Opinião

Desafios e oportunidades para o mercado de baterias no Brasil

País tem a oportunidade de acelerar a adoção de BESS em diversas áreas do setor elétrico, para atender à demanda de energia e promover um sistema mais resiliente, sustentável e economicamente vantajoso

Por Ana Carolina Calil

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Co-autoras: Amanda Arêas, Yasmin Yazigi e Vanessa Vallim

A inserção e expansão de sistemas de armazenamento de energia no Brasil e no mundo são um dos temas mais discutidos no setor de energia atualmente. Em um sistema de armazenamento, a energia elétrica é convertida para uma forma estocável e posteriormente reconvertida em energia elétrica. Isso para oferecer, dentre outros serviços, gestão energética, serviços ancilares, flexibilidade, reserva de potência, confiabilidade, previsibilidade e equilíbrio do sistema elétrico. 

Os sistemas de armazenamento podem ser utilizados em diferentes arranjos nos segmentos de geração, transmissão, distribuição ou consumo de energia, de maneira centralizada ou distribuída. A forma mais comum é por meio de baterias (BESS). Dentre os tipos de baterias, as mais eficientes são fabricadas a partir de lítio-íon, cujo potencial de extração no Brasil é abundante.

Ao redor do mundo, as regiões mais avançadas no desenvolvimento e utilização de BESS são China, Estados Unidos (notadamente os estados da Califórnia e do Texas), Alemanha, Itália, Reino Unido e Chile, que utilizam as BESS principalmente para serviços ancilares, com uma autonomia entre 2 e 5 horas, tanto de forma centralizada, quanto de forma distribuída.

No setor elétrico brasileiro, a utilização de BESS representa uma oportunidade estratégica, tendo em vista sua versatilidade, e possibilidade de resposta rápida e complementar a diversas demandas do setor, como a entrega de potência em horários de pico, controle de injeção de energia na rede, e serviços ancilares.

Potenciais negócios

Em um contexto de transição energética, a utilização de fontes intermitentes para a geração de energia elétrica cresceu rapidamente, principalmente no Brasil, que possui grande disponibilidade natural de recursos eólicos e solares. A problemática da intermitência, entretanto, significa que a geração de energia proveniente destas fontes é dependente de fatores exógenos e não controláveis, como os recursos naturais. 

Portanto, a injeção de energia produzida por usinas solares (UFVs) e eólicas (EOLs) na rede elétrica é compulsória, não passível de controle do agente, como no caso de usinas termelétricas (UTEs) e hidrelétricas (UHEs) cujo acionamento pode ser programado. 

Isso faz com que em cenários de sobrecarga das redes de transmissão ou distribuição, conhecidos como curtailments ou eventos de constrained-off, a parcela da energia que não pode ser escoada seja desperdiçada. Esses eventos, que se tornaram mais comuns nos últimos anos, provocam sérios prejuízos aos geradores, que podem não conseguir atender aos seus compromissos de entrega de energia em decorrência de eventos fora de seu controle.

Nesse cenário, as baterias se destacam como uma alternativa para mitigar esse risco, uma vez que a geração excedente pode ser armazenada e utilizada posteriormente. O deslocamento temporal é extremamente valioso, pois adiciona um elemento de controle na geração intermitente e possibilita a EOLs e UFVs:

  • Injetar energia na rede em momentos em que não é possível a geração, por exemplo, em dias nublados, à noite ou quando não há vento, aumentando a capacidade de lastro destas fontes no mercado;
  • Obter renda adicional por meio da injeção do excedente em horários de pico da carga, quando o preço da energia é maior, mecanismo conhecido como “arbitragem de preços”;
  • Fornecer suprimento de energia a locais isolados, onde há difícil acesso à rede de energia integrada no Sistema Interligado Nacional (SIN), em sistemas conhecidos como “off-grid”; e
  • Participar em mercados de capacidade na forma de potência.

Os leilões de reserva de capacidade na forma de potência (LRCAP) buscam garantir a continuidade do fornecimento de energia elétrica, por meio do atendimento à necessidade de potência requerida pelo Sistema Interligado Nacional. O produto “potência” se refere essencialmente ao fornecimento de confiabilidade e segurança para o atendimento dos consumidores nos momentos de pico da carga. 

O primeiro LRCAP desde a implantação do atual marco regulatório do setor elétrico brasileiro foi promovido em dezembro de 2021 e limitou a participação a usinas termelétricas. Atualmente, estão em fase de elaboração pelo Ministério de Minas e Energia (MME) as diretrizes para o segundo LRCAP, que se diferenciará do primeiro por permitir a contratação não apenas de fontes termelétricas, mas também a partir da ampliação de usinas hidrelétricas.

