Opinião

Integração da Geração Eólica no Sistema Elétrico Brasileiro: Desafios e Soluções

Dado que a geração eólica é não despachável, torna-se necessário que a demanda seja mais controlável, o que pode ser obtido por meio de estratégias que permitam gerenciar a variabilidade

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O Setor Elétrico Brasileiro – SEB tem passado por transformações significativas na última década. O Plano Decenal de Expansão de Energia – PDE 2024 indica uma participação das fontes renováveis na matriz de geração de energia elétrica nacional próxima de 86% em 2024, com destaque para a energia eólica, cuja expansão no período contribuirá para o acréscimo de 20 GW de capacidade para o sistema.

Embora a matriz de energia elétrica permaneça no futuro próximo fortemente calcada na energia hidráulica, observa-se expressivo crescimento das fontes renováveis não-hídricas, sinalizando o início do processo de maior diversificação da Matriz.

A Figura 1 apresenta o acréscimo anual de capacidade instalada por fonte. Destaca-se a expressiva participação das fontes eólica e solar na expansão contratada. Por sua vez, a Figura 2 apresenta a expansão futura desagregada por região. Observa-se, então, que a maior parte da expansão hidrelétrica no período concentra-se na região norte, em projetos com baixa capacidade de reservação. Observa-se, também, uma forte expansão da geração eólica e solar na região nordeste.

Figura 1: Acréscimo Anual de Capacidade Instalada por Fonte.

Fonte: PDE 2024

Embora haja significativa variação ao longo do ano, em praticamente todo o país os ventos mais intensos ocorrem no inverno e na primavera, sobretudo, entre os meses de agosto e novembro. Nesse período, os aerogeradores apresentam os maiores fatores de capacidade, conforme ilustra a Figura 3.

Destaca-se que a sazonalidade do aporte hídrico nos principais reservatórios do Sistema Interligado Nacional – SIN é complementar à sazonalidade eólica, uma vez que o maior volume de águas ocorre entre os meses de novembro e março.

Figura 2: Participação Regional da Capacidade Instalada no SIN.

Fonte: PDE 2024

A expansão da oferta baseada em hidrelétricas a fio d’água e fontes renováveis intermitentes traz novos desafios para a operação do sistema elétrico e a necessidade de soluções práticas e eficientes. O paradigma tradicional da operação pressupõe geração controlável e demanda variável. Os processos relativos à programação da operação e à operação em tempo real são estruturados de modo a assegurar o balanço entre carga estocástica e geração controlável.

Figura 3: Geração Eólica no SIN.

Fonte: Boletim Mensal de Geração Eólica – Agosto/2017 – ONS

O uso disseminado da geração eólica e solar requer a adoção do paradigma inverso: geração variável e demanda controlável. Dado que a geração eólica e solar é não despachável – o Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS não controla o nível de irradiação solar nem as condições de circulação atmosférica – torna-se necessário que a demanda seja mais controlável, o que pode ser obtido por meio de estratégias que permitam gerenciar a variabilidade mediante uma combinação de resposta da demanda, armazenamento de energia, recursos flexíveis e metodologias avançadas de previsão de geração eólica, com vistas a maximizar o uso eficiente dos ativos existentes.

Estudos de caso, projetos-piloto e consultas públicas são ferramentas essenciais na fase inicial de prospecção e avaliação de desenhos alternativos de modo a assegurar que os modelos e estratégias utilizados no planejamento e programação da operação são válidos e implementáveis em larga escala. Nesse sentido, apresentam-se alguns exemplos de aprimoramentos regulatórios em curso em face da integração da geração eólica no sistema.

Resposta da Demanda para Consumidores Industriais

No submercado Nordeste, a geração eólica chega a atender até 56% da carga diária da região, podendo variar 1.000 MW no intervalo de meia hora, com diferenças entre os valores programados e os verificados podendo chegar a 2.000 MW.

Essa nova realidade, alinhada à escassez hídrica enfrentada pelas hidrelétricas da região NE, tem demandado ao ONS despachar usinas térmicas fora da ordem de mérito para atender a variação da carga ao longo do dia.

