Opinião

O papel da energia solar térmica na descarbonização na indústria

Suas tecnologias, capazes de operar em uma ampla faixa de temperaturas - de 50°C a 400°C -, são adequadas para diversas aplicações industriais e permitem a integração com sistemas convencionais

Por Irapuã Santos Ribeiro

Compartilhe Facebook Instagram Twitter Linkedin Whatsapp

A indústria é um dos pilares do desenvolvimento econômico de um país. À medida que um país se industrializa, o seu consumo de energia aumenta. De acordo com dados da EPE, a indústria brasileira é responsável por cerca de 37% da demanda energética nacional, sendo que 80% dessa demanda é requerida em forma de calor de processo. Mesmo com essa grande demanda por calor, o uso de fontes renováveis para substituir os combustíveis fósseis na indústria ainda avança lentamente no Brasil.

Fonte: Solar Payback

Em termos de consumo de calor industrial, a faixa de temperatura requerida pelos processos é um dos fatores fundamentais para a definição do caminho de descarbonização mais adequado. Dentre as opções com maior potencial de descarbonização para a indústria brasileira se destaca o uso da energia solar térmica para geração de calor e vapor de processo em uma ampla faixa de 50°C até 400°C. A energia solar térmica já é muito popular no país para uso residencial, porém no setor industrial ainda possui muito potencial para crescimento.

Os coletores solares térmicos são divididos entre coletores não concentradores e concentradores, sendo que a principal diferença é a faixa de temperatura de operação que podem atingir:

  • Coletores concentradores como os do tipo planos ou de tubos evacuados, operam geralmente até uma faixa de 80-90°C.
  • Coletores concentradores, como os do tipo cilindro parabólicos e linear Fresnel, são aplicáveis para demandas a partir dos 100°C podendo chegar até 400°C.

O funcionamento desses coletores é simples: eles absorvem a radiação solar convertendo-a em calor que é transportado por um fluido de transferência de calor, como água ou óleo térmico.

Nos coletores não concentradores, a radiação solar é absorvida diretamente por uma placa plana (coletores planos) ou pelos tubos absorvedores (coletores de tubo a vácuo) e transportado para o processo industrial tendo diversas aplicações como pré-aquecimento de água de caldeira, ou aquecimento direto de processos como pasteurização, esterilização, limpeza e secagem.

Coletor não concentradores: plano (esquerda) e de tubo evacuado com CPC (direita)
Fonte: Solar Payback

Em coletores concentradores o princípio de funcionamento é um pouco diferente, pois inclui espelhos que fazem o rastreamento do sol e direcionam os raios solares para um tubo absorvedor onde o calor é absorvido e transportado para uso na fábrica, sendo comum a geração de vapor, aquecimento de fluído térmico ou geração de água pressurizada a altas temperaturas.

Coletores concentradores: cilindro-parabólico (esquerda) e linear Fresnel (direita)
Fonte: Solar Payback

Estas tecnologias, além de possuirem alto potencial de geração térmica, mantêm uma alta eficiência, atingindo 70-80% de conversão da energia solar incidente em calor útil para processo industrial. Em um país com um excelente recurso solar como o Brasil, esses tipos de tecnologias renováveis apresentam uma excelente oportunidade para redução dos custos operacionais e das emissões de gases do efeito estufa, além de serem facilmente hibridizadas com caldeiras convencionais ou com tecnologias de eletrificação como bombas de calor e caldeiras elétricas.

Por exemplo, um sistema instalado em uma região ensolarada pode gerar cerca de 1000 kWh/m² por ano de calor, a temperaturas próximas de 100°C. A capacidade de hibridização da energia solar térmica garante a continuidade operacional da fábrica, mesmo em períodos nublados ou chuvosos.

A energia solar térmica para uso industrial vem ganhando espaço mundialmente, principalmente em países como a Espanha, Alemanha e França, onde uma combinação de fatores, incluindo incentivos governamentais, está acelerando o processo de adoção para pequenas, médias e grandes empresas. Além do benefício econômico e ambiental para as empresas, estas tecnologias possuem um grande potencial de geração de emprego e renda em sua cadeia produtiva, fortalecendo ainda mais a indústria nacional.

Para a escolha e dimensionamento de um sistema solar térmico deve-se considerar 4 fatores principais:

  1. o espaço disponível para instalação do campo solar, que pode ser em telhados, lajes ou em solo, dependendo do tipo de coletor;
  2. a localidade e o recurso solar disponível, que pode facilmente ser consultado em bancos de dados nacionais e internacionais;
  3. o perfil de consumo de calor atual da fábrica para avaliar variações de demanda, definir o tipo de coletor solar adequado e tamanho do armazenamento térmico;
  4. o tipo de combustível fóssil e custos atuais para avaliação da viabilidade econômica.

A energia solar térmica é, portanto, uma alternativa estratégica para a descarbonização da indústria brasileira, sendo importante ator tanto para a redução das emissões de gases de efeito estufa quanto para diminuição dos custos operacionais. Suas tecnologias, capazes de operar em uma ampla faixa de temperaturas — de 50°C a 400°C —, são adequadas para diversas aplicações industriais e permitem a integração com sistemas convencionais, garantindo flexibilidade e segurança energética. Além dos ganhos econômicos, essa solução impulsiona a geração de empregos e o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional, colaborando para uma transição energética alinhada às metas globais de sustentabilidade.

---------

Irapuã Santos Ribeiro é engenheiro mecânico formado pela UFMG com mestrado em Energias Renováveis pela Hanze University (Holanda) e Université de Perpignan (França). Fundador da Thermodemand, é especialista em energia renovável e consultor do Programa PotencializEE.

Outros Artigos