Geração elétrica a biogás avança em usos industriais e urbanos
Revista Brasil Energia | Termelétricas e Segurança Energética
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Geração elétrica a biogás avança em usos industriais e urbanos
Dois projetos, em SP e PR, embora inseridos em realidades distintas, convergem em um ponto central: demonstram que o biogás deixou de ser uma solução pontual para se afirmar como ativo energético estratégico
A produção de energia elétrica a partir do biogás começa a ocupar um espaço cada vez mais estratégico no setor elétrico brasileiro, não apenas por seus ganhos ambientais, mas também por atributos técnicos capazes de contribuir diretamente para a segurança e a operação do sistema.
Estudo da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás) estima que o potencial teórico nacional de produção de biogás alcance cerca de 77 bilhões de Nm3/ano, provenientes principalmente de resíduos agroindustriais, da cadeia de proteína animal, do setor sucroenergético, do saneamento e dos resíduos sólidos urbanos.
Convertido em eletricidade, esse volume poderia resultar, em um cenário moderado, em até 5 GW médios já em 2030, com geração distribuída próxima à carga, estável, programável e não sujeita à intermitência climática.
Mas, além da escala, o biogás se diferencia por atributos eletroenergéticos raros entre as fontes renováveis. Por ser armazenável, despachável e modulável, ele permite resposta rápida às variações da carga, podendo atuar na ponta do sistema, complementar às fontes solar e eólica, e reduzir a pressão sobre os reservatórios hidrelétricos, hoje responsáveis pela maior parte da flexibilidade do Sistema Interligado Nacional.
Ainda para o estudo da Abiogás, a energia a biogás é capaz de reduzir perdas, aliviar congestionamentos nas redes de distribuição e postergar investimentos em infraestrutura, além de contribuir para a mitigação de emissões de metano - um dos gases de efeito estufa mais intensos - ao transformar um passivo ambiental em ativo energético.
Dois novos cases
O potencial térmico a biogás no Brasil é expressivo. O país reúne condições favoráveis em cadeias como agroindústria, saneamento, resíduos sólidos urbanos e produção de biocombustíveis, setores intensivos em matéria orgânica e com elevada demanda energética. Dois projetos em implantação e operação - no grupo Potencial, no Paraná, e na Urbam, da prefeitura de São José dos Campos (SP) - ilustram de forma concreta esse movimento e ajudam a dimensionar o alcance da alternativa.

Na nova ETE da Potencial, que tratará efluentes de 14 fábricas do complexo, uma lagoa anaeróbica biodigestora degradará 80% da carga orgânica, gerando, “como bônus”, cerca de 24 mil m3/dia de biogás (Imagem: Divulgação/Potencial)
No município da Lapa, a cerca de 70 quilômetros de Curitiba, o grupo Potencial conduz um projeto abrangente de integração entre saneamento industrial, cogeração e autoprodução de energia elétrica a partir do biogás.
O conglomerado atua na produção de biodiesel, processamento de óleos vegetais e gorduras animais e refino de glicerina, além de se planejar para entrar na produção de etanol de milho, e estruturou um plano de expansão que tem no sistema energético um de seus eixos centrais.
A execução do empreendimento teve início em dezembro deste ano, com start-up previsto para dezembro de 2026, acompanhando o crescimento industrial da empresa, projetado para o fim da década.
O coração do projeto é uma nova e complexa estação de tratamento de efluentes (ETE), com investimentos superiores a R$ 120 milhões, podendo alcançar cerca de R$ 130 milhões ao final da implantação.
Em uma etapa posterior final da estação, que tratará efluentes de 14 fábricas do complexo da Potencial, uma lagoa anaeróbica biodigestora, com cerca de 17 mil m2, degradará aproximadamente 80% da carga orgânica, sem uso intensivo de produtos químicos, e, “como bônus”, viabilizará a geração contínua de biogás, estimada em cerca de 24 mil m3/dia.
Esse volume de biogás será integralmente aproveitado no sistema energético do complexo, alimentando uma caldeira de alta pressão, projetada para operar de forma flexível com biogás, cavaco de madeira e gás natural.
Embora o biogás represente cerca de 15% da demanda total da caldeira em termos energéticos, sua contribuição deve ser estratégica para reduzir o consumo de combustíveis fósseis e os custos operacionais. “O biogás gerado no tratamento de efluentes será totalmente aproveitado na cogeração de eletricidade, integrando saneamento e energia no mesmo sistema”, disse Robson Antunes (foto), diretor de operações do grupo Potencial.
