Opinião

O gerenciamento da crise hídrica e energética e os desafios para empresas

Sem um plano claro por parte do governo para garantir o abastecimento de água e eletricidade, empresas operando no Brasil vão estar expostas a elevados níveis de incertezas e volatilidade regulatória nos próximos meses

Por Mario Braga

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A seca mais severa em 91 anos e os baixos níveis de água nos reservatórios do Centro-Sul trouxeram de volta os riscos de uma crise hídrica e energética ao Brasil. Isso ocorre em um cenário de crescente instabilidade política em meio aos repetidos ataques do presidente Jair Bolsonaro contra instituições democráticas, os desdobramentos da CPI da Covid-19 e a antecipação da disputa eleitoral de 2022.

De olho nas eleições de 2022 e na desvantagem apontada por pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro pretende evitar o alto custo político de eventuais apagões ou medidas de racionamento. Ao optar por uma abordagem “não alarmista” e não encarar o problema de frente, no entanto, o governo arrisca não entregar soluções definitivas para o problema e pode gerar ainda mais incertezas para o ambiente de negócios.

Temendo um cenário similar ao de 2001, em que apagões e racionamentos de energia corroeram o capital político do então presidente Fernando Henrique Cardoso, o governo tem se limitado a incentivar o “uso racional” de energia e água e recorrido a aumentos de preços nas tarifas para coibir o consumo. No entanto, mesmo que o aumento do preço da bandeira vermelha nas contas de luz limite o consumo de energia em alguma medida, a falta de transparência e coordenação no enfrentamento de uma crise energética desta magnitude limitam de maneira significativa as chances de sucesso de tal abordagem. 

A opção pela via do “racionamento pelo preço” como alternativa ao anúncio de medidas mais drásticas e de custo político mais alto deve aumentar a volatilidade nas tarifas nos próximos meses. Caso o governo tente interferir de maneira significativa nas decisões sobre a alta das bandeiras tarifárias para evitar um repique ainda mais alto na inflação, os efeitos negativos podem durar ainda mais tempo – vide os efeitos da interferência nos preços administrados sob o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (2011-16).

Contraditoriamente, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, já declarou que a escassez de chuvas não é motivo de preocupação e garantiu que não vai faltar energia no país, mas sinalizou a possibilidade de bonificar consumidores industriais e residenciais que reduzirem o consumo. Além disso, a decisão do Executivo de centralizar as decisões nas mãos de seis ministérios é outro fator que pode levar a um aumento da volatilidade no ambiente regulatório no curto prazo. Em 28 de junho, o presidente Bolsonaro sancionou uma Medida Provisória (MP) criando um comitê que exclui agências reguladoras do processo decisório.

O órgão desenhado pelo governo e liderado por Albuquerque tem, entre suas atribuições, definir vazões dos rios relevantes ao setor elétrico e contratar energia emergencial – medidas que fazem parte do escopo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA). O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também ficaram de fora do comitê de crise. 

Desafios para empresas

Neste cenário, mudanças nas regras do setor elétrico ou na maneira com que regulações são definidas devem aumentar a incerteza, tanto para players do setor como para empresas e a sociedade em geral. Em meio aos baixos níveis dos rios, a priorização do uso de água para geração de energia deve limitar ainda mais o funcionamento de hidrovias, como a Tietê-Paraná, que tem papel importante no escoamento de commodities agrícolas do Centro-Oeste até o Porto de Santos.

Portanto, a necessidade de recorrer ao transporte rodoviário representará desafios operacionais devido às más condições das estradas não privatizadas e a um aumento de custos de transportes. Entre maio de 2014 e maio de 2015, sete milhões de toneladas deixaram de ser movimentadas pela via de navegação devido à estiagem, gerando um prejuízo de R$ 700 milhões, segundo o Departamento Hidroviário do Estado de São Paulo. 

No âmbito das indústrias eletro-intensivas (entre elas as de cimento, siderurgia, metais não-ferrosos, ferroliga, química, e de papel e celulose), revisões nos subsídios, como os estabelecidos pela MP 677 de 2015, não devem ser o caminho mais provável, uma vez que elevariam de maneira significativa a insegurança jurídica. No entanto, é provável que o governo estabeleça incentivos para mudanças no horário de funcionamento de empresas desses setores para limitar risco de apagões em períodos de pico de consumo. Tais medidas podem aumentar os desafios operacionais no curto prazo, desde esforços de coordenação de novos turnos de trabalho como os decorrentes aumento de custos nas operações. 

Do ponto de vista dos consumidores, economistas apontam que o encarecimento da conta de energia tende a afetar principalmente as famílias menos favorecidas, já que a conta de luz representa uma fatia maior do orçamento delas. Pesquisas indicam que este aperto no orçamento pode levar também a um aumento da inadimplência. De maneira geral, se a queda no consumo das famílias se concretizar, as empresas devem se deparar com um cenário de retomada menos forte que inicialmente antecipado, levando à necessidade de adaptar suas operações para um nível mais baixo de demanda.

Por outro lado, em um cenário de economia aquecida e retomada mais forte da atividade, a preocupação dos empresários se concentrará na capacidade de geração de energia e nos possíveis riscos de apagões ou racionamento. Sem um plano claro por parte do governo para garantir o abastecimento de água e eletricidade, empresas operando no Brasil vão estar expostas a elevados níveis de incertezas e volatilidade regulatória nos próximos meses.

Mário Braga é o analista líder da Control Risks para o Brasil

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