Em 22 de agosto de 2017, a ANEEL abriu Audiência Pública com o objetivo de colher subsídios para a regulamentação do projeto piloto de Resposta da Demanda para consumidores industriais. As contribuições foram recebidas de 23/8 a 7/10/2017, por via documental.

Dentre os objetivos desse projeto piloto, destacam-se: (i) testar o interesse e aferir o potencial dos consumidores em relação à participação na operação do sistema por meio da sua redução/alívio da carga; (ii) ampliar as medidas operativas disponíveis para o ONS operar com segurança e confiabilidade o SIN; (iii) analisar os reflexos dessas medidas na operação eletroenergética do SIN; e (iv) induzir o aprendizado das instituições e empresas envolvidas, em especial em relação aos processos referentes ao despacho, à redução da carga, à contabilização e liquidação do serviço prestado.

O Brasil ainda não conta com preço de curto prazo horário e com tarifa final de base horária. Assim, o programa de Resposta da Demanda também tem o objetivo de, frente à atual estrutura de preços e tarifas, promover os incentivos e sinais econômicos adequados para permitir alteração do comportamento do consumidor em decorrência da racionalização dos recursos disponíveis.

A proposta contempla a oferta de produtos pelos interessados em dois leilões: um (D-1) com aviso prévio para despacho no dia anterior à redução da carga (até as 18h); e outro (D-0) com aviso prévio dentro do mesmo dia da redução da carga (até as 9h). O ONS deve utilizar os produtos do D-0 somente quando as previsões de carga e de geração eólica do dia do despacho apresentarem desvios significativos em relação às previsões do dia anterior.

A redução da demanda, em atendimento ao programa de Resposta da Demanda, será valorada pela diferença entre o preço da última oferta vencedora e o Preço de Liquidação das Diferenças – PLD.

A contabilização e a liquidação serão realizadas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE e o serviço prestado será remunerado por meio de Encargo de Serviço de Sistema – ESS, a ser rateado pelos agentes que suportariam os custos dos despachos fora da ordem de mérito substituídos pela Resposta da Demanda.

Mitigação do Risco de Variabilidade na Geração Eólica

Eventuais mecanismos para mitigação do impacto da alta variabilidade e da limitada previsibilidade da geração eólica devem ser avaliados em conjunto com os mecanismos contratuais ou regulatórios atualmente disponíveis no SEB para mitigação do risco de volume, aqui entendido como o desvio entre a quantidade de energia efetivamente produzida relativamente àquela prevista.

Dado que a maior parte da energia produzida no SEB é oriunda de fonte hidrelétrica, é fundamental a discussão acerca do papel do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE como principal mecanismo para diversificação do risco de variabilidade de geração no sistema.

A Figura 4 apresenta os intercâmbios programados e realizados para o subsistema Nordeste. Observa-se que no período de outubro de 2015 a setembro de 2016, a importação pelo subsistema Nordeste foi cerca de 1.500 MWmédios inferior à programação estabelecida no modelo Decomp. Essa realização a menor em comparação à programação de intercâmbio para o Nordeste foi, em alguma medida, justificada pela necessidade de se compensar as variações da geração eólica.

Figura 4: Recebimento de Energia por Subsistema.

Fonte: Nota Técnica nº 163/2016-SRG/ANEEL.

A consequência dessa operação de intercâmbio é a realização de um recebimento físico pelo subsistema Nordeste inferior ao recebimento comercial de energia no âmbito do MRE por esse submercado.

Dado que os Excedentes Financeiros são dependentes da transferência física de energia entre submercados com PLDs diferentes e as Exposições Financeiras do MRE são dependentes da alocação comercial de energia nos submercados, quanto maior a diferença entre o intercâmbio físico e a alocação de energia para um determinado submercado, maior será a diferença entre os Excedentes Financeiros e as Exposições Financeiras do MRE. O que pode resultar, ao fim e ao cabo, em exposições residuais para os geradores hidrelétricos participantes do MRE.

