Opinião
O essencial acesso aos gasodutos de escoamento, UPGNs e terminais de GNL
Nas reformas regulatórias que foram implantadas em diversos países, sobretudo na Europa, as restrições de acesso foram removidas, fomentando-se um mercado mais competitivo, tanto na oferta, quanto na demanda pelo produto
O artigo 45 da Lei 11.909/2009, a Lei do Gás, dispõe que os gasodutos de escoamento da produção, as instalações de tratamento ou processamento de gás natural, assim como os terminais de liquefação e regaseificação, não estão obrigados a permitir o acesso de terceiros.
A inclusão de tal dispositivo na Lei motivou intensos debates durante a sua tramitação no Congresso Nacional. Alguns defendiam que os gasodutos de escoamento da produção e unidades de processamento, por serem instalações destinadas a coletar, movimentar e processar gás natural nas e a partir das áreas de produção, seriam instalações integrantes da concessão, de interesse exclusivo dos concessionários, não sendo, assim, necessário submetê-las ao regime regulado de acesso previsto para os gasodutos de transporte, estes de interesse coletivo.
Quanto às unidades de regaseificação em terminais marítimos, por incipientes e sem relevância de mercado quando das discussões da Lei do Gás, a posição foi a de que o acesso assegurado às mesmas poderia inibir investimentos de terceiros em novas instalações, sobretudo privados.
Em que pesem as preocupações levantadas, o que acabou ocorrendo foi que as novas unidades implantadas a partir da Lei acabaram tendo como objetivo atender às necessidades de escoamento, processamento e regaseificação da Petrobras, então e ainda hoje o produtor e o importador dominante, sem atrair os investimentos esperados de terceiros, concentrando ainda mais o mercado.
O cenário da indústria de gás natural no país mudou radicalmente. A extração de gás por empresas privadas aumentou exponencialmente, alcançando hoje a marca de 20% da produção nacional. No entanto, em face das dificuldades de acesso aos gasodutos de escoamento da produção e às unidades de processamento, tais concessionários se veem na contingência de vender o gás natural por eles produzido à Petrobras, ainda nas áreas de produção.
O compartilhamento hoje existente de uma rota de escoamento entre a estatal e alguns concessionários (Rota 2), com participação minoritária destes, ainda não foi o bastante para garantir a multiplicidade de oferta de gás natural ao mercado.
A mesma dificuldade se deu e se dá com relação ao acesso às unidades de regaseificação dos terminais marítimos, inibindo a importação de GNL por outros agentes. Vários projetos de importação foram adiados e descontinuados, pela dificuldade de se contratar com a Petrobras o acesso aos terminais e às suas unidades de regaseificação, com a consequente inserção do gás na malha de transporte.
Num cenário de multiplicidade de produtores em atuação nas bacias sedimentares brasileiras e de oferta crescente de GNL, a preços competitivos, no mercado internacional, os gasodutos de escamento da produção, as unidades de processamento e os terminais de regaseificação devem ser considerados instalações essenciais para o desenvolvimento da indústria.
Conforme estudos promovidos pela ANP e por várias entidades interessadas, essa foi a essência das reformas regulatórias que foram implantadas em diversos países, sobretudo na Europa, utilizando-se o conceito das “essential facilities”. As restrições de acesso foram removidas, fomentando-se um mercado mais competitivo, tanto na oferta, quanto na demanda pelo produto.
Assim, o ideal seria que o acesso às mesmas fosse assegurado a terceiros interessados, mediante regulação da ANP, alterando-se, topicamente, o artigo 45 da Lei do Gás.
A não se alterar a Lei do Gás, o acesso a tais instalações dependerá, exclusivamente, de um acordo entre as partes, como prenunciado na Tomada Pública de Contribuições lançada recentemente pela ANP. Neste caso, a regulação ficará limitada a estabelecer critérios para orientar a negociação entre os interessados, bem como a permitir a eventual arbitragem da Agência em caso de divergências. De todo modo, se tais divergências forem difíceis de contornar, o mandamento legal de não obrigatoriedade poderá sempre ser invocado pelos titulares das instalações para encerrar as negociações, frustrando, até, o arbitramento promovido pela ANP. Isso não seria aceitável, sobretudo quando se pretende desenvolver o mercado e incentivar a oferta de gás natural no país.
Cabe lembrar que o artigo 45 da Lei do Gás, ainda que não o obrigue o acesso, não pode ser interpretado como uma autorização tácita para que os titulares daquelas instalações neguem imotivadamente a utilização de capacidades disponíveis e ociosas, em detrimento do mercado. Neste caso, a ANP, juntamente com os órgãos de defesa da concorrência, já está legalmente autorizada a adotar as medidas necessárias para desconstituir práticas abusivas e lesivas à concorrência, determinando a liberação de capacidades (“capacity release”). Reconheça-se, no entanto, que tal procedimento é complexo e demanda tempo, retardando a abertura do mercado que se pretende instituir com a devida celeridade.
O PL 6.407/13, ora em tramitação no Congresso Nacional, que objetiva introduzir um novo marco legal para a indústria do gás natural no país, simplificando processos e incentivando a concorrência na oferta do produto, apresenta uma proposta para se alterar o artigo 45 da Lei do Gás, assegurando o acesso de terceiros interessados àquelas instalações, na forma de regulação a ser baixada pela ANP.
A proposta garante aos titulares das instalações o direito de preferência para utilizá-las, atribuindo aos mesmos elaborar e submeter à ANP termos de acesso contendo práticas operacionais e códigos de conduta para viabilizar o acesso de terceiros, garantindo, assim, a integridade física e operacional das instalações. Os termos de acesso deverão conter, ainda, critérios objetivos e transparentes quanto à remuneração a ser paga aos titulares, bem como ao prazo do contrato de uso. Eventuais conflitos serão arbitrados e resolvidos pela ANP, tendo como base as informações contidas no termo de acesso.
A alteração do artigo 45 da Lei do Gás é fundamental para o desenvolvimento do mercado de gás natural no país. Alterações infralegais com vistas a incentivar a negociação entre os titulares das instalações e os terceiros interessados, ainda que positivas, não serão suficientes sem que o acesso seja assegurado a nível legal. Sem isso, o arbitramento pela ANP, em caso de divergências entre os interessados, não teria a efetividade e a coercibilidade necessária, permanecendo a liberação de capacidades eventualmente disponíveis sujeita às conveniências operacionais dos titulares das instalações. Perpetuar-se-á, assim, a concentração do mercado.