Opinião

Por que o Brasil pesquisa tanto e inova tão pouco?

Um panorama sobre fatores culturais e burocráticos que dificultam a inovação no país mesmo com o crescimento da produção científica nos últimos anos

Atualizado em

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  • Por Luciano Dias Pereira com Natan Battisti

A inovação tecnológica tem um papel fundamental no desenvolvimento socioeconômico e geração de riqueza de qualquer nação, contribuindo com o aumento da competitividade e maior valor agregado de produtos e serviços de empresas e países. Nações com altos IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) como Suíça, Suécia e EUA lideram o ranking de países inovadores no mundo de acordo com o Índice Global de Inovação (1) publicado em 2019.

O Brasil que figura entre as 10 principais economias do mundo, sendo a maior da América Latina, ocupa apenas o 66º lugar entre 126 países avaliados no ranking, atrás de países com menor poder econômico como Vietnã, Chile, Uruguai, Mongólia e Costa Rica conforme ilustra a Figura 1. O cenário chama ainda mais atenção se considerarmos apenas a América Latina e Caribe, onde ocupamos apenas o 5º melhor Índice Global de Inovação, mostrando que o tamanho da economia influencia menos para inovação do que um ambiente de negócios favorável.

Figura 1: Ranking de países inovadores no mundo de acordo com o Índice Global de Inovação (1)

 

No entanto, quando o assunto é pesquisa e produção científica, o Brasil se posiciona em 11º no ranking (Figura 2) que considera as publicações científicas em periódicos entre os anos de 2000 a 2018 (2). A produção científica através de publicações e teses é geradora de um novo conhecimento, porém, caso este não esteja aplicado às demandas da indústria, o mesmo não se transforma em inovação com valor econômico agregado. Apesar de políticas recentes visarem encurtar a distância entre indústria e universidade no Brasil, ainda há um gap considerável devido ao modelo de desenvolvimento pouco integrado desses setores.

Figura 2: Evolução no ranking dos 20 países que lideram o número de publicações científicas em 2018, quando se conta proporcionalmente o número de autores de cada país (2).

 

Considerando razões culturais, burocráticas e técnicas e sabendo que o país apresenta um alto potencial econômico, provada capacidade científica e elevada demanda por tecnologia, quais seriam os motivos para não nos destacarmos como país inovador e seguirmos tão dependentes de tecnologia estrangeira?

A ausência de uma cultura de inovação no Brasil pode ser discutida através de diferentes ângulos. Historicamente o modelo industrial brasileiro prioriza a aquisição de tecnologia e conhecimento estrangeiros em detrimento da valorização do aperfeiçoamento interno e desenvolvimento de novas soluções, processos e produtos. Ao longo dos anos, este modelo criou uma cultura de supervalorização de produtos desenvolvidos fora do país e subestimação de soluções internas. Nelson Rodrigues classificou esta característica do povo brasileiro como “Complexo de vira-lata”, devido à tendência de se colocar em condição de inferioridade em face ao resto do mundo. Evidentemente que a globalização e a interação com a tecnologia internacional são importantíssimas para o ambiente de inovação, todavia é importante ter em consideração que a supervalorização pode desestimular o crescimento de iniciativas inovadoras e impactar a produção de conteúdo nacional.

Outro fator a ser considerado é o perfil conservador e pouco empreendedor do profissional brasileiro. Temos dificuldades em assumir riscos e uma tendência natural a seguir por um caminho mais previsível. A busca por um emprego que proporcione estabilidade, plano de carreira e benefícios acaba sendo uma escolha segura num país com tamanha instabilidade política e econômica como o Brasil. Porém, também se torna um fator preocupante sob o ponto de vista de inovação, visto que mostra passividade e tendência a seguir um caminho já traçado por outros, contrapondo-se a visão “fora da caixa” muito importante para inovar. De forma geral, a educação no Brasil é pouco direcionada à inovação e, junto à falta de incentivo ao empreendedorismo, restringe as opções dos jovens profissionais, contribuindo, assim, para um pensamento mais uniforme e menos criativo.

Todavia, é possível perceber uma sensível mudança recente neste pensamento, impulsionada pela força da Indústria 4.0 e pelo perfil das gerações Y e Z, que já cresceram num mundo digital e apresentam maior grau de inovação e informatização em relação a geração X. Numa visão mais abrangente é importante citar que a desigualdade social e o acesso restrito à educação de qualidade em nosso país reduzem consideravelmente o universo de profissionais que poderia se dedicar à inovação tecnológica. Inovação está diretamente relacionada à capacidade e qualificação humana. Segundo dados da OCDE apenas 21% dos brasileiros de 25 a 34 anos têm ensino superior completo, enquanto a média nos países que fazem parte da OCDE fica em torno de 44% (3). Os números são ainda piores se considerarmos níveis mais altos de escolaridade, onde apenas 0,8% das pessoas de 25 a 64 anos no Brasil concluíram o mestrado e 0,2% chegaram ao doutorado. Mesmo assim, muitos destes jovens acabam não atuando em áreas que demandam tal formação (4).