Com efeito, a forma como o ONS vem operando os fluxos de intercâmbio de energia para o subsistema Nordeste de modo mitigar a variabilidade da geração eólica possui rebatimentos comerciais relevantes na formação das exposições residuais a que estão sujeitos os geradores participantes do MRE.

Esse tema foi objeto da Consulta Pública nº 01/2017 e ainda se encontra em análise pelo Órgão Regulador. A premissa básica para os aprimoramentos necessários pressupõe a participação equilibrada das fontes renováveis não despacháveis no atendimento às necessidades do sistema, sem implicar, contudo, a alocação de novos custos não gerenciáveis para o parque gerador hidrotérmico existente. Caso seja necessário, deve-se buscar a ampliação do conjunto de serviços ancilares disponíveis para os agentes, de modo a remunerá-los conforme os diferentes atributos requeridos pela operação do sistema.

Reserva de Potência Operativa

Com a redução da capacidade de regularização dos reservatórios das usinas hidrelétricas, as usinas termelétricas passaram a ser despachadas com maior frequência, principalmente na região Nordeste, para compensar variações da geração intermitente. As Figuras 5 e 6 ilustram a elevada variabilidade da geração eólica.

Figura 5: Variabilidade Intradiária da Geração Eólica.

Fonte: ONS.

 

Figura 6: Variabilidade Diária da Geração Eólica.

Fonte: ONS.

Ressalta-se que as modulações na frequência de despacho termelétrico na região nordeste se mostraram mais frequentes no período de maior restrição hidráulica nas usinas desse submercado, quando o ONS buscou otimizar os recursos existentes, observando as restrições operativas hidráulicas e despachando termelétricas no mínimo necessário para fazer frente às variações de carga, de geração eólica e alterações nos limites de intercâmbio para essa região.

Esses arranjos operativos, conquanto necessários para garantir a estabilidade da rede elétrica e a operação dentro dos padrões de segurança e confiabilidade estabelecidos, poderiam trazer alguma onerosidade para os geradores termelétricos decorrente da antecipação das manutenções profundas (overhauls) e do excesso de modulação dessas usinas, com aumento dos custos de partida e de desligamento.

Com efeito, por meio da Nota Técnica nº 158/2016-SRG/ANEEL, de 23 de dezembro de 2016, a SRG recomendou abertura de consulta pública com vistas a obter subsídios para metodologia de recomposição da estrutura de custos variáveis da geração termelétrica nessas condições.

Após a análise das contribuições, a SRG emitiu a Nota Técnica nº 129/2017-SRG/ANEEL, de 11 de outubro de 2017, submetendo à Diretoria da ANEEL uma proposta de normativo para tratamento regulatório dos despachos de usinas termelétricas para controle de frequência complementar do sistema elétrico.

Entende-se por controle de frequência complementar, o controle realizado por unidades geradoras de usinas termelétricas despachadas centralizadamente, a partir de reserva de potência operativa, destinado a recuperar as reservas de potência operativa primária e secundária e a capacidade de intercâmbio entre áreas de controle, para reestabelecimento da segurança operativa do sistema elétrico.

A proposta de criação de um serviço ancilar adicional tem por objetivo dotar o ONS e os agentes de geração de uma estrutura regulatória que propicie, com segurança e transparência, um maior gerenciamento na disponibilização de potência para atendimento da carga nas etapas de programação diária e operação em tempo real, bem como no dimensionamento da reserva de potência necessária para suprir as eventuais intermitências da geração eólica ao longo do dia, de modo a se manter o fluxo do intercâmbio para o submercado NE dentro dos limites elétricos predefinidos.

Figura 7: Atendimento Energético à Região Nordeste.

Fonte: ONS.

A valoração desse serviço, nos termos da proposta, é que seja baseada em declaração dos agentes geradores e o despacho realizado pelo ONS para atendimento ao serviço seja efetuado observando a otimização dos recursos. Essas declarações englobariam tanto custos relacionados à redução da eficiência das unidades geradoras quanto custos com manutenções advindas do despacho modulado, o que inclui o overhaul.

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