Opinião

Nem as leis da física escapam

"Infelizmente, dados os conflitos crescentes num sistema cuja geração e consumo se dão na velocidade da luz, o Brasil pode estar 'desligando' o sol", aponta em artigo Roberto Pereira D´Araujo, do Instituto Ilumina

Por Roberto Pereira D'Araujo

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Seria apenas desconhecimento ou a imposição de interesses que desafiam as leis da física no setor elétrico brasileiro?

As tarifas de energia elétrica no Brasil explodiram. De 1995 até 2022, a residencial média subiu 70% acima da inflação e a industrial 140%. Isso sem contar as bandeiras tarifárias, encargos e conta de “empréstimos” para pagar kWhs que nos impuseram.

Por essa razão, famílias, não milionárias, instalaram nos seus telhados sistemas fotovoltaicos que geram energia reduzindo sua conta de luz quando há sol. Os realmente ricos não se importam com a fatura da energia.

Vejam bem, trata-se de uma micro usina dentro da residência do cidadão, antes do medidor da distribuidora. O telhado fotovoltaico gera a maior parte da energia para seu dono, mas ele continua a consumir da distribuidora o que o telhado não consegue pagando todos os custos. À noite, ele é um consumidor comum, como se não tivesse esse telhado que, sem sol, se desliga.

O padrão médio solar começa às 6h, vai aumentando pouco a pouco e, por volta das 14h, atinge seu máximo. Daí em diante, se reduz e, às 18h, a geração volta a zero.

Pode ocorrer que, num breve período, a energia do telhado ultrapasse o que seu dono está consumindo. Essa corrente excedente sai do seu medidor e encontra um circuito de 220 Volts que serve sua rua e é a mesma tensão da sua casa e dos outros moradores.

Como a corrente elétrica não tem “crachá” de origem, não é possível o vizinho distinguir que uma ínfima parte da energia que ele está consumindo vem do telhado de outro residente. Aliás, ele paga essa corrente elétrica como se viesse de longe pelas linhas de transmissão e distribuição. Ele paga ao vizinho do telhado? Não! Paga à distribuidora. Portanto, para a empresa, não há perda alguma.

Pois bem, o que o Brasil vai adotar é que os novos telhados solares terão que pagar um trajeto dessa pequena corrente como se ela viesse de uma longa rede de fios. A sua microusina vai pagar como se estivesse usando o circuito de distribuição de 13.800 volts e até os de 230 quilovolts da transmissão.

Claro que, mesmo com esse erro que reprovaria qualquer aluno de energia elétrica, as fotovoltaicas ainda serão vantajosas devido ao caro kWh brasileiro. O que é contrassenso é que interesses das distribuidoras estão desafiando as leis da eletricidade descobertas por Gustav Kirchhoff no século 19.

Evidentemente, há perdas de receita com a diminuição de consumo do dono do telhado, mas não há um tostão a menos na fatura dos outros consumidores.

Como estamos num país tropical de clima quente, o consumidor, com fotovoltaicas, reduz seu consumo no ápice do calor. Indiretamente, alivia a rede de distribuição, mas esses efeitos benéficos não estão sendo considerados, pois não tomamos as medidas para que a energia fotovoltaica fosse atrativa também para as distribuidoras.

É fácil prever o que pode acontecer. Um desincentivo à energia solar e situações esdrúxulas. Por exemplo, se o dono do telhado solar viajar, seu consumo vai cair e, nesse caso, o melhor a fazer é desligar seu inversor, ou seja, a microusina.

Infelizmente, dados os conflitos crescentes num sistema cuja geração e consumo se dão na velocidade da luz, o Brasil pode estar “desligando” o sol.

Roberto Pereira D´Araujo é membro do Ilumina, Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético

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