O conhecido “Custo Brasil”, referência a uma série de custos e aspectos tributários existentes em nosso país, é um fator que inviabiliza diversos projetos de inovação para empresas. O cenário de instabilidade política e econômica cria dificuldades, evitando que gestores mantenham uma estratégia contínua de inovação, principalmente em micro e pequenas empresas. De acordo com pesquisa realizada em 2019 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com representantes de empresas brasileiras, inovar não é mais somente uma questão de vantagem competitiva, mas sim de sobrevivência (5). Os empresários listaram como principais fatores externos que dificultam a inovação no Brasil seu alto custo e falta de financiamento (28%), excesso de burocracia (27%) e baixa qualificação dos profissionais (18%), conforme ilustra a figura abaixo.

Figura 3: Dificultadores para inovação no Brasil

 

Segundo a mesma pesquisa, entre as medidas que podem ser adotadas pelo governo para estimular a inovação estão a ampliação e o barateamento de financiamento à P&DI (25%) e a desburocratização de processos (21%). Já sobre iniciativas do setor privado, os empresários entendem que é necessário maiores investimentos em PD&I e aproximação entre as empresas e academia.

Figura 4: Principais ações governamentais para estimular a inovação no Brasil

 

O excesso de burocracia, talvez um efeito colateral da busca por diminuir casos de corrupção, ilustra um cenário de pouca transparência e confiança. De acordo com o IPC (Índice de Percepção de Corrupção), ocupamos apenas o 106º lugar na luta contra a corrupção (6), provando, assim, que os processos burocráticos se mostram pouco eficazes e acabam por dificultar iniciativas em todos os setores, impactando consideravelmente o ciclo de inovação.

Todavia, é possível observar um esforço recente por parte de instituições governamentais em incentivar a pesquisa e inovação. No segmento de O&G podemos citar como exemplo a Cláusula de PD&I da ANP (7), que destina recursos da receita bruta na produção de óleo e gás dos campos que pagam a Participação Especial para financiamento de projetos. Tal iniciativa vem contribuindo de forma direta para, por exemplo:

  • Criação de Startups e Empresas de Base Tecnológica
  • Viabilidade financeira de projetos de inovação e geração de novas tecnologias
  • Integração entre empresas, institutos de pesquisa e universidades
  • Incentivo à pesquisa em Micro e Pequenas Empresas
  • Formação de recursos humanos
  • Desenvolvimento da Indústria Nacional de Óleo e Gás

Na prática, no entanto, a lentidão de processos e editais em algumas instituições de fomento, principalmente para liberação e repasse dos recursos financeiros, que chegam a durar anos desde sua aprovação até estarem disponíveis, podem inviabilizar o lançamento de uma tecnologia, e o que seria algo inovador na sua concepção inicial revela-se sem valor devido ao timing inadequado de implementação do projeto. Para ilustrar este cenário, a Figura 5 apresenta a linha do tempo de um projeto de inovação da empresa Invision Geophysics que visa o desenvolvimento de um sistema de monitoramento microssísmico para segurança e estabilidade de barragens. O projeto foi aprovado em 2017, idealizado após o rompimento da barragem na cidade de Mariana (MG), e a liberação de recursos veio cerca de 3 anos depois, período suficiente para a solução já estar em operação. Durante este tempo tivemos outro rompimento de barragem (Brumadinho – MG) com consequências trágicas para nossa sociedade.

Figura 5: Linha do tempo do projeto “M2S – Sistema de Monitoramento de Barragens e Estruturas Geotécnicas” em desenvolvimento pela Invision Geophysics.

 

Além da demora no ciclo, é possível citar outros fatores burocráticos e tributários que impactam a realização de projetos de PD&I pelas empresas e institutos brasileiros:

  • Descontinuidade de repasses ou interrupção repentina do projeto por parte dos órgãos de fomento - risco eminente que assombra quem trabalha com inovação no país.
  • Rigidez e burocracia de alguns editais para utilização de recursos financeiros aprovados – Diversos editais não preveem utilização dos recursos em custos indiretos, e/ou despesas operacionais e administrativas necessárias para execução do projeto. Fato impeditivo para um número grande de projetos promissores de Startups e Microempresas que não dispõem de muitos recursos para investir.
  • Alta taxa tributária do país que elevam consideravelmente os custos do projeto, impossibilitando sua execução.
  • Burocracia para empresas que desejam financiar projetos – Muitas empresas reclamam da dificuldade e da quantidade de exigências para investir recursos em instituições de pesquisa e universidades.

A demanda apresentada pela indústria por mão de obra qualificada, voltada para inovação, contrasta com os números divulgados em 2019, que indicam haver cerca de 25% de mestres e doutores em situação de desemprego no Brasil e, também, com o fato de o principal destino destes profissionais serem as universidades.  Tal fato mostra que falta maior interação entre as demandas da indústria e o trabalho de pesquisa realizado na academia.

