Opinião
Crise energética no Brasil: Impacto do nível do reservatório hidrelétrico na vazão do rio (Parte II)
Observação foi testada com níveis históricos de reservatórios e dados de vazão de rios de várias barragens no Brasil. Segunda parte do artigo apresenta a metodologia da análise da operação dos reservatórios sobre a vazão
Resumo: as estratégias de gestão da água podem ter impactos consideráveis no clima e na hidrologia regionais. Geralmente, a construção e operação de energia hidrelétrica reduzem a vazão do rio a jusante devido ao aumento da evaporação. No entanto, este trabalho mostra que em regiões úmidas, como no Brasil, os reservatórios de armazenamento de energia hidrelétrica contribuem para aumentar a vazão do rio.
Esta observação foi testada com níveis históricos de reservatórios e dados de vazão de rios de várias barragens no Brasil. Verificou-se que a operação de reservatórios no Brasil tem um impacto considerável sobre a vazão de seus rios. Quanto maior o nível de armazenamento no início do período úmido, maior será a vazão do rio durante o período úmido. O trabalho propõe estratégias para permitir que os reservatórios se encham e para manter os reservatórios cheios no futuro, com o intuito de aumentar a geração hidrelétrica e reduzir a intermitência de outras fontes renováveis de energia.
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A metodologia aplicada neste artigo é descrita na Figura 3 e consiste nas seguintes etapas. A etapa 1 consiste na coleta de dados históricos sobre os níveis dos reservatórios e a vazão natural do rio das barragens analisadas (Figura 3a). A vazão natural do rio é uma estimativa da vazão do rio assumindo que não há extração de água do rio, armazenamento de água ou evaporação nas barragens do reservatório.
Isso permite que a vazão natural do rio estimado em 1970 seja comparada com a vazão natural estimada do rio em 2020. Observe que pode haver erros ou mudanças na metodologia para estimar a vazão natural do rio durante este período. As fontes de dados e outros detalhes para as barragens selecionadas estão descritos na Tabela 1.
A etapa 2 consiste em comparar o nível do reservatório da barragem no final da estação seca (final de outubro), com a vazão média da estação chuvosa seguinte (novembro a abril). O nível do reservatório em outubro foi selecionado porque geralmente é o mais baixo do ano e ocorre um pouco antes do início do período chuvoso.
A vazão média do rio de novembro a abril (período chuvoso) foi selecionada por ser próximo a outubro, o que aumenta a influência do nível do reservatório em outubro, e por ser o período em que a vazão do rio costuma ser mais elevada na região Sudeste. Esses dados são então plotados em um gráfico e uma regressão linear é criada para estimar o impacto do nível do reservatório na vazão do rio.
Figura 3: Fluxograma que descreve a metodologia implementada no artigo, destacando (a) o nível histórico do reservatório e vazão do rio, (b) os dados considerados na análise, (c) comparação do nível do reservatório e vazão do rio, (d) ótimo nível operacional do reservatório.
Após a estimativa do impacto do nível do reservatório na vazão do rio, a Etapa 3 consiste no cálculo do volume de água necessário para encher os reservatórios e a energia armazenada nos reservatórios. Essas estimativas são então usadas para propor quais usinas hidrelétricas devem ser preenchidas primeiro com o objetivo de reduzir a necessidade de usinas termelétricas e as emissões de CO2.
Uma análise final pretende mostrar o nível ótimo do reservatório da barragem no final de outubro com o intuito de maximizar a geração de energia hidrelétrica, considerando a possibilidade de vertimento caso os reservatórios estiverem muito altos, e considerando diferentes fatores de capacidade média de geração durante o período chuvoso.
Esta metodologia é limitada a barragens hidrelétricas que têm capacidade útil de armazenamento de reservatório. Não pode ser aplicado a usinas hidrelétricas a fio d’água. Além disso, a seleção do nível do reservatório mensal e da vazão média do rio variará de bacia para bacia.
Tabela 1: Barragem e dados hidrológicos e fontes de dados.
Barragens |
Área (km2) |
Armazenamento (km3) |
Nome do rio | Ano inicial de dados | Referencia |
Jurumirim |
450 |
3,17 |
Paranapanema |
1999 |
[1] |
Três Marias |
1.064 |
15,28 |
São Francisco |
1976 |
[2] |
Sobradinho |
4.196 |
28,67 |
São Francisco |
1998 |
[3] |
Furnas |
1.442 |
17,22 |
Grande |
1972 |
[4] |
Emborcação |
478 |
10,38 |
Paranaíba |
1982 |
[5] |
Nova Ponte |
442 |
10,38 |
Araguari |
1999 |
[1] |
Serra da Mesa |
1.783 |
43,25 |
Tocantins |
1999 |
[1] |
Paraibuna |
177 |
2,64 |
Paraíba do Sul |
1993 |
[6] |
A Figura 4 apresenta as principais barragens hidrelétricas de armazenamento no Brasil, destacando as barragens selecionadas neste estudo. Essas barragens foram selecionadas com os seguintes critérios:
i) grande barragem na cabeceira de rio principal
ii) capacidade de armazenamento plurianual do reservatório
iii) vazão altamente sazonal com o nível mínimo de armazenamento atingido em outubro
iv) disponibilidade de dados dos níveis históricos dos reservatórios.
Figura 4: Principais usinas hidrelétricas de armazenamento no Brasil e barragens estudadas neste artigo.
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Referências:
[1] Dados Hidrológicos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)
[2] Carim AL de C. - Reavaliação da segurança de barragens de terra construída na década de 50: caso da UHE Três Marias. Ouro Preto: 2007
[3] Mororó APP. Modelo computacional para operação de reservatório com múltiplos usos. Recife: 2005
[4] Alves ASV. Impacto econômico do deplecionamento de reservatórios de regularização de centrais hidrelétricas nos usos múltiplos de suas águas: uma proposta metodológica. Itajubá: 2006
[5] Fusaro TC. Estabelecimento estatístico de valores de controle para a instrumentação de barragens de terra: estudo de caso das barragens de emborcação e piau. Ouro Preto: 2007
[6] Coelho FM. Avaliação de propostas para a garantia do abastecimento de água da região metropolitana oeste do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 2008
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Este artigo está dividido em quatro seções. Na última terça-feira (28/09) foi publicada a introdução. A seção 2, esta publicada, apresenta a metodologia implementada para a análise. A seção 3 apresenta os resultados do artigo. A seção 4 discute os resultados desta pesquisa. A seção 5 conclui o artigo.
Julian David Hunt e Roberto Brandão são pesquisadores do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel/UFRJ); Nivalde José de Castro é coordenador do Gesel/UFRJ.
O artigo também teve contribuições de: Andreas Nascimento (UFES), Carla Schwengber ten Caten (UFRGS), Fernanda Munari Caputo Tomé (IEE-USP), Paulo Smith Schneider (UFRGS), Andre Luis Ribeiro Thomazoni(UFRGS), Marcos Aurelio Vasconcelos de Freitas (UFRJ), Jose Sidnei Colombo Martini (Poli-USP), Dorel Soares Ramos (Poli-USP) e Rodrigo Senne (Âmbar Energia).