Nesse sentido, discute-se a possibilidade de habilitação, em futuros LRCAPs, de tecnologias de armazenamento, como as baterias. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelos estudos para expansão na geração do SEB, pontuou1 que os BESS são capazes de se recarregar em momentos de excesso de energia para descarga em momentos de maior escassez de recursos, que podem coincidir com as horas mais críticas para o sistema elétrico, e, portanto, podem ser capazes de atender as necessidades de capacidade de potência, associadas ou não a empreendimentos de geração renovável, novos ou existentes.

Por estar relacionado à segurança de fornecimento em horários críticos, o produto do LRCAP não poderia ser diretamente oferecido por fontes de energia intermitentes, que, conforme esclarecido acima, é o caso das UFVs e as EOLs. Porém, diante da possibilidade de participação de baterias, EOLs e UFVs, podem compor soluções de suprimento indiretamente por meio de plantas híbridas, associadas ou de forma contratual com BESS.

Durante a Consulta Pública do LRCAP de 2024, o MME se manifestou2, em março de 2024, indicando que os sistemas de armazenamento em baterias não seriam incluídos no certame por ainda carecerem de melhor suporte normativo. Na ocasião, o Ministério ponderou que esperava que esse recurso fosse considerado em certames futuros, tendo em vista os atributos positivos para a segurança do suprimento elétrico, como a rapidez e versatilidade de instalação, flexibilidade de acionamento e de funcionamento, capacidade de disponibilidade instantânea de potência e possibilidade de localização próxima à carga, com consequente redução de custos em transmissão e de perdas.

Dessa forma, após discussões entre o MME, a EPE, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), foi aberta a Consulta Pública nº 176/2024 do MME para discussão das diretrizes do LRCAP de 2025 a partir de novos sistemas de armazenamento por meio de baterias. 

Apesar das diretrizes definitivas do certame ainda não terem sido divulgadas, a expectativa do Ministério é que isso aconteça em junho de 2025.

Nesse sentido, é esperado que as baterias passem a ser cada vez mais incluídas nos próximos certames, seja mediante associação com EOLs, UFVs, UTEs ou UHEs, seja de forma autônoma (stand alone).

Para operar em pleno funcionamento e garantir a qualidade da energia do SIN, existem parâmetros técnicos que devem ser observados, por meio de mecanismos suplementares chamados de “serviços ancilares”, cujo objetivo é a manutenção da segurança de operação do sistema e dos parâmetros de frequência, tensão, sincronismo, emergência (autorrestabelecimento ou black start).

No Brasil, os serviços ancilares, notadamente os relativos ao controle de frequência, são majoritariamente prestados por UHEs em função de atributos técnicos característicos dessas usinas. A expansão significativa das fontes de energia intermitentes na rede elétrica desencadeou o expressivo aumento dos custos de serviços ancilares, uma vez que EOLs e UFVs, além de não disporem dos atributos dos técnicos necessários a fornecer estes serviços, também operam de uma tal forma que exige maior estabilidade da rede. Dessa forma, as UHES têm sido acionadas com cada vez maior frequência para conferir flexibilidade operativa ao SIN3.

As BESS também são capazes de fornecer serviços ancilares. Apesar de ser necessário modernizar a regulação brasileira para que estes serviços possam ser oferecidos em um mercado competitivo, como um produto diferenciado do fornecimento de energia, há precedentes de uso de baterias por agentes de transmissão e distribuição com o objetivo de obterem maior estabilidade em suas redes.

Panorama regulatório 

Atualmente, o arcabouço regulatório de sistemas de armazenamento se encontra em fase de desenvolvimento no Brasil, tendo recentes desdobramentos relevantes.

O uso de baterias no setor elétrico brasileiro vem sendo desenvolvido desde 2016, quando a Aneel lançou a Chamada de P&D Estratégica nº 21/2016, que contou com 20 projetos de sistemas de armazenamento, e investimentos de mais de R$ 370 milhões. Os resultados, divulgados pela Aneel no final do primeiro semestre de 2024, demonstraram que as principais tecnologias desenvolvidas foram baterias químicas (com destaque para o lítio-íon) e hidrogênio, além de 11 patentes registradas.

Entre setembro de 2020 e março de 2021, foi realizada pela Aneel a Tomada de Subsídios nº 11/2020 para elaboração de propostas de adequações regulatórias necessárias à inserção de sistemas de armazenamento no SIN, por meio da qual foram discutidos, dentre outros temas, os critérios de caracterização dos sistemas de armazenamento, a especificação dos serviços a serem prestados e o processo de outorga.           

A regulamentação dos sistemas de armazenamento seria extremamente beneficiada com o refinamento e a modernização da regulação atual para melhor caracterização dos diferentes produtos de energia que podem ser oferecidos pelos agentes, desde o fornecimento de serviços ancilares até o suprimento de energia na forma de potência. Apenas com um sinal regulatório adequado será definida uma remuneração justa aos diferentes serviços prestados pelos BESS, assegurando a viabilidade de sua aplicação em todos os segmentos. 

