Opinião

O Potencial Eólico Offshore do Brasil

A energia eólica offshore ainda representa apenas cerca de 8% da capacidade de geração de energia renovável. É neste contexto que este artigo traz uma perspectiva do potencial do Brasil de acordo com os estudos mais recentes

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De acordo com GWEC (2018), o aproveitamento da energia eólica para geração elétrica atingiu 539 GW em 2017. Desse total, menos de 20 GW são aproveitamentos em mar (“offshore”). Mesmo na Europa (região que concentra maior parte da capacidade offshore atual), a energia eólica offshore ainda representa apenas cerca de 8% da capacidade de geração de energia renovável.

Uma razão para a participação ainda modesta da eólica offshore na matriz elétrica dos países com este recurso reside no fato de que os riscos e os custos associados são relativamente altos. A superfície marinha é um ambiente severo: ondas, tempestades e água salgada exigem que os equipamentos sejam especiais para suportar condições adversas, resultando em aumento de custos de instalação e manutenção. Há ainda preocupações com o possível impacto à vida marinha provocado pelas turbinas e pelos campos eletromagnéticos associados às linhas de transmissão submarinas, mesmo que, do ponto de vista ambiental, considere-se que haja relativamente menos restrições às instalações em mar. Além disso, as atividades de operação e manutenção são mais complexas, os fundamentos para o crescimento da energia eólica offshore são menos maduros do que os da energia solar ou eólica em terra e a indústria ainda não apresenta escala suficiente.

Por outro lado, de acordo com HOLM, SUNAK e RUBEL (2018), há uma perspectiva favorável de a eólica offshore sair de um simples “nicho de mercado para ser a principal fonte de energia renovável ao redor do mundo”. Em primeiro lugar, em alto mar, onde não há obstruções de terrenos e edifícios, os ventos costumam ter velocidades superiores e mais constantes, o que implica maior geração de eletricidade com uma mesma turbina, ceteris paribus. Há também menos restrições sobre tamanho e altura das turbinas que em projetos em terra, sendo que atualmente já estão em operação turbinas de 8 MW e com rotor de 195 m de altura. Em muitos casos, o aproveitamento eólico offshore também é vantajoso por estar próximo a importantes centros de carga localizados perto da costa, como no caso do Brasil e nos EUA. Além disso, a crescente limitação de locais apropriados em terra para novos empreendimentos (notadamente na Europa) empurra os projetos para o mar. Outro fator positivo é que os governos europeus têm mostrado interesse na expansão offshore com políticas específicas em relação aos custos do projeto, desenvolvimento de sítios e construção de linhas de transmissão. Por fim, atores ligados à exploração e produção offshore de petróleo têm mostrado grande interesse no negócio de eólica offshore.

É neste contexto que este artigo traz uma perspectiva do potencial do Brasil de acordo com os estudos mais recentes da EPE (EPE, 2018a e EPE, 2018b) e levando-se em conta o atual panorama mundial sobre tecnologia e custos do aproveitamento eólico offshore.

Contexto tecnológico e perspectivas de custo

Nos últimos anos, os empreendimentos eólicos em alto mar vêm apresentando alturas cada vez maiores, com rotores de maior diâmetro e turbinas cada vez mais robustas e, por conseguinte, apresentando maiores fatores de capacidade em relação aos projetos em terra. De acordo com WindEurope (2018), em 2017 o tamanho médio de um parque eólico offshore conectado à rede na Europa tinha cerca de 493 MW, com profundidade média de 27,5 metros e distância média até a costa de 41 km.

Além das importantes economias de escala relativas ao maior dimensionamento e padronização dos projetos, tem havido redução do tempo de instalação por conta de métodos de instalação e navios de apoio à construção offshore dotados de maiores requisitos tecnológicos e eficiência, compensando eventualmente aumentos de custos relacionados à localização de projetos em águas mais profundas.

De acordo com IEA (2018), os custos médios de capital de novos projetos não se alteraram de forma significativa desde 2010, ficando no patamar de US$ 4.500/kW. Por outro lado, ainda é grande a amplitude de valores: de aproximadamente US$ 2.900/kW a US$ 7.500/kW. A variação dos valores entre os projetos está ligada a diferenças na profundidade da água, condições no fundo do mar, carga da turbina, peso do rotor e da nacele, velocidade do rotor, entre outros.

Segundo estimativas de IRENA (2016), 75% da estrutura de custos de instalação de um projeto offshore representativo advém do rotor da turbina e a nacele (38%), a construção e instalação (19%) e a estrutura de suporte e fundações (18%). Como esperado, as fundações possuem um peso maior nos custos totais comparativamente aos projetos em terra, devido aos custos de operação em alto mar.

Para o futuro, a principal questão é o ritmo de queda dos custos. De acordo com IEA (2018), se a taxa de aprendizado (definida como a taxa de redução de custos para cada duplicação da capacidade acumulada) for de 11% para a energia eólica offshore, os custos de capital projetados atingiriam US$ 3.550/kW em 2025 e US$ 3.000/kW em 2040, podendo chegar a US$ 2.000/kW em caso de avanços mais expressivos em tecnologias flutuantes e de redução de custo de infraestrutura de transmissão.

