhorando a qualidade da informação.

Na fase de implantação, eles podem ainda ser usados para o lançamento de cabos-guia, em casos de alteamento de torres, minimizando a supressão de vegetação. O alteamento, aliás, foi indicado pela Cetesb para pontos de obras prioritárias em São Paulo, o que simplificou o licenciamento.

O investimento das concessionárias passa ainda pela digitalização. Goulart dá como exemplos a Engie, que montou um departamento focado somente na gestão de ativos em construção, com forte base tecnológica, e a Alupar, com portal exclusivo para o mesmo tipo de gestão e contratação de consultores. Na área estadual, ele cita Goiás, com um sistema de licenciamento completamente digital, além do Ibama, com um banco integrado de estudos ambientais.

“Essas inovações e a crescente maturidade do setor aceleram o licenciamento e garantem maior fidelidade dos dados, resultando em projetos mais eficientes e sustentáveis”, finaliza o especialista.

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