Outras iniciativas

As baterias de lítio-íon ocupam uma posição competitiva e vantajosa com relação às demais tecnologias de baterias, tendo em vista que o lítio proporciona uma maior densidade energética, o que torna a vida útil da bateria maior e, consequentemente, aumenta as suas opções de reutilização e adia o seu processo de reciclagem.

Chile, Bolívia e Argentina são os países que possuem as maiores reservas de lítio do mundo, formando o “Triângulo do Lítio”. O Brasil, por sua vez, tem grande potencial para ocupar uma posição competitiva no mercado de baterias, uma vez que, além de ter uma das maiores bacias de lítio no Vale de Jequitinhonha, no norte de Minas Gerais, também possui outros minerais e matérias-primas em abundância para serem utilizadas ao longo da cadeia de suprimentos das baterias.

A partir disso, houve iniciativas por parte do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) em conjunto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), bem como da Câmara de Deputados, para fomentar a fabricação de baterias no Brasil.

O MDIC e o MCTI estabeleceram o Processo Produtivo Básico (PPB) para BESS, por meio da Portaria Interministerial do MDIC/MCTI nº 54, de maio de 2024, em que estimulam a fabricação de baterias de lítio-íon e de chumbo por meio da redução de IPI e de ICMS (em alguns estados) para aqueles que seguirem os parâmetros estabelecidos para a produção de módulos de energia, inversores, sistemas de automação e inteligência de serviços auxiliares, como refrigeração nos contêineres de BESS.

Em julho de 2024, houve a proposta do Projeto de Lei nº 2.780 de 2024, que visa instituir a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE) e o Comitê Nacional de Política Mineral. O ponto de partida do PL nº 2.780 é estabelecer critérios para o Comitê classificar os minerais de forma estratégica e periódica.

A justificativa do PL nº 2.780 expressa a sua preocupação com relação aos minerais que estarão ligados à transição energética, como o lítio, o níquel e o grafite que são usados na cadeia de produção das baterias. Além disso, o PL pretende conceder benefícios fiscais às empresas que desenvolvam projetos ligados a tais minerais, o que pode atrair investimentos no setor.

Dessa forma, o Brasil possui uma janela de oportunidade não apenas para fortalecer seu sistema elétrico por meio da implementação dos BESS, mas para desenvolver uma indústria deste segmento no país através da fabricação de baterias e, assim, atrair investimentos e buscar se tornar um líder na área. 

É fundamental que exista alinhamento de estratégias entre os agentes do setor privado, os Poderes Executivo e Legislativo e as agências reguladoras competentes, de tal forma que os agentes recebam a remuneração justa pelos seus serviços e, da mesma maneira, os benefícios desta nova indústria possam ser revertidos para a população.

Baterias e o futuro do setor

Em conclusão, a implementação dos sistemas de armazenamento de energia, especialmente as BESS, representa uma estratégia crucial para o futuro do setor elétrico brasileiro. 

Estes sistemas oferecem soluções eficientes para mitigar os desafios da intermitência das fontes renováveis, além de melhorarem a confiabilidade e a flexibilidade da rede elétrica por meio do oferecimento de serviços ancilares e atendimento à demanda de potência nos horários de ponta. 

O mercado de BESS no Brasil é promissor pela abundância de recursos minerais, como o lítio, que coloca o país em uma posição competitiva para a fabricação de baterias.

No entanto, a criação de um ambiente regulatório mais claro e eficiente é fundamental para garantir a viabilidade econômica desses sistemas e atrair investimentos. 

O panorama regulatório dos sistemas de armazenamento ainda está em desenvolvimento, com avanços importantes, como a possibilidade de inclusão das baterias nos próximos LRCAPs e a inclusão do tema na Agenda Regulatória da Aneel. 

Com a perspectiva de um leilão exclusivo para baterias em 2025 e a contínua evolução das políticas públicas, o Brasil tem a oportunidade de acelerar a adoção de BESS em diversas áreas do setor elétrico, não apenas para atender à demanda de energia, mas também para promover um sistema mais resiliente, sustentável e economicamente vantajoso. 

 


Bibliografia

1 Nota Técnica EPE-DEE-NT-050/2023-R0

2 Nota Técnica nº 37/2024/DPOG/SNTEP. 

3 Contribuição nº 145/22-030825 à Consulta Pública MME nº 145/2022


Amanda Arêas é sócia de Infraestrutura e Project Finance, Yasmin Yazigi é advogada da área de Energia e Vanessa Vallim é advogada de Infraestrutura e Project Finance do Cescon Barrieu.

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