Para jovens recém-formados a realidade não é diferente, com a baixa empregabilidade dos mesmos, a pesquisa nas universidades (através dos programas de mestrado e doutorado) tornou-se uma das poucas opções disponíveis para que estes jovens sigam atuando em sua área. Não obstante, para grande parte destes novos profissionais, trabalhar com pesquisa e inovação não é uma escolha de carreira, mas um meio de se qualificar enquanto busca maiores chances no mercado de trabalho formal.

O pouco incentivo à carreira de pesquisador, denotado por baixas remunerações, poucas perspectivas a longo prazo e condições de infraestrutura insatisfatórias (com raras exceções), pode explicar a visão desvalorizada destes profissionais no país, onde atuar com pesquisa pode significar, para muitos, sinônimo de insucesso profissional. Como resultado desta mentalidade, podemos observar a interrupção de pesquisas promissoras e o baixo grau de engajamento para inovação. Estas características frustram expectativas e contribuem para fuga de ótimos profissionais para o exterior, ou para outras áreas, diminuindo assim a chance de retorno do investimento feito pelo país em sua formação.

Sumarizando, a solução para transformarmos a alta capacidade nacional de pesquisa em inovação passa necessariamente por investimentos e políticas públicas de longo prazo que favoreçam a integração das universidades, institutos de pesquisa (ICTs), indústria e startups. A conexão entre estes setores, mais bem compreendida em outros países, garante um ambiente de negócios saudável e propício ao desenvolvimento tecnológico, tendo-se como bom exemplo o Vale do Silício (EUA). É necessário que os pesquisadores estejam mais perto das demandas da indústria, que as empresas enxerguem a academia como parceiros em soluções de inovação e formação de recursos humanos, e que haja uma estratégia contínua e sustentável de investimento público e privado em PD&I, formando um ecossistema de inovação com menores riscos e maior incentivo a empresas e startups. Todos têm a ganhar com um Brasil mais inovador!

 

Referências

(1) Índice Global de Inovação é uma das principais referências globais para medir o desempenho de inovação de uma economia. Publicado anualmente pela Universidade Cornell, pelo Instituto Europeu de Administração de Empresas (Insead) e pela Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Ompi), em parceria com a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).

https://www.globalinnovationindex.org/

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/07/24/brasil-cai-duas-posicoes-no-indice-global-de-inovacao.ghtml

(2) Science and Engineering Indicators 2020, National Science Foundation, EUA.

https://ncses.nsf.gov/pubs/nsb20206/publication-output-by-region-country-or-economy

https://revistapesquisa.fapesp.br/publicacoes-cientificas-por-paises-contagem-por-autoria-e-por-artigo/

(3) Education at a Glance 2019, OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

https://www.oecd.org/education/education-at-a-glance/

https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/brasil-tem-um-das-piores-taxas-de-ensino-superior-do-mundo-diz-ocde/

(4) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-37867638

(5) Pesquisa divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e encomendada ao Instituto FSB Pesquisa.

https://noticias.portaldaindustria.com.br/noticias/inovacao-e-tecnologia/inovar-e-sobreviver-nos-negocios-mostra-pesquisa-da-cni-com-100-ceos/#

(6) O Índice de Percepção da Corrupção (IPC) é produzido desde 1995 pela Transparência Internacional, avalia 180 países e territórios, sendo o principal indicador de corrupção no setor público do mundo. Mais informações:

https://transparenciainternacional.org.br/ipc/

(7) A cláusula de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (Cláusula de PD&I) constante dos contratos para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural tem como objetivo estimular a pesquisa e a adoção de novas tecnologias para o setor, que é uma das atribuições da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Lei nº 9.478/1997). Nos contratos de concessão, a cláusula de PD&I estabelece que os concessionários devem realizar despesas qualificadas como pesquisa e desenvolvimento em valor correspondente a 1% (um por cento) da receita bruta da produção dos campos que pagam Participação Especial. Mais informações:

http://www.anp.gov.br/royalties-e-outras-participacoes/participacao-especial

http://www.anp.gov.br/pesquisa-desenvolvimento-e-inovacao

 

Luciano Dias Pereira é graduado em Geologia pela UFRJ, MSc. em Engenharia de Reservatório e de Exploração pela UENF e MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Atualmente atua como Coordenador de P&D e Novos Negócios na Invision Geophysics e desenvolve tese de Doutorado em Geofísica Aplicada na UENF.  Além disso Luciano é membro ativo de instituições como SBGf e EAGE, e membro Parceiro do Até o Último Barril!

 

 

Natan Battisti é Engenheiro de Petróleo formado pela Universidade Federal de Pelotas. Atualmente atua na Premier Oil como Group Development and Operations Technical Engineer onde, em 2018, iniciou como estagiário de HSES e Operações. Desde 2013 é membro da SPE, sendo atualmente voluntário da SPE Brazil Section, SPE London Section e membro afiliado da PESGB.

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