Opinião
O grau de liberdade do mercado livre de energia elétrica para o consumidor brasileiro
Apesar das potenciais vantagens da migração, é preciso clarificar o consumidor, por exemplo, sobre a qualidade do serviço de entrega, que segue sendo monopólio natural
Em 1998, Amartya Sen recebeu o prêmio Nobel de Economia por sua teoria sobre o desenvolvimento como um processo de liberdade que estimula as capacidades humanas (trabalhar, consumir, cuidar da saúde, estudar e expressar os pensamentos). Para isso, as políticas de desenvolvimento devem combater os fatores que privam as escolhas individuais.
Após 20 anos dessa teoria, está para ser aprovado o projeto de lei do Senado nº 232 de 2016 que moderniza o setor elétrico com a opção de portabilidade da conta de energia elétrica a todos os consumidores na baixa tensão e expansão do mercado livre de energia, que já representa 30% da carga do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Apesar da expansão do mercado livre apresentar muitas oportunidades no setor elétrico, observou-se que não implicará necessariamente em condição determinística na melhora da qualidade do serviço de distribuição e transmissão no Brasil. O cliente que optar pela portabilidade poderá continuar insatisfeito.
É pequeno o nível de conhecimento da sociedade, em geral, sobre o tema, ainda confundido com a portabilidade dos setores de telecomunicações, bancário e saúde, que possuem características no seu negócio completamente distintas da indústria de energia elétrica.
De acordo com o decreto nº 4.562/02, um dos requisitos para migração ao mercado livre é a abertura tarifária, com a separação entre fio e energia por meio da tarifa binômia.
Pelas características de indústria de rede no setor elétrico, a portabilidade ocorre exclusivamente com a componente energia e mantém a infraestrutura da transmissão e da distribuição já existente ao consumidor. Assim, esses serviços continuarão sendo monopólios naturais, remunerados pelo pagamento da TUST e TUSD (Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão/Distribuição) e regulados pela ANEEL.
Caso a migração do consumidor cativo ao mercado livre seja motivada pela insatisfação com a qualidade do serviço, deve-se comunicar que a distribuidora de energia elétrica permanecerá responsável pela continuidade no fornecimento.
Para isso, a Aneel determina padrões regulatórios dos indicadores de qualidade na área de concessão, que podem ser influenciados por fatores exógenos e alheios a operação das distribuidoras, tais como: temperatura, chuva, umidade, pressão atmosférica, tipo de vegetação próxima a rede, violência de grupos armados na região e outros.
Além disso, as distribuidoras celebram contratos de longo prazo para atender ao mercado regulado a partir da competição por preços nos leilões, onde são ofertadas fontes de energia com serviços distintos como despachabilidade, variabilidade e intermitência.
O avanço do livre mercado no setor elétrico mundial evidencia fatores positivos, como: aumento da participação das fontes renováveis na geração de energia; maior eficiência em custos e aumento do investimento privado; sinalização de preços mais adequada, com redução de custos ao consumidor livre; maior elasticidade de preço da demanda e liberdade de escolha; intolerância aos subsídios cruzados.
Por mercado livre de energia entende-se o ambiente de negociação de energia, no qual os agentes acordam livremente todas as condições comerciais, como fornecedor, preço, quantidade de energia contratada, período de suprimento, forma de pagamento e outras.
É importante destacar quais são os impactos ao consumidor brasileiro da portabilidade da conta de luz, apontando a dimensão dos riscos e os custos associados da proposta.
A fim de que haja maior transparência e previsibilidade no mercado livre, deverão ser incorporados mecanismos de redução das assimetrias de informação e precificaçãocoerente com a realidade do país, que considere os atributos das fontes e redução dos encargos aos consumidores. Somente com o devido aperfeiçoamento da proposta, será possível tornar a liberdade individual do brasileiro o motor do desenvolvimento nacional.
Vanderlei Affonso Martins é especialista em planejamento e regulação do setor elétrico. Doutorando do Programa de Planejamento Energético (PPE/COPPE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)