A caldeira, do tipo leito fluidizado, tem capacidade para produzir cerca de 85 t/h de vapor. O vapor de alta pressão alimentará um sistema de cogeração equipado com turbogerador, com turbina TGM e gerador elétrico da WEG, com potência instalada de 12 MW.
Parte do vapor expandido retorna ao processo industrial em baixa pressão, enquanto a água condensada é reaproveitada no próprio sistema, fechando o ciclo hídrico e energético do complexo. Na fase inicial, o consumo interno de eletricidade deve ficar em torno de 8 MW, permitindo um excedente próximo de 4 MW, passível de comercialização. Até 2028, com todas as novas plantas em operação, 100% da energia será consumida internamente.
O projeto energético está diretamente ligado ao plano de expansão industrial do grupo, que inclui novas fábricas de biodiesel, glicerina, glicerose e pré-tratamento, além da entrada em operação de uma esmagadora de soja a partir de 2026.
A produção de biodiesel, hoje em torno de 3,2 milhões de l/dia, deve alcançar 4 milhões de litros diários até o fim de 2026. Em etapas posteriores, a partir de 2028, estão previstas ainda plantas de etanol de milho, em três fases sucessivas, cada uma delas com sistemas próprios de cogeração, o que vai elevar a capacidade instalada total do complexo para até 48 MW. Estudos avaliam, inclusive, o aproveitamento de resíduos dessas plantas para geração adicional de biogás.
Em aterro
Se no ambiente agroindustrial o biogás se consolida como instrumento de eficiência e autoprodução, no setor de resíduos urbanos ele também avança como alternativa concreta de geração distribuída e mitigação de emissões.
Em São José dos Campos, a Urbam — empresa pública municipal responsável pela gestão de resíduos sólidos e serviços urbanos - colocou em operação, em março de 2024, a chamada Unidade Geradora de Energia Elétrica a partir do Biogás (UGEEB), com 1,6 MW de capacidade instalada, baseada no aproveitamento do metano gerado no aterro sanitário municipal.
O projeto foi estruturado com um objetivo duplo: reduzir as emissões de gases de efeito estufa associadas ao metano e diminuir os gastos da administração municipal com energia elétrica.
A usina atende cerca de 30% do consumo dos prédios públicos do município, como escolas, hospitais e unidades administrativas, com geração distribuída compartilhada e compensação de créditos. “Transformamos um problema ambiental em uma solução energética, com impacto direto na conta de energia do município”, disse o diretor-presidente da Urbam, Ricardo Minoru (foto).
A UGEEB foi dimensionada a partir de estudos que indicam vazão média de biogás de aproximadamente 1.000 Nm³/h no aterro. O sistema de captação conta com rede de drenos distribuídos pelas células, conduzindo o gás até a central de tratamento, onde passa por desumidificação e remoção de contaminantes como o sulfeto de hidrogênio, garantindo estabilidade aos motogeradores. O controle operacional é diário, com medições em cada poço para ajuste de vazão, pressão e teor de metano.
Do ponto de vista tecnológico, a opção foi por um arranjo modular, com seis motogeradores de 260 kW cada, equipados com motores Scania OC13 e alternadores WEG. Segundo Minoru, a configuração aumenta a flexibilidade, permite geração contínua durante manutenções e reduz riscos operacionais.
A conexão à rede exigiu estudo de acesso junto à concessionária local (EDP), além de sistemas de proteção, medição bidirecional e supervisão em conformidade com as normas da Aneel.
O investimento total foi de cerca de R$ 11 milhões, abrangendo captação e tratamento do biogás, geração elétrica e infraestrutura de conexão. A economia mensal supera R$ 214 mil, com horizonte de abatimento das faturas estimado em até 60 meses. A vida útil do aterro como fonte de biogás é projetada entre 10 e 15 anos, com possibilidade de ajustes conforme a evolução da curva de produção do gás.
Os dois projetos, na Potencial e na Urbam, embora inseridos em realidades distintas, convergem em um ponto central: demonstram que o biogás deixou de ser uma solução pontual para se afirmar como ativo energético estratégico.
No agroindustrial, ele se integra à cogeração e à autoprodução em larga escala. Nos aterros, viabiliza geração distribuída, redução de emissões e economia de recursos públicos. Juntos, esses casos reforçam o papel do biogás como um caminho promissor para ampliar a participação de fontes renováveis, descentralizadas e eficientes na matriz elétrica brasileira.



