Opinião

A quem interessa estender subsídios às usinas a carvão no país?

Uma emenda ao Projeto de Lei 576/2021, ora tramitando no Senado, para a usina Jorge Lacerda (R$ 2,7 bilhões/ano, durante 25 anos) justificada para atender 6 mil famílias beneficiadas por sua atividade, atribui renda mensal média de R$ 37,5 mil por família.

Por Angela Gomes

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Coautor: Rafael Kelman

O combate ao aquecimento global vem sendo discutido há décadas. Mais recentemente, o tema tem ganhado força pela maior incidência de eventos extremos, como furacões, inundações (como a que afetou Porto Alegre e outras cidades gaúchas), rajadas de ventos, incêndios florestais e outros eventos ligados ao clima, com crescimento explosivo dos impactos econômicos e humanos. A temperatura média da Terra passou por 13 meses de recordes sucessivos, entre junho de 2023 e junho de 2024. 

Como mais de 70% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE) estão relacionadas à Energia, torna-se crítico avançar na transformação energética global, visando substituir o uso de combustíveis fósseis por energias renováveis, que são cada vez mais econômicas. 

O maior combustível emissor de GEE no mundo é o carvão mineral, representando cerca de 40% das emissões, com impactos negativos também na qualidade do ar perto da fonte emissora, na saúde pública em geral, e na dos mineradores em particular. Por isso, a redução ou eliminação das atividades econômicas associadas ao carvão, sobretudo a produção de eletricidade, vem sendo perseguida por diversos países. 

No caso do Brasil, esta tarefa deveria ser fácil porque as fontes renováveis já respondem por 85% da produção de eletricidade nacional – um anseio e meta distante para a grande maioria dos demais países. Já o carvão responde por 3% da matriz elétrica nacional, sendo que três usinas não terão mais contratos a partir de 2025 (Candiota III e Figueira, no Rio Grande do Sul, e Jorge Lacerda, a maior delas, em Santa Catarina). 

Por óbvio, o término dos contratos configura-se como excelente oportunidade para o país. Além dos benefícios climáticos e à saúde pública, a medida reduz a pegada de carbono dos produtos fabricados no Brasil e exportados ao mundo, o que pode ter benefícios econômicos adicionais. 

No entanto, mudanças legais vêm impedindo que isto aconteça e, pior, com custos potenciais expressivos e desnecessários repassados às tarifas de energia elétrica, principalmente de consumidores de menor porte, como os residenciais. 

Em 2022 foi aprovada a Lei nº 14.299 que estendeu por 15 anos a permanência da usina Jorge Lacerda. Além disso, tramita hoje no Senado o Projeto de Lei 576/2021 (PL), que estabelece o marco legal das eólicas offshore no Brasil – assunto a princípio sem relação com o carvão. Entretanto, quando o PL tramitou na Câmara dos Deputados recebeu emendas alheias ao seu tema central - os famosos “jabutis”.

Uma dessas emendas trata da extensão da operação das três usinas a carvão do Sul, impulsionada por um encargo tarifário. Olhando o “conjunto da obra”, a PSR estimou custos anuais de R$ 4 bilhões (R$ 2,7 bilhões associados à usina Jorge Lacerda e R$ 1,3 bilhão às demais usinas) durante 25 anos. 

Vale dizer que os deputados alegaram uma preocupação legítima: manter a renda das famílias nas regiões carvoeiras – que é comum a todos os países que mineram o combustível. Entretanto, através de um cálculo simples é possível demonstrar que, apesar da motivação ser correta, a solução da emenda é equivocada, refletindo a superficialidade com que o tema foi discutido no Congresso. 

Partindo do universo de famílias beneficiadas, uma possível referência é um estudo do Dieese de 20221, indicando que havia no Brasil, em 2019, 3,6 mil trabalhadores formais na extração e beneficiamento de carvão mineral. Outra possível referência, um estudo do Ministério de Minas e Energia de 20212, sinaliza um número maior: somente para a usina Jorge Lacerda seriam 6 mil famílias direta ou indiretamente impactas pela injeção de recursos da atividade de exploração do carvão. 

Adotando a segunda referência, que traz uma visão mais ampliada da questão social em análise, ao dividir o custo anual da emenda para a usina Jorge Lacerda (R$ 2,7 bilhões por ano durante 25 anos) pelas 6 mil famílias beneficiadas por sua atividade, chega-se a uma renda mensal média de R$ 37,5 mil por família. 

Este valor, além de elevadíssimo comparativamente à renda nacional, é quase sete vezes superior à renda média carvoeira apontada pelo Dieese. Ou seja, o benefício por 25 anos tem um impacto econômico absolutamente desproporcional ao que seria necessário para um programa de transferência de renda direto às famílias impactadas. 

Recapitulando, em uma análise exclusiva sobre os custos diretos destes dispositivos legais, o valor de R$ 4 bilhões por ano seria reduzido para menos de R$ 600 milhões, se o país adotasse transferência de renda direta às famílias impactadas pela atividade de exploração do carvão, sendo que a permanência desta despesa poderia durar bem menos do que os 25 anos previstos no PL, dada a possibilidade de buscar atividades econômicas alternativas às famílias a médio e longo prazos. 

Ampliando a análise, o encerramento da operação destas três usinas tem vantagens socioambientais claras, considerando a melhoria na saúde e qualidade de vida das populações em regiões carvoeiras e a redução de emissões de GEE. Outra vantagem potencial é econômica, pois os produtos brasileiros no mercado global teriam pegada de carbono ainda menor, aumentando sua competitividade. 

Finalmente, mas não menos importante, ressaltamos ser fundamental evitar carregar as tarifas de energia elétrica com subsídios desnecessários, como estes para o carvão que, dentre outros problemas, funcionam como "tributos regressivos", onerando proporcionalmente mais os consumidores de menor renda, distorcem o sinal de preço e elevam a propensão ao furto de energia.

As análises nos parecem tão claras, que sugerimos, além da imprescindível não aprovação no Senado das emendas do PL 576/2021, uma discussão ampla sobre a pertinência da manutenção da Lei 14.299/2022. Garantir a renda das famílias das regiões carvoeiras é importante, mas há alternativas mais eficientes e sustentáveis. 

Reavaliar esses subsídios permite avançar rumo a um futuro competitivo e ambientalmente responsável, sem sobrecarregar os consumidores.

1 “Os trabalhadores em extração e beneficiamento de carvão mineral em Santa Catarina e Rio Grande do Sul”.

2Relatório do Grupo de Trabalho para Avaliar as Atividades de Geração Termelétrica a Carvão Mineral e de Mineração de Carvão Mineral no Estado de Santa Catarina.

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