Potencial Energético do Brasil

Ortiz e Kampel (2011) estimaram o potencial brasileiro de geração de energia eólica offshore, com base nos dados no satélite entre agosto de 1999 e dezembro de 2009 e resolução temporal diária. A média da magnitude do vento offshore no Brasil apresenta variação entre 7 m/s e 12 m/s, com valores mínimos próximos à costa de São Paulo e valores máximos próximos à costa de Sergipe e Alagoas. Três regiões de alta magnitude de vento, com potencial de exploração da geração eólica offshore, se destacam: (i) margem de Sergipe e Alagoas, (ii) Rio Grande do Norte e Ceará e (iii) Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Dois potenciais foram estimados: o primeiro, baseado na distância da costa, em que autores apontam um potencial entre 57 GW e 1.780 GW; o segundo, de acordo com a profundidade das águas, em que o potencial atinge pouco mais de 600 GW.

A EPE, em estudo associado ao PNE 2050, realizou uma estimativa do potencial dos recursos energéticos do Brasil (EPE, 2018a). No caso do potencial da eólica offshore, dois refinamentos foram feitos em relação ao estudo mencionado: a consideração de aspectos socioambientais que poderiam restringir o potencial estimado e uma base de dados de maior resolução a partir de IRENA (2018b).

No primeiro aspecto, a análise socioambiental compreendeu as chamadas áreas potencialmente sensíveis do ponto de vista socioambiental, ou seja, aquelas nas quais há alguma restrição conhecida ou inferida no ambiente físico, biológico ou socioeconômico, tais como unidades de conservação, áreas marinhas importantes para aves migratórias e as áreas de importância para aves (EPE, 2018a).

Adicionalmente, com base em IRENA (2018b), foram utilizados dados com maior resolução para estimar o potencial de uma faixa de 30 km da costa do Brasil, sendo admitidos fatores de capacidade e taxas de ocupação (MW/km) baseados nos atlas da Bahia e do Rio Grande do Sul.

Por fim, com base nos dados do ONS, utilizou-se o fator de capacidade médio dos parques eólicos localizados na costa nordestina, no período de janeiro de 2017 a setembro de 2018 (ONS, 2018), de 55%. Este valor, contudo, pode ser ainda maior, se cotejado aos dados de ventos coletados pela Marinha do Brasil que consistem em medições horárias dos ventos ao longo da costa brasileira a partir de boias localizadas a 50 km da costa, profundidade de 200 metros e altura de 4,5 metros, conforme Tabela 1.

Tabela 1. Características dos ventos na costa brasileira

Localização Permanência  

(% do total de horas)

Número de horas Início
>3 m/s >4 m/s     >6 m/s
Fortaleza 99,0 97,6 90,5 9.126 2016
Recife 97,6 93,3 63,1 21.351 2012
Porto Seguro 83,9 72,3 41,0 17.773 2012
Vitória 83,9 72,3 41,1 17.730 2012
Cabo Frio 66,9 56,1 34,6 7.494 2009
Cabo Frio I 91,0 84,6 65,0 7.700 2016
Niterói 51,5 36,0 14,7 13.270 2014
Santos 88,2 81,0 60,0 27.477 2011
Rio Grande 72,0 68,1 56,0 57.557 2009

Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Marinha do Brasil

Levando-se em conta as restrições socioambientais identificadas, uma base de dados com maior resolução e utilizando o fator de capacidade médio de 55%, estima-se um potencial eólico offshore de aproximadamente 8.552 TWh por ano, equivalente a 18 vezes o consumo na rede no Brasil em 2017. Restringindo-se a análise para o potencial mais próximo da costa (até 10 km), com menor profundidade (até 20 m) e maior velocidade de vento (a partir de 9 m/s), obtém-se um potencial de aproximadamente 234 TWh por ano.

Conclusão

O Brasil possui cerca de 7.367 Km de costa, com uma plataforma continental extensa que confere águas rasas ao longo de seu litoral. Além disso, os ventos alísios, presentes na região nordeste do país, são de intensidade e direção constantes, sendo as melhores características para empreendimentos eólicos offshore. Contudo, a inexistência de marco regulatório para a exploração do potencial eólico offshore no Brasil - em especial relacionado a questões como licenciamento ambiental, à implantação e ao modelo de concessão - constitui-se importante barreira ao desenvolvimento da fonte, além do atual estágio da tecnologia e dos elevados custos relativos.

No entanto, a se confirmarem as reduções substanciais nos custos de capital trazidas por avanços tecnológicos em eólica offshore no horizonte até 2050, o Brasil se posiciona muito bem na exploração desse recurso tanto pelo seu excelente potencial quanto pela perspectiva de expansão da exploração e produção de petróleo na costa brasileira, o que pode trazer agentes com expertise na área com potencial de redução de custos de construção e instalação, gerando maior competitividade para a fonte